A defesa dos direitos das mulheres trabalhadoras foi um dos principais temas abordados durante a Conferência Internacional Contra a Desregulamentação dos Direitos Trabalhistas para Todos, realizada entre os dias 21 e 25 de fevereiro, em Berlin (Alemanha). Ao todo, 350 pessoas de 55 países participaram do evento.
A delegação do Brasil foi composta por 16 pessoas. Entre elas estava Roque Ferreira, que representou a Federação Independente dos Trabalhadores sobre Trilhos e o Sindicato dos Trabalhadores Ferroviários de Bauru.
De acordo com ele, o principal objetivo da conferência foi avaliar de que maneira os processos de desregulamentação e flexibilização de direitos trabalhistas ocorrem no mundo e quais as conseqüências para a maior parte da classe trabalhadora.
O debate sobre os direitos da mulher se deu em função da Organização Internacional do Trabalho (OIT) ter promovido, no ano 2000, a flexibilização da Convenção 103, que protegia o trabalho da mulher.
De acordo com Ferreira, isso fez com que o que era convenção passasse a ser apenas uma recomendação. Dessa forma, cada país pôde começar a aplicar legislações diferentes de proteção ao trabalho da mulher.
“No Brasil, no ano passado, o senador Luiz Pontes elaborou um projeto, que já foi aprovado no Senado e agora deve seguir para o Congresso, que acaba com a estabilidade de emprego para mulher grávida. Isso é grave, pois trata-se de direito conquistadoâ€, observa Ferreira.
Além desse fato, o representante de Bauru na convenção internacional diz que, paralelamente à essa discussão, também teriam ocorrido outras iniciativas no Congresso Nacional que alteraram alguns direitos previstos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como a proibição do trabalho noturno para as mulheres.
“As mulheres tinham o direito de não trabalhar à noite e não fazer hora extra, por exemplo. No Brasil, nada disso existe mais e é importante frisar que essa não é uma discussão de natureza paternalista, e sim, de direitosâ€, destaca Ferreira.
Durante a conferência, foi feito um balanço sobre todas as iniciativas ocorridas no mundo com o objetivo de combater a flexibilização da Convenção 103.
Transportes
As discussões sobre o sistema de transportes também tiveram destaque durante a conferência, mais especificamente o tema sobre as privatizações das ferrovias. Segundo Ferreira, o mesmo processo que está ocorrendo no Brasil vem sendo aplicado na Europa. Porém, com alguns elementos de resistência, já que, com exceção da Bélgica e Inglaterra, na maioria dos países europeus as ferrovias são estatais.
Ferreira destaca a mobilização dos trabalhadores do setor, em outros países, que têm conseguido, até mesmo, evitar a privatização de ferrovias.
“Na Ásia também existe a tentativa de privatizar as ferrovias, mas há muita resistência. Na Coréia do Sul, os ferroviários fizeram uma greve de 35 dias e conseguiram barrar o processo. Na Rússia, o governo também não conseguiu, ainda, privatizar as ferroviasâ€, ressalta.
Para destacar a importância do sistema ferroviário no mundo, Ferreira cita que a Rússia possui 1,2 milhão de ferroviários; a Alemanha, 220 mil, e a França, 170 mil. No Brasil, são apenas 12 mil trabalhadores e 19 mil quilômetros de malha ferroviária.
Durante a conferência de Berlin foi constituído um Comitê Internacional de Defesa das Ferrovias, formado por representantes da Europa, Ásia, África e América Latina. Roque Ferreira integra o comitê que representa o Brasil.
Uma das definições do comitê foi a elaboração de um calendário de atividades que consiste em mobilizar todas as entidades que operam com transporte ferroviário e metroviário.
“Serão explicados os objetivos desse comitê internacional e proposta a realização, no Brasil, de uma conferência nacional a ser realizada em junho ou julho deste ano com o propósito de discutir a realidade das ferrovias e dos ferroviáriosâ€, diz Ferreira.
Para outubro deste ano, ainda sem data definida, está prevista a realização do Dia Internacional de Paralisação dos ferroviários, que pedirá o fim das privatizações das ferrovias e a reestatização das que foram privatizadas.
Também está prevista uma Conferência Internacional de Defesa das Ferrovias, a ser realizada em Paris (França), em fevereiro de 2003.
Sindicatos x independência
Outro tema importante tratado durante a conferência, que gerou debate de dois dias, foi a “Democracia e Independência dos Sindicatosâ€. Segundo Roque Ferreira, a relevância do assunto se deve ao fato dessas entidades lutarem contra determinadas posturas políticas, governistas ou não, consideradas “nocivas†à classe trabalhadora.
“Em todo o mundo, para que as grandes corporações e os governos consigam aplicar até o limite sua política de destruição, não podem ter nenhum elemento de resistência. Os sindicatos são organizações nas quais os trabalhadores se apóiam para fazer a resistência a esses ataquesâ€, cita Ferreira.
De acordo com ele, existiriam duas formas de se promover a “destruição†de sindicatos e organizações dos trabalhadores. Uma delas seria envolver as direções sindicais na discussão sobre parcerias feitas através das comissões chamadas tri-partites (formadas pelo governo, capital e classe trabalhadora).
“A partir disso, as organizações sindicais passam a ser instrumento dessa política de destruição de direitos. No Brasil, estamos passando pelo momento de discussões sobre a flexibilização da CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). Compete a todos os dirigentes e militantes honestos e lutadores fazer uma defesa intransigente da democracia dentro dessas organizações e da própria existência delasâ€, ressalta.
De acordo com Ferreira, a conferência mostrou que, em todo o mundo, os efeitos das políticas liberais têm sido devastadores sobre a população.
“Na América Latina, isso é percebido pela extinção de postos de trabalho, pelo pagamento extorsivo da dívida externa, entre muitos outros impactos. Na África, isso gerou um processo involutivo do modo de vida em diversos setores do continente. Lá, além das mortes causadas pelas guerras civis, milhões de pessoas estão sem nenhuma fonte de renda. Na Ásia e na Europa, os efeitos são diferentes, porém, igualmente trágicosâ€, diz.
Para Ferreira, a humanidade vive uma situação de limite e precisa lutar por um novo modo de organização da sociedade. “Estamos diante de um dilema. Ou ficamos com a barbárie, ou lutamos pela reorganização da sociedade através de uma ruptura com o atual sistema. Na minha opinião, não podemos esperar mais nada do capitalismoâ€, conclui.
Reforma do ensino, energia elétrica, universidade da juventude, previdência social e o trabalhador migrante também foram temas discutidos durante a Conferência Internacional realizada em Berlin.