18 de dezembro de 2025
Ser

Óh céus! Oh dia! Óh azar!

Luly Zonta
| Tempo de leitura: 6 min

Em 1962, os estúdios de HannaBarbera passaram a produzir as aventuras de um leão cheio de armações, chamado Lippy que vive tentando “se dar bem” e seu amigo Hardy, uma hiena (“hiena” mesmo!), que quase nunca ri.

Ser altamente pessimista é sua principal característica e as frases: “Oh céus! Oh dia! Oh azar!” e “Lippy, isso não vai dar certo...” são sua marca registrada.

O pessimismo, o cinismo, o excesso de métodos fazem com que as pessoas sejam taxadas, ou sejam de fato, mal-humoradas ou não assumam o problema.

Batizada com alegria, a psicóloga Eglê Allegro brinca que na vida a gente tem que pegar um limão e fazer uma limonada e revela que o nome sempre a cobrou de estar bem-humorada. O mau humor, como distúrbio patológico mais severo chama-se distmia. Mas, geralmente, segundo Eglê, o problema se resume numa dificuldade em lidar com o cotidiano e administrar o que vem pela frente.

“Algumas teorias defendem que a inteligência é saber resolver os conflitos e os problemas da vida. Então, as pessoas que têm mais dificuldade para trabalhar com isso acabam usando a energia que seria empenhada na solução de um problema, contra ela mesma e aí desencadeia esse comportamento chato”, explica a psicóloga.

Eglê aponta que as pessoas que desenvolvem o mau humor geralmente apresentam como característica a rigidez, pois quem é mais flexível tem predisposição a reverter este quadro.

As pessoas inflexíveis costumam negar tudo dentro de si mesmas. É pau ou pedra. Dizem sempre que “isso não vai dar certo. Isso não me serve”. Então, “eu estou com raiva”. Ou “eu não quero mais.” Tem uma pré-indisposição consigo mesmo, bloqueando a possibilidade de ter um lado positivo.

Outras pessoas optam por colocar o mau humor como uma couraça. “Não é que a pessoa queira ser o tempo inteiro assim, mas em determinados momentos de sua vida a dificuldade em se relacionar fala mais alto.

Todo mundo é assim. A escritora Clarice Lispector dizia sempre: ‘Eu tenho fases como a lua. Ficar em casa ao invés de sair para a rua’”, cita Allegro, que aponta que cada indivíduo tem seus momentos de porco-espinho para que ninguém chegue perto. É quando a cara se fecha e o mau humor se instala para que ninguém chegue perto.

A psicóloga aponta que a dificuldade nos relacionamentos tem motivado a busca pelas clínicas, mas um tratamento até com psiquiatra é aconselhado para casos severos, aqueles em que o mau humor já se tornou distmia e incomoda todas os integrantes da família e o convívio com outras pessoas.

Agora, numa graduação menor, como as mulheres na Tensão Pré-Menstrual (TPM) que ficam mal-humoradas por causa da oscilação dos hormônios, as pacientes podem e devem por si próprias tomar conhecimento disso, conhecer seu corpo e tentar se adaptar naturalmente antes de procurar ajuda.

Para os homens, o conselho de Eglê é que aqueles que se sentem incomodados com o mau humor tomem consciência do problema e admitir, caso contrário não vão conseguir modificar coisa alguma.

Genética

O psicólogo Luís Cremonesi aponta que o mau humor é um traço de temperamento que a amiga Eglê Allegro realmente não possui. Mas aponta que “por natureza” as pessoas são mais otimistas ou pessimistas, sendo uma predisposição genética.

Entretanto, mesmo quem não apresente um traço negativo pode acabar ficando “para baixo” por fatores externos ou alheios à sua vontade, como a perda de um parente, o emprego ou um amigo. A síndrome do pânico ou a depressão também desencadeiam o mau humor e a visão de tudo o que é negativo.

Para Cremonesi, o pensamento positivo é o remédio oposto que demanda um esforço racional muito grande de quem possui esse traço. Antes de mais nada, é preciso aprender a lidar com as falhas de seu temperamento.

“Todos os temperamentos têm falhas. Você pode ser otimista, mas ser colérico. É preciso saber lidar com isso e tentar aprender com as falhas.”

Dessa forma, o psicólogo revela que muita gente aprende até a usar o traço negativo com uma máscara para se proteger no dia-a-dia.

____________________

Fama de mau

“Eu não sou mal-humorado. Sou adaptável a determinados momentos. Sou até muito alegre e brincalhão”, define-se José Jorge (J.J.) Cardia, 58 anos, o titular da Delegacia e Investigações Gerais e Grupo Armado de Repressão a Roubos e Assaltos (DIG-Garra) que convive com a fama de ser mal-humorado.

“Por levar tão a sério o meu trabalho, as pessoas me interpretam dessa forma. Mas eu não sou mal-humorado, não. Quem me conhece sabe disso”, defende-se o delegado.

Cardia aponta que a seriedade e a transmissão de confiança são características indispensáveis para a realização de seu trabalho. Ele conta que não pode estar dando risada o dia inteiro, mas psicologicamente não se sente de mau humor.

“Na realidade, eu transmito uma figura de pessoa mal-humorada. Mas eu conto piada, brinco com meus amigos, com meu neto, com a minha bisneta. Se fosse mal-humorado não faria nada disso. Eu sou um tanto quanto sério. É diferente.”

O delegado diz que a aparência mal-humorada é um mecanismo de autodefesa. Mas revela que com o decorrer do dia, com a apresentação de uma série de ocorrências ele vai transformando a postura.

Nesse sentido, se o dia está “quente”, as coisas podem piorar. Cardia conta que na segunda e na sexta-feira é comum estar um pouco mais bravo.

“Na segunda, as pessoas querem resolver todos os problemas do final de semana na hora porque pensam que em Bauru só acontece o caso delas. E na sexta-feira, como é costume de todo brasileiro, elas deixam tudo para a última hora. Na sexta, às 18h, eles querem que seu problema seja resolvido. Se você não resolve, é você que é ruim”, desabafa.

Mas para deixar o delegado mal-humorado de verdade, basta ser mal-educado. Ele não admite. Outra coisa que tira J.J.Cardia do sério é uma pessoa chegar à delegacia citando pessoas importantes para ser atendido. “Isso sim, me tira o humor. Quando alguém chega e fala que veio aconselhada ou recomendada por uma pessoa influente na tentativa de ser atendido com mais calma ou mais rapidamente eu sempre respondo: ‘Isso não vai lhe prejudicar em nada’” (risos).

A preguiça também é abominada pelo delegado que assume ficar furioso quando percebe alguém de corpo mole. “Eu não admito. Chamo a atenção em qualquer lugar, grito, perco a linha mesmo.” O delegado admite que já teve dias em que exagerou, mas... não se arrepende.

____________________

Mau humor pode matar

Por incrível que pareça, a expressão morrer de raiva tem fundamento, ou no mínimo aumenta as chances de um ataque cardíaco. A conclusão é de um estudo realizado por uma equipe da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos para a Associação Americana do Coração.

Depois de seis anos estudando o comportamento de 13 mil homens e mulheres com idade entre 45 e 64 anos, os pesquisadores descobriram que as pessoas que se irritam intensamente, e com freqüência, têm três vezes mais probabilidades de sofrer um infarto do que aquelas que encaram as adversidades com mais serenidade.

Isso ocorre porque, a cada episódio de raiva, o organismo libera uma carga extra de adrenalina no sangue. A concentração desse hormônio no corpo aumenta o número de batimentos cardíacos e estreita os vasos sangüíneos, o que eleva a pressão arterial.

As conclusões do estudo americano, no entanto, referem-se apenas ao raivoso típico, à pessoa que perde o controle diante da menor das contrariedades. Esse é um tipo diferente daqueles que ocasionalmente perdem a paciência numa discussão com a namorada ou no trânsito. Mesmo em um grau mais agudo, dominar a raiva é possível sim.