18 de dezembro de 2025
Auto Mercado

De volta para o passado

Marcelo Ferrazoli
| Tempo de leitura: 6 min

O governo federal está estudando a reativação do Proálcool, programa de incentivo ao uso do combustível lançado na década de 70 no País que transformou o carro a álcool em verdadeira “coqueluche” nacional .

Na época, tais modelos foram responsáveis por 96% das vendas de veículos no País. Mesmo assim, o programa acabou sendo extinto, sob a justificativa de falta de combustível no mercado. Além disso, ainda deixou os proprietários de carros equipados a álcool insatisfeitos com o comportamento mecânico dos automóveis. Isso principalmente com os carros carburados, que tinham enormes dificuldades de partida em dias frios.

Atualmente, o desempenho de vendas dos carros a álcool no País ainda não é suficiente para torná-los os campeões da preferência popular. Entretanto, no último mês de abril, os automóveis a álcool produzidos pela indústria brasileira tiveram o melhor mês de vendas do ano. Foram 3.426 unidades comercializadas, número que correspondeu a 2,9% do volume total de vendas de carros no Brasil, melhor índice desde dezembro de 2001.

Mesmo assim, a opção em ter um carro a álcool ainda provoca polêmica entre os motoristas. Há os que mantêm-se fiéis ao combustível e nem cogitam a possibilidade de trocar por outro a gasolina. Entretanto, muitos não querem ter um veículo movido a etanol nem que este fosse pintado de “ouro”.

Este é o caso da gerente administrativa Lauricy do Carmo Simão, cujas decepções com o veículo a álcool começaram quando ainda residia em São Paulo. “Lá, ninguém nunca tem tempo para fazer nada e leva uma vida muito corrida. Entretanto, perdia um tempo enorme tendo de esquentar o carro para poder andar normalmente. Além disso, tinha de abastecer freqüentemente, pois ele consumia muito”, lembra ela.

Dona de um Escort Hobby a gasolina, Lauricy pondera que não trocaria por um a álcool mesmo se o avanço tecnológico corrigisse a dificuldade de partida e o alto consumo. “Não confio mais no governo. Se o álcool fosse tão bom, porque outros países, como os Estados Unidos, não copiaram a idéia do Proálcool?”, questiona a gerente.

Nem a diferença de preço entre os combustíveis a convenceria a mudar de opinião. Para ela, tal questão é uma ilusão. “Tenho certeza que por trás desse valor mais baixo do álcool estarei perdendo em outros pontos, principalmente no consumo e no desempenho do veículo. Mesmo a gasolina sendo mais cara, confio muito mais no comportamento dos veículos movidos por este combustível.”

Lauricy acrescenta que a escassez de bombas nos postos e o fraco desempenho do automóvel eram outros inconvenientes. “Sempre gostei de veículos que tenham um arranque mais rápido e potência para ultrapassagens, o que eu não conseguia com o automóvel a álcool. Além disso, formavam-se filas nos postos para abastecer devido ao número reduzido de bombas para o álcool”, afirma ela.

Na torcida

O bauruense Paulo Roberto Fernandes é um dos que torcem pela reativação do Proálcool para poder comprar um carro zero. “A gasolina é um ótimo combustível, mas não confio mais nela porque sobe muito”, afirma ele. Seu único temor em relação ao renascimento do programa é o preço. “Tenho medo do governo fazer o valor do combustível subir muito. É um risco que poderemos correr”, considera ele.

Dono de um Voyage a álcool, Paulo é taxativo ao ressaltar que virou fã do etanol e ser novamente proprietário de um auto a gasolina - já teve um Diplomata seis cilindros - não faz parte de seus planos. “A vantagem que estou tendo com o álcool é enorme. Pelos meus cálculos, o carro a álcool consome mais que um a gasolina, mas esta, mesmo custando mais caro, não permite que o veículo tenha a mesma autonomia”, considera ele.

Paulo acrescenta que, além da gasolina custar quase o dobro do álcool, o rendimento dos automóveis movidos a álcool é superior. “Com um litro de gasolina, não rodo a mesma quilometragem obtida com dois litros de álcool. Por isso, como viajo muito devido à minha profissão, chego a economizar cerca de 60%”, ressalta o bauruense.

Ele afirma que não tem problemas de desempenho com seu automóvel. “De manhã dou partida normal, mesmo nos dias frios, e ele anda muito mais que um automóvel a gasolina. Também nunca tive problemas com o carburador e de corrosão de motor”, garante.

Tecnologia supera problemas

O engenheiro mecânico bauruense Marcos Serra Negra Camerini explica que o avanço tecnológico alcançado pelas montadoras conseguiu superar os problemas crônicos dos carros a álcool, como a dificuldade de ignição. “Muitos veículos utilizavam carburador, mas atualmente a maioria possui injeção eletrônica. Graças a ela, as partidas em dias frios ou quentes, independente do combustível, são instantâneas”, destaca ele.

Em relação ao desempenho, Camerini ressalta que os veículos a álcool sempre foram mais potentes que os a gasolina em razão das maiores taxas de compressão obtidas pelos motores. “As taxas de compressão mais altas sempre darão mais potência e torque”, ressalta. “Além disso, também são menos poluentes”, completa.

No item consumo, Camerini enfatiza que o álcool nunca atingirá os mesmos índices da gasolina por ter menor poder calorífico. “Por isso, para que um veículo a álcool obtenha a mesma potência que um a gasolina é necessário injetar mais álcool, aumentando o consumo”, diz ele.

Mesmo assim, o engenheiro mecânico afirma que vale a pena ter carros a álcool. Segundo Camerini, estes levam grande vantagem em relação aos movidos a gasolina: a maior durabilidade do motor. “A gasolina se mistura ao óleo, enquanto o álcool não. Quando cai um pouco de gasolina no óleo, este vai diluindo e perdendo seu poder de lubrificação, o que provocará maior desgaste do propulsor”, enfatiza ele.

Camerini acrescenta que, graças ao fato de não se misturar ao óleo, o álcool acaba aumentando a vida útil do motor. “Ela é de 30% a 50% maior que um movido a gasolina”, conclui o engenheiro.

Entenda o Proálcool

No final da década de 60 até o início dos anos 70, foram desenvolvidas intensas pesquisas visando equilibrar o consumo de petróleo com a produção de óleo no Brasil. Com isso, a finalidade dos estudos era identificar uma alternativa economicamente viável ao petróleo como fonte de combustível. O etanol, extraído da cana-de-açúcar, foi o escolhido para tal tarefa.

Desta forma, o objetivo do Programa Nacional do Álcool (Proálcool), criado em 1975, foi o de usar o etanol como combustível substituto da gasolina e aumentar sua produção para uso industrial.

Por volta de 1985, quando o programa já estava em operação por dez anos, US$ 6,5 bilhões haviam sido investidos na produção de 50 bilhões de litros de álcool; 500 mil empregos tinham sido criados; 2,5 milhões de veículos estavam rodando com etanol puro e toda a gasolina dos postos teve 20% de mistura de etanol.

(Fonte: site Desenvolvimento Industrial - www.mre.gov.br/textos/brasilinst/industrial-n.htm)