Sem focar um segundo mandato consecutivo e descartando, por ora, novas pretensões políticas, o prefeito de Bauru, Tuga Angerami (PDT), não persegue a qualidade de simpático. Mesmo com a gestão criticada em alguns pontos, mostrou-se “despreocupado” diante da possibilidade de adotar medidas impopulares ou de contrariar interesses, caso as iniciativas sejam necessárias para a recuperar a cidade.
A meta ele admite como árdua frente a um município com baixa capacidade de investimento e demandas sociais multiplicadas. A solução, mais uma vez, virá do controle econômico-financeiro, problema ainda não equacionado. Em 2006, Tuga espera promover o que esboçou como “justiça contributiva”. Quer “resgatar”, por exemplo, quem foi poupado de contribuir com os cofres públicos municipais.
Para o duelo, escolheu a informática e a palavra como armas. Pretende se expor mais neste ano. A expectativa é que, com isso, possa discutir com a sociedade meios para atender tantas prioridades. A estratégia também deve protegê-lo contra iminentes explosões. Ele classifica como “bomba” a Empresa Municipal de Desenvolvimento Urbano e Rural de Bauru (Emdurb), cujas atribuições serão rediscutidas. A seguir, os principais trechos da entrevista.
Jornal da Cidade - O que mais o assustou assim que assumiu a prefeitura?
Tuga Angerami - O elevador parou no meio do caminho, foi o maior susto. É verdade, no dia da posse já quebrou o elevador.
JC - E o segundo maior susto?
Tuga - Isso é uma brincadeira, mas não deixa de ser um fato. Quando você está fora da administração, ainda que seja candidato e procure ao máximo de informações, acaba descobrindo que as informações que você levanta representam uma fração muito pequena da realidade. E essa realidade não deixou ainda de apresentar surpresas. E não são surpresas boas.
JC - Está muito mais difícil do que imaginava?
Tuga - Muito mais complicado. Eu já fui prefeito. Já peguei a prefeitura numa ocasião em que ela também tinha problemas, mas você não pode comparar porque não tinha o acúmulo de demandas. Hoje em Bauru, você tem um represamento de demandas por serviços públicos que se acumularam ao longo de uma dezena de anos.
JC - Onde o represamento é maior?
Tuga - Você tem demandas da sociedade represadas de investimento, você precisa ter recursos para investir. Isso vale para a pavimentação, para a drenagem urbana, para enfrentar a questão das águas pluviais, para a iluminação pública, para a recuperação do sistema de saúde, para a ampliação de oferta de crédito.
JC - Qual é a pedra no sapato da gestão Tuga Angerami?
Tuga - Você pode resumi-la da seguinte forma: você tem alta demanda e baixa capacidade de investimento. Se a demanda da sociedade fosse por opiniões políticas, administrativas, por solução de problemas dentro da máquina administrativa, isso daí a gente está resolvendo. Mas as demandas implicam em investimento e a nossa capacidade é reduzidíssima.
JC - Esse é o principal problema?
Tuga - Esse é o ponto. Qual é o principal problema? É a baixa capacidade de investimento, que vem se arrastando, aumentando cada vez mais a necessidade. Você tem 80.000 pessoas abaixo da linha de pobreza. Elas dependem do poder público em tudo.
JC – E o pior é que os equipamentos estão sucateados.
Tuga - Tanto maquinários quando equipamentos coletivos, como unidades de saúde. Vou te dar um exemplo, na unidade de saúde como lá na Vila Dutra, a sala de inalação é no banheiro. Algumas unidades vamos ter que trocar todo o telhado porque chove dentro. Além disso, a prefeitura também é prestadora de serviços em manutenção de vias públicas. 40% da frota da prefeitura foi avaliada pelo Senai como sucata, que deveria ser vendida. Nós não pudemos vender. Não temos recursos para comprar mais nova e pôr no lugar.
JC – Nem teremos a curto prazo?
Tuga - Duas situações ainda nos desafiam. Regularizar a dívida herdada com a previdência do município e mais a dívida federalizada. Essas duas situações não me dão duas certidões negativas de que eu preciso. Uma certidão para conseguir empréstimos, por exemplo. Na outra gestão nós acertamos as finanças rapidamente e aí eu pude ir ao Finame. O que é o Finame? É uma linha de financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), altamente subsidiada que nós possamos trocar a frota da prefeitura toda, comprar todos os caminhões de lixo. Nem isso você pode fazer.
JC – A prioridade em 2005 foi colocar as contas em ordem. E em 2006?
Tuga - Em 2006 nós não podemos alimentar a idéia de que está equacionado o problema econômico-financeiro da prefeitura. O que existe hoje é uma estabilidade maior, não tem a pressão de dívidas de curto prazo de fornecedores, que está tudo solucionado. Nós conseguimos encerrar o ano pagando 13.º e o salário de dezembro.
JC - O Refis ajudou?
Tuga - O Refis foi importante. Mas nós estamos entrando no ano com um desafio de ainda equacionar a questão da previdência, que é uma dívida alta e uma questão polêmica. Eu já mandei dois projetos de lei para a Câmara, o primeiro foi retirado. Agora mando um outro baseado em parâmetros da Medida Provisória (MP) do Bem. Aí qual é o receio? Ah, pode ser que ao longo do caminho a prefeitura não possa honrar esse compromisso.
JC - Como amenizar a insatisfação de parte dos munícipes?
Tuga - Você coloca uma questão que eu acho que é fundamental. De maneira geral eu acho que tem havido uma despolitização nas discussões, em todos os níveis. A questão ideológica está escamoteada. Isso é um fenômeno só brasileiro? Não, não é. Hoje o que é comum é você fazer um afago num contingente que está muito empobrecido utilizando Bolsa-Família, a Renda-Cidadã. Isso na assistência social são chamados os mínimos sociais. Atender mínimos sociais não é a solução.
JC - O que esperar do ano que vem?
Tuga - Eu já disse que para o ano que vem eu quero falar muito mais do que falei neste ano. E acho que nós temos que politizar o discurso. A discussão da planta genérica não é neutra, técnica. Essa é uma discussão política e com influência ideológica fortíssima. Porque se você diz que nós não vamos aumentar muito a arrecadação, quer dizer, não vamos aumentar dos que têm mais, isso tem um custo. O custo é a baixa capacidade de atendimento de demanda social.
JC - Per capita, o orçamento de Bauru é um dos menores do Estado de São Paulo. Como administrá-lo?
Tuga - A capacidade contributiva de Bauru é muito acima daquilo que tem sido arrecadado. As pessoas que podem pagar mais, ao longo desses últimos dez ou doze anos, foram poupadas de dar a sua contribuição e o poder público acabou deixando de fazer o atendimento dessa camada que depende do poder público.
JC - Mas na época não existia a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Tuga - A Lei de Responsabilidade Fiscal diz que o governante está obrigado a gastar bem os seus recursos e arrecadar. É obrigação arrecadar. Quando você, por exemplo, é tolerante com aqueles inadimplentes, a Lei de Responsabilidade Fiscal enquadra isso como crime. Sabe quantas pessoas nós temos no cartório de execução fiscal? Os processos da prefeitura não andavam. Nós pusemos 22 pessoas lá para poder fazer andar. Tem uma porção de gente executada. Nós tivemos pessoas que foram procurar o Refis porque na realidade elas já estavam indo para a penhora. Eu não estou dizendo que o alvo sejam os pequenos, não. O alvo deve ser principalmente os grandes que não pagam. O ideal é que você tenha um tratamento igual para todo mundo.
JC - A partir de 2006 a prefeitura será mais rigorosa com os grandes devedores?
Tuga - Não. Nós fomos neste ano. Dos maiores devedores da prefeitura, alguns deles fizeram o Refis agora, e por quê? Porque iam ser executados. Terminado o Refis nós vamos pedir uma reunião com o Judiciário para apresentar um sistema da Fundunesp, que informatiza a execução fiscal. Ao invés de ficar um monte de papel aqui, é on-line. Então nós vamos aprimorar a execução fiscal.
JC – É, mas os cidadãos são contrários ao aumento de tributos.
Tuga - Se der certo no ano que vem eu quero tentar fazer um orçamento que, didaticamente, vai ajudar a maioria a entender o seguinte: como é que devia ser feito realmente o orçamento? Não é sair por aí perguntando quais são as prioridades. Isso é importante, mas tem mais. Quanto isso vai custar? E a partir daí, você dizer agora vamos discutir o financiamento. De onde vem o dinheiro da prefeitura? Aí é que eu acho que vem a discussão.
JC - É um projeto?
Tuga - Eu o denomino de projeto de educação para participação efetiva na gestão democrática do município. Não adianta só definir prioridade. Nós fizemos esse ano e aí o que veio? Importante pavimentar, iluminar, ter uma creche aqui, outra ali e tal e coisa. Qual deveria ser o passo seguinte? Você faz um cálculo de quanto vai custar tudo aquilo que a cidade acha que deve ser feito. E aí você diz o seguinte: vai custar X, inferior ao que a cidade tem como investimento. A partir daí, você diz para a sociedade o quanto ela tem que complementar com impostos próprios. E aí ela pode dizer: ah não, isso aí é pesado demais. Tá bom, é pesado? Então nós vamos cortar. O que nós vamos cortar?
JC - Como resolver o problema da pavimentação?
Tuga - Não só a pavimentação. Nós vamos ter que, em primeiro lugar, procurar as dívidas que ainda ficaram para trás, daqueles que não responderam ao Refis. Em janeiro, nós vamos abrir uma licitação para contratar uma empresa para fazer o recadastramento físico e imobiliário da cidade.
JC - Mas é uma medida a longo prazo.
Tuga - Não, não, não, não.
JC - O asfalto está velho, vem a chuva, os buracos.
Tuga - Mas o que eu tenho que te dizer é onde eu vou buscar o dinheiro. Você não está gostando da maneira como eu vou buscar dinheiro, mas vou te dizer, não existe outra forma. Então, vamos lá. Reduzir ao mínimo a inadimplência com IPTU. Tem inclusive uma tratativa. Uma forma de procurar melhorar, reduzir os devedores da prefeitura, a inadimplência, executar os que ainda não foram executados e que não se beneficiaram do Refis, fazer o recadastramento físico da cidade. Você está dizendo, mas isso demora. Não. Você sabe as áreas que mais cresceram e onde o valor dos imóveis é mais alto. Você solta a equipe, ela volta no final da tarde. E não é uma equipe, são várias, elas voltam com informação, jogam dentro de um programa.
JC – O fechamento dos pronto-socorros já provocou desgaste.
Tuga - Apanhamos tanto quando acabou aquela farra de que o Mary Dota e o Ipiranga eram prontos-socorros. Aquilo lá estava errado, aquilo lá nunca foi pronto-socorro. Vende-se a idéia para a população de que aquilo lá está equipado e tem médicos para fazer atendimento 24 horas por dia, que tem recursos para ressuscitar alguém com parada respiratória, mas não tem. Tudo isso nós tivemos que ir enfrentando e vamos continuar.
JC - São medidas impopulares.
Tuga - Mas posso ser franco? Eu não acho que me elegeram para ser simpático. Acho que no final, quem votou em mim deve ter votado para tentar ajudar a consertar os estragos da cidade. Se isso é antipático eu tenho que arcar com isso. Simpático é o sistema de saúde funcionar bem. Nós estamos introduzindo, assim que terminar a licitação, controle de presença na prefeitura, na administração e também em todas as unidades de saúde. É importante, nós queremos ter uma política salarial boa para os profissionais de saúde, mas nós também queremos que cumpram o horário.
JC – O número de pacientes atendidos vai aumentar?
Tuga - Cumprir o horário significa poder atender um número maior de pessoas e atender melhor. Não empurrar a demanda que chega na unidade de saúde para consultas especializadas no Hospital Estadual ou no Hospital de Base. Isso é simpático? Para a população é. Para os profissionais é? Não, não é. Quando eu falei em controle de presença teve gente que disse que vai haver um levante. Eu fico à vontade, porque não tenho mais projeto político de reeleição, não posso me escravizar.
JC - Os compromissos não exigem segundo mandato consecutivo?
Tuga - Não tenho esse projeto. O meu projeto é terminar esse mandato. A ajuda da Câmara é fundamental. Quando eu discuto tudo isso é governo municipal. Governo municipal é Legislativo e Executivo.
JC - O servidor municipal de Bauru tem uma séria defasagem salarial. Como resolver a questão?
Tuga - Vocês mesmos noticiaram uma matéria dizendo que a Secretaria da Educação vinha promovendo cursos de treinamento para os professores, que é um programa de educação continuada e até fazendo críticas na forma como foi contratado. E o que é que está sendo feito? O que está sendo feito é um programa de educação continuada e vai se estender até o final da administração. Além disso, estamos implantando um programa novo na educação, que é o de inclusão social, de inclusão de portadores de deficiência.
JC - E a reforma administrativa? Sairá quando?
Tuga - Não vai sair como foi inicialmente projetado, porque cairia na Câmara um projeto que seria imenso. A minha decisão foi, a partir do início do ano, enviar em parcelas. As duas primeiras são da Secretaria da Administração e do Gabinete.
JC - E a situação da Emdurb?
Tuga - Lembra que logo no começo a gente dizia das bombas que iam surgindo, a Emdurb é uma dessas. Eu pretendi sinalizar que nós vamos pegar pesado agora no início do ano. Então, o que nós temos de fazer? Não é possível manter uma empresa deficitária e a sociedade financiando esse déficit. Isso está fora de cogitação. Vamos ter que rediscutir as atribuições da Emdurb. Ela vai tomar muito tempo, consumir muita preocupação da gente, vai ser um desafio, que nós vamos equacionar.