Elas levam um espetáculo beneficente pelos quatro cantos do Brasil durante o ano todo, sempre nas férias e finais de semana. Mas as 60 crianças e jovens que integram o Show Musical Anchieta Canto e Dança, afirmam que a melhor parte é poder vivenciar e conhecer outras realidades. Em cada cidade visitada, eles ficam em casas de pessoas que nunca viram.
O grupo esteve em Bauru na semana passada, quando se apresentou no Teatro Municipal em prol da Paróquia de Nossa Senhora da Assunção, no Jardim Ouro Verde, que pretende construir um salão multiuso para atendimento à comunidade, que os recebeu com festa e eles agradeceram com música.
Um grupo de mães bauruenses lotava a pequena igreja à espera dos filhos adotivos que chegariam para passar dois dias em suas casas, na maioria dos casos bem simples.
Muitas não escondiam a ansiedade em receber os garotos e garotas, com idade entre 9 e 16 anos, alunos do Colégio Anchieta, uma escola particular de classe média-alta de Porto Alegre (RS). Maria Lúcia Dias Lopes, que participa das pastorais do dízimo e dos cânticos para as missas de sábado e ainda arruma tempo para visitar doentes, em companhia do padre Fábio Chella, vigário da paróquia do Ouro Verde, era uma das mulheres que aguardava seus novos filhos no portão da igreja.
Ela conta que pediu férias à patroa para poder ficar com duas meninas gaúchas, mas estava disposta a hospedar quatro garotas caso uma das famílias postiças desistisse ou tivesse algum problema.
Sobre como iria acomodá-las, Maria Lúcia revela que não teria problemas, pois tinha espaço e colchões o suficiente “Será um prazer. Elas farão companhia para minha caçula, que tem 15 anos.â€
Mais valia
Ansiosa também estava Solange Valim, que já hospedou integrantes do show por duas vezes, quando vieram se apresentar em prol da capela e do santuário da Universidade do Sagrado Coração (USC). “Na última aprsentação, há três anos, fiquei com sete na minha casa e foi uma festa.†Ela conta que sempre entra em contato com os filhos gaúchos e que quando esteve no Sul com o coral Veritas, eles foram buscá-la e a levaram para jantar em suas casas.
“Um deles me perguntou se ganhava para cantar no coral. Eu respondi que não, mas devolvi a pergunta. E ele me respondeu: “Eu ganho e muito! Ganho por conhecer pessoas como você.â€, diz comovida.
Preocupação
Se por um lado as mães estavam com a situação doméstica sob controle, as crianças de Bauru estavam preocupadas em agradar os novos “irmãosâ€.
Wesley Borges, de 4 anos estava feliz por recebeu um amigo que nunca viu em sua casa. “Eu tô achando legal. Na minha casa vem só um amigo, mas na minha madrinha vem bastante. Quero levar meu amiguinho lá, para conhecer os amiguinhos dele. Mas eu só tenho uma cama. Lá em casa tem dois sofás. Não sei se ele vai dormir comigo na minha cama ou eu vou ficar na sala com eleâ€, explica preocupado.
Lucas de Paulo, de 6 anos, afirmou que uma amiga iria ficar na sua casa. “Eu já gosto dela, mas quero saber se ela vai gostar de mim e da minha casaâ€, pergunta.
Integração
Para os gauchinhos, cada viagem é uma nova experiência, mas já não se assustam. Sabem que sempre vão ser bem recebidos seja onde e como for. Um grupo de bailarinas aponta que todas as pessoas tratam-nas bem. “Como geralmente ficamos um ou dois dias não dá tempo de não gostar ou criar confusão.â€
Elas contam que o pouco tempo que passam juntos com as famílias adotivas é realmente conversando sobre como vivem. Às vezes, acabam passando para comer ou conhecer a cidade. Nesse aspecto, os baianos foram considerados os campeões em minar os gaúchos.
Mas tudo depende da realidade de cada família e lugar. “Ficamos em casas muito humildes hoje, amanhã ficamos em mansõesâ€, diz Cassio Caldarte, que já veio a Bauru em 1997 e 1998.
A música e a experiência de vida são os dois fatores que atraem os estudantes ao grupo. Em sua última temporada, depois de nove anos com o Ancheita, Estevão Munhoz, de 17 anos avalia que é difícil medir o que mais aprendeu: tocar instrumentos de percussão ou conviver. Ao sair do colégio vai prestar vestibular e levar adiante o trabalho com os amigos da banda Massachovisck e os Mequetrefes, que toca rock e baladas e tem composição própria. “Chegou a hora de usar o que aprendi para meus novos caminhos.â€
Esse caminho começa a ser trilhado pela caçula do grupo Marina Guaragna, de 7 anos, que integra o show desde o Natal e conta que “aprende a respeitar as coisas dos outros e a conquistar muitos amigos.â€
A vendedora Miriam, mãe Marina, teve que abrir mão do trabalho, mas também embarcou com os dois filhos nesta viagem de férias, que leva 15 dias e passa por Marília, Bauru, Ubiratan (PR) e São Lourenço (SC). “Ajudo no camarim, cuido das crianças que ficam doentes e brigo como toda mãe, se for necessário.â€
Sobre a experiência de deixar os filhos em outras casas, já que poucos adultos que viajam junto com o grupo são abrigados pela paróquia, Miriam considera um aprendizado. “Às vezes, elas até brincam que não vão devolver as crianças.â€
O grupo
O “Show Musical Anchieta Canto e Dança†foi fundado em 18 de novembro de 1966 pelo padre Vicente Konzen, assessorado pelo maestro Tercílio Poffo e pelo regente Wilson Schlickmann, com o nome de “Coral Pequenos Cantores do Colégio Anchietaâ€.
Ao longo de sua existência, o grupo de música e danças do folclore nacional e internacional se apresentou para platéias da América Latina e de diversos estados brasileiros.
Nas apresentações pelas cidades, os pequenos artistas do grupo se hospedam nas casas das pessoas que se dispõem a recebê-los. Os pais “adotivos†cedem lugar sempre para dois artistas que devem ser do mesmo sexo, além de cuidar da alimentação e transporte das crianças, com idade entre 9 a 16 anos.