12 de julho de 2025
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Tribuna do Leitor

O longo sono de Jan Grzebski


| Tempo de leitura: 2 min

Jan Grzebski era um ferroviário polonês que, em um acidente de trabalho, feriu a cabeça e entrou em coma, em 1988. Acordou depois de dezenove anos, em um mundo completamente diferente daquele que conhecia. Seria inimaginável a mudança que ocorreu. Quem de nós poderia conceber, então, tais transformações? Nem hoje podemos conceber a amplitude das transformações por que passou o mundo. Jan Grzebski sentiu na pele - é quase um privilégio, diríamos, se não fosse trágico - como a lagarta se fechou no casulo e saiu voando já borboleta.

A Polônia era um país comunista, sob a Cortina de Ferro; existia, inatacável, a União Soviética; o Muro de Berlim iria permanecer de pé para sempre. Um mero sindicalista, Lech Walesa, chegou ao poder em seu país. A União Européia era um projeto há muito tempo, era mais do que um sonho, mas ainda era um sonho, quando Jan Grzebski adormeceu; quando acordou era uma realidade de que a própria Polônia fazia parte.

Gertruda, a mulher, foi uma heroína. O marido foi desenganado pelos médicos; ainda em coma, desenvolveu um câncer no cérebro: não tinha salvação. Pois para ela tinha: quem ama conhece mais do que os médicos. Levou-o para casa, alimentou-o e movimentou-o; quando ninguém esperava mais nada, aconteceu um milagre: uma pneumonia mandou-o para o hospital, onde, em lugar de morrer, começou a se mexer e a sua fala se tornou mais clara – embora só a mulher o compreendesse. Hoje, todos o compreendem e logo voltará a andar. Milagres do amor. Nos tempos do comunismo, podia-se falar em milagre? Em Deus? Gertruda insiste em falar em fé. Não fala em que tinha fé, mas certamente não era na ciência nem na política. Eu mesmo chamei de “milagres do amor”, para simplificar.

Gertruda, a heroína, diz que o marido se lembra de tudo que aconteceu em casa nesses dezenove anos, como o casamento dos quatro filhos. Quando entrou em coma, seus filhos eram crianças; agora, eles lhe deram onze netos. Não foi só isso que mudou. Não foi só o comunismo que acabou. Nem só o Muro de Berlim e a União Soviética que não existem mais. Não existe o homem daquela época. Era um homem cinzento – mas era o homem que Jan Grzebski conhecera. Não o homem virtual que está sendo criado. Não o homem desse admirável mundo novo que o neo-liberalismo nos trouxe.

Só pode estar encantado com o admirável mundo novo que encontrou. As ruas, as casas, as pessoas eram cinzentas; tornaram-se coloridas, vivas, belas. As prateleiras, que só exibiam mostarda e vinagre, estão repletas de mercadorias. O mundo só pode estar mais bonito, como se fosse uma fábula admirável. Não pode imaginar mesmo, Jan Grzebski, o novo espírito que foi moldado nos homens: uma outra mentalidade, uma outra cabeça. Morreu o homem primitivo; nasceu o ser pós-moderno, que já nem chamamos de homem.

José Carlos Brandão