“Todos nós perdemos os direitos civis quando entramos na prisão. Quando podemos expor nossos pensamentos, nos tornamos cidadãos. O artesanato, a literatura, a música e outros segmentos culturais trazem benefícios para quem está desenvolvendo. Eu me senti supervalorizado quando ouvi minha música tocando em uma rádio.”
O relato acima, feito pelo do reeducando Danilo Pereira Coppini, 29 anos, resume o sentimento de outros 31 detentos da Penitenciária 2 (P2) de Bauru que são autores de diversos trabalhos artísticos e artesanais incluídos em uma exposição aberta anteontem na galeria da Oficina Cultural “Glauco Pinto de Moraes”.
A mostra, denominada “Liberdade de Expressão”, é composta de telas, livros, poesias, CDs e vários produtos de artesanato, como cestas, roupas em crochê, brinquedos e bolsas. O evento vai até o dia 16 e tem entrada gratuita.
O objetivo da exposição é promover a ressocialização dos presos por intermédio da arte, explica a organizadora do evento, estudante de turismo Renata Wenzel Lourenço. “É uma forma de levar os trabalhos dos detentos para fora. A idéia que as pessoas têm é que há somente bandidos na penitenciária, mas lá existem artistas com muita sensibilidade”, diz.
A exemplo de Danilo, os reeducandos da P2 podem desenvolver a criatividade, raciocínio e equilíbrio mental por meio da arte. Essa idéia, inclusive, foi criada por um detento da unidade, Jean Carlo Harmuch, 38 anos. Ele é autor do projeto “Arte no Cárcere”, que há dois anos começou a desenvolver cursos de música, pintura, teatro e artesanato com os presos por meio de parcerias com estudantes e representantes da comunidade.
O resultado, que desencadeou na produção da mostra, entre outras atividades, foi surpreendente. “Conseguimos formar aqui dentro uma companhia de teatro e de palhaços, teatro de fantoches, uma banda de rock e outra de pagode e seis grupos de rap”, detalha Harmuch. Sem contar os artistas que, diariamente, confeccionam dezenas de obras de arte.
Os grupos artísticos formados por detentos se apresentam durante os eventos internos da penitenciária, como Dia das Mães, Natal e Dia das Crianças. “O que era sonho nós conseguimos transformar em realidade”, revela Harmuch, que é músico e coordenador cultural da P2. “É uma forma de mostrar para as pessoas que existe muita coisa boa aqui dentro”, destaca.
Sentimentos
O detento Wagney Reis, 55 anos, dedica a maior parte do seu tempo produzindo lindas peças utilizando como matéria-prima palitos de sorvete. Parte delas, como abajures, enfeites, carros e barcos feitos em madeira, faz parte da exposição da Oficina Cultural.
Emocionado, ele conta que busca transmitir ao público a mesma alegria que sente ao produzir suas obras. “Apesar de estar preso, precisamos passar coisas boas para as pessoas. No desenvolvimento do trabalho formamos nossa alegria e nosso modo de ser”, revela Reis.
O reeducando Vagner Padilha, 27 anos, concorda com o colega. “Cada trabalho que eu faço é uma emoção. Sinto alegria em poder fazer uma obra bonita e também em poder ensinar os outros presos a produzir trabalhos”, aponta. Padilha confecciona cestas, balaios e peças decorativas utilizando jornais entrelaçados e pintados com verniz.
O professor de filosofia e ética da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Clodoaldo Meneguelli Cardoso, que é coordenador do Núcleo de Tolerância da instituição, aprova o projeto de promover a ressocialização pela arte. “Qualquer tentativa nesse sentido é válida”, afirma. “É uma forma de facilitar o caminho, mas não existem garantias, devido às condições sociais adversas que o preso vai encontrar fora”, ressalta. “Há a questão do preconceito, não só da sociedade em relação ao reeducando, mas o estigma dele em relação a si mesmo”, complementa.
Serviço
Mostra “Liberdade de Expressão” pode ser apreciada até dia 16, na Oficina Cultural de Bauru. A entrada é gratuita. Rua Amazonas, 1-41. Informações: (14) 3231-1100.
Fonte de renda
Além de contribuir para o processo de desenvolvimento psicológico e social dos presos, a produção artística abre portas para o mercado profissional. Quase todas as obras feitas dentro da penitenciária são compradas pelos familiares dos detentos e funcionários ou ainda oferecidas à comunidade por intermédio de exposições. Todos os trabalhos contidos na mostra “Liberdade de Expressão” estão à venda.
Os preços variam de acordo com o tipo da obra. “Mas é possível encontrar peças de R$ 5,00”, ressalta a organizadora da exposição, Renata Lourenço.
Feita em cobre, a obra “Quadro da Justiça”, de Jair Pereira, 53 anos, é uma das mais caras da mostra e custa R$ 500,00. Artista plástico desde 1974, o detento domina uma técnica diferenciada, que combina cobre, sulforeto de potássio e cola, produzindo belas peças que lhe rendem dezenas de encomendas mensais.
O detento Vagner Padilha tem um público fiel dentro da P2 e costuma lucrar aproximadamente R$ 200,00 por mês. O dinheiro é depositado em uma conta e pode ser retirado pelos familiares dos detentos. “Estou ajudando o sustento da minha família e desenvolvendo uma responsabilidade aqui dentro”, observa.
Assim como os outros colegas artistas, Padilha pensa em se profissionalizar no ramo artístico quando sair da prisão. “É um trabalho em que me saio muito bem. Estou pensando no amanhã, em algum projeto de vida envolvendo a arte”, reforça. Pereira tem a mesma opinião. “Meu trabalho tem boa aceitação. Tenho vontade de montar um ateliê”, adianta.