14 de dezembro de 2025
Articulistas

Almas mortas


| Tempo de leitura: 3 min

Nikolai Gogol - escritor russo do século XIX - ao invés de descrever a realidade, deformava-a. As deformações forneciam o humorismo intenso de sua obra. No livro Almas mortas, o falso inspetor Chlestakov e o comprador de almas mortas Tchitchikov são caricaturas monstruosas da corrupção política e da corrupção social.

O Czar Alexandre II (1855-1881), modernizando a economia do Império Russo, decidiu abolir a servidão. Decidiu, também, indenizar os aristocratas boiardos pelos homens que deixariam de ser seus servos. Tchitchikov criou um golpe para enriquecer às custas das indenizações do Czar: sabendo que as informações sobre o falecimento dos servos não chegavam aos órgãos burocráticos russos, decidiu comprar – dos fazendeiros – os documentos dos servos já mortos, para depois exigir indenização ao governo.

Tchitchikov vendia o que não possuía, vendia o que nem existia. Ação parecida realiza Lula da Silva, o Tchitchikov de Garanhuns. O discurso de posse de Lula da Silva não foi escrito por Lula da Silva, mas por um marqueteiro profissional e especialista em prestidigitação, chamado João Santana. Nas palavras de Lula da Silva se sucederam intenções, sonhos egocêntricos, promessas de se fazer nos próximos quatro anos tudo o que não foi feito no primeiro mandato: crescimento econômico, ampliação do investimento público; incentivo ao investimento privado e trabalhar em favor do Brasil. Nos dias seguintes, agiu de maneira oposta: o governo resolveu contingenciar 20 bilhões de reais do orçamento, interrompeu o processo de privatização da malha rodoviária enquanto o presidente se deixou languidamente espreguiçar sob a chuva do Guarujá.

As promessas de Lula-Tchitchikov são almas mortas.

O Programa de Aceleração do Crescimento, que deve ser apresentado no dia 22 de janeiro, define que a folha de pagamento dos funcionários públicos será reajustada anualmente com base na inflação, com um aumento real de 1,5%. Esse compromisso anula qualquer esforço para elevar a eficiência do serviço público. A despesa com pessoal crescerá mesmo quando a economia estiver estagnada ou em recessão. Como realizar a mágica de pagar mais, com menor eficiência? Claro, aumentando os impostos cobrados sobre a classe média! Com estratagemas assim, Lula da Silva diz estar reduzindo as disparidades sócio-econômicas. Há, de fato, uma diminuição da distância entre os muito pobres e a classe média: os pobres não estão em melhor situação; a classe média é que está muito pior. E as estatísticas mostram que o topo da pirâmide está mais distante da base: a justiça social de Lula da Silva, construída com endividamento por empréstimo consignado e bolsa-família, é alma morta.

O Poder Executivo está interferindo vergonhosamente na escolha do presidente da Câmara e o Partido dos Trabalhadores (cuja integridade moral de seus líderes é alma morta) quer impor o nome do servil Arlindo Chinaglia. O ministério de Lula da Silva é um cemitério; os futuros ministros serão negociados com as chamadas forças da “base aliada” ao invés de serem escolhidos por competência técnica ou político-administrativa; ninguém sabe o que será feito em setores como saúde, transportes, energia, contas públicas...

Por último, querem ressuscitar José Dirceu e Roberto Jefferson. O eleitor já tratou de fazer o mesmo com Antonio Palocci e uma récua de sanguessugas e mensaleiros. Ao que tudo indica, Lula da Silva, apesar de não ser íntimo da literatura, decidiu terminar o livro que o grande Gogol deixou inconcluso.

O autor, Ney Vilela, é coordenador regional do Instituto Teotônio Vilela