27 de dezembro de 2025
Geral

Entrevista da semana: Sally, mulher que nasceu para dançar

Gustavo Cândido
| Tempo de leitura: 10 min

Em dezembro de 2004, Valentina Rosali Arenas Bobra, a Sally, resolveu se aposentar. O prédio onde por mais de 20 anos funcionou sua academia de ginástica e dança foi vendido e ela, que na época se dizia cansada, parou de ensinar. Em menos de um ano estava de volta.

Por um convite da Associação Luso-Brasileira de Bauru voltou a dar aulas no clube. Mais tarde, aceitou a mesma proposta do Clube Cultural Nipo Brasileiro de Bauru e hoje, ao lado do marido e inseparável parceiro no salão, Gino Bobra, continua formando a grande maioria dos dançarinos de salão da cidade. Não é um exagero. Desde o início da década de 80, mais de 22 mil pessoas fizeram aula com ela, que não tem planos para parar.

No meio da semana, antes de sua aula no Nipo, Sally concedeu a entrevista a seguir. Ao lado do marido, lembrou fatos curiosos sobre suas aulas e não se cansou de falar dos benefícios da dança na vida das pessoas.

Jornal da Cidade – Quando a senhora começou a dar aulas imaginou que um dia teria o seu nome automaticamente associado à dança de salão em Bauru?

Sally – Não, de jeito algum. Eu comecei a minha vida profissional dando aulas de natação. Com 14, 15 anos já dava aulas em casa. Depois, fiz educação física e continuei dando aulas de natação e ginástica. Montei a academia pela ginástica, daí veio a dança...

JC – Como começou a sua relação com a dança de salão?

Sally – Sempre gostei muito de dançar. Comecei a namorar meu marido em um “Baile do Bixo” na faculdade de direito e sempre saímos muito para dançar nos bailes que havia na época. Hoje acho que existem mais lugares para dançar do que naquele tempo. Hoje todo lugar tem música ao vivo e gente dançando. De vez em quando saímos e quando vamos dançar o salão já está lotado. Uns 80% das pessoas já passaram por nós.

JC – O seu marido sempre a acompanhou na carreira como professora de dança?

Sally – Sempre, ele se formou em direito e educação física, já teve hotel, foi juiz do trabalho, mas desde que começamos as aulas, ele veio junto. Na verdade ele aprendeu a dançar antes de mim, com um francês que veio dar um curso aqui em Bauru há 52 anos. Foi no Grêmio Bauruense e ele torcia para que nenhum amigo visse que estava lá porque, como haviam poucas mulheres, os homens que sobravam tinham que aprender os passos com outros homens.

JC – Como a dança de salão começou na academia?

Sally – Tínhamos a academia há uns 5 anos só com ginástica até que um dia uma aluna baiana chamada Ana Maria sugeriu que déssemos aulas de lambada, que era moda naquela época. Começou assim, pela lambada, chegamos a fazer grupos que se apresentavam fora. A lambada foi caindo de moda mas resolvemos continuar com o curso de dança de salão. Fizemos cursos com o Carlinhos de Jesus, aulas com o Jaime Arôxa e também começamos a pegar fitas de vídeo e aprendemos novos passos.

JC – Existem casos nos quais o aluno não consegue aprender os passos da dança de jeito algum?

Sally – Pelo menos o básico, a pessoa sai dançando. Tem casos em que você olha na primeira aula e diz: “essa não vai” e no final do curso ela estava dançando. As pessoas se soltam. Geralmente os homens são mais duros que as mulheres, não têm tanta desenvoltura, ficam com mais vergonha de não saber dançar. Mas todo mundo tem jeito, quem quiser dançar, dança. Já demos aula para uma pessoa sem braço, por exemplo, e deu certo, ela conseguiu aprender. A dança é a prática. Ter um bom ritmo é o que importa.

JC – Existe um perfil típico de pessoa que procura a dança?

Sally – Não. São pessoas de ambos os sexos, de várias idades. Tem gente que acha que só os velhos fazem dança de salão. É um engano. Nos cursos de férias, por exemplo, a maioria é moçada e muitos casais. Eles vão para aprender a dançar os ritmos do momento e até estranham um pouco quando a gente começa com o bolero, mas é o que eles têm que aprender primeiro porque é mais lento. Depois, a gente acelera para o samba e depois o forró e o sertanejo, que são os ritmos de um salão de baile. Tem gente que vai aprender forró universitário primeiro e depois, quando vai dançar bolero, leva todos movimentos junto. Isso está errado. É preciso primeiro fazer a dança de salão para depois chegar no forró, começando pelo bolero, o fox...

JC – É uma questão de velocidade?

Sally – Velocidade e também preparo físico. A pessoa que não sabe dançar não tem condicionamento físico e coordenação. Se você der um ritmo mais rápido, ela não consegue. É preciso fazer o básico primeiro. Nos bailes a gente vê isso: quando os ritmos mais rápidos começam, o salão esvazia.

JC – Algum ritmo é mais difícil?

Sally – Não tem ritmo mais difícil em dança de salão. Outros ritmos são difíceis como o tango, por exemplo. Mas ninguém dança tango normalmente por aí. Mas eu sempre digo uma coisa quando estou ensinando. Se errar, pára e começa de novo. Não é preciso ter vergonha.

JC – Para quem não faz atividade física a dança pode ser uma forma de se exercitar importante...

Sally – Sim, é uma atividade física ótima. Tivemos um aluno que fazia spinning na academia e que depois de fazer dança de salão ele comentava que ficava com dor nas pernas apesar de estar acostumado com atividade física. É que nesse caso, ele trabalhava outra musculatura. Uma aula de uma hora e meia, duas horas, corresponde a uma caminhada de quase 5 quilômetros. E além da questão física, a dança exige coordenação motora. Tinha um senhor que fez aulas com a gente que mexia com computador, era o supra-sumo da inteligência, mas ele dizia: “Eu não sou burro, mas não consigo fazer isso”. E que no trabalho, a cabeça dele estava em ação o tempo todo, o corpo não. A dança exige esse trabalho conjunto de corpo e mente.

JC – O homem tem que saber dançar melhor que a mulher para conduzir a dança?

Sally – É verdade, ele tem que saber dançar melhor que a mulher. O homem tem que ver a direção em que o casal está, proteger a parceira para não bater em alguém, em alguma coisa... e tem mais, todo homem que não dança, dança. A mulherada adora dançar e não tem com quem.

JC – A procura pela dança de salão variou muito ao longo dos anos? Houve períodos melhores que outros?

Sally – A procura sempre foi muito grande e nas épocas de férias mais ainda. Quando começamos, na época da lambada, era um exagero. Tinha muita gente, chegamos a ter uma turma de 170 pessoas. Depois que passou a febre, caiu um pouco mas a procura sempre foi grande. Existem outros cursos em Bauru e quanto mais cursos tiverem, melhor. Muitos dos professores que dão cursos por aí passaram pela academia e isso é muito bom porque tem espaço para tudo mundo. Quando algum ex-aluno quer dar aula, eu estimulo. Nós somos como uma ponte, digo: “Aprende aqui, atravessa e vai trabalhar”.

JC – Nos últimos anos a dança parece estar mais presente na vida das pessoas, nos filmes, nos musicais e na televisão, onde a “Dança dos Famosos” se destaca. A senhora acredita que isso aumenta o interesse das pessoas pela dança de salão?

Sally – Muita gente nos procurou por causa da “Dança dos Famosos”, mas a procura sempre foi grande em outros períodos também. Outro dia uma aluna perguntou: “Será que vou dançar como um famoso?” Eu digo que sim, e é possível, mas não é de um dia para outro porque lá eles têm um ou dois professores e os ensaios são de quatro horas por dia. Além disso, os artistas têm noção de teatro, expressão corporal, interpretação, ou seja, o corpo já tem um preparo. Os artistas também são desinibidos, se soltam com mais facilidade, por isso atingem um bom resultado mais rápido. Mas quando a pessoa aprende as coreografias direitinho, depois de um certo tempo, não tem erro. Tudo na vida é prática.

JC – Não é só o desejo de aprender a dançar que leva as pessoas para o curso?

Sally – Muitas vezes a pessoa está sozinha por causa de uma desilusão amorosa, perdeu o companheiro e procura a dança para descontrair, distrair. A dança muda muito a vida das pessoas. Também já “fizemos” muitos casamentos ali porque as pessoas acabam se conhecendo, se aproximando. A dança une as pessoas. Teve uma senhora que já era viúva há 15, 20 anos e a filha levou para fazer o curso. Um tempo depois, quando ela já estava dançando bem, um rapaz levou o pai que tinha ficado viúvo há 3 meses para fazer o curso. Eu coloquei o pai do rapaz para dançar com ela e pouco tempo depois eles se casaram. E ele tinha uns 80 anos e ela, 70. Tivemos muitos casos assim. Às vezes eu encontro mulheres sozinhas que reclamam por não ter um companheiro e eu digo: Vá a um curso de dança de salão”. É uma oportunidade de conhecer pessoas novas, mesmo que não seja para namorar, é um lugar para se fazer amigos.

JC – Qual filme sobre dança vale a pena ser visto?

Sally – Gosto de muitos, mas aquele “Dança Comigo?”, com o Richard Gere, é bom. Tem a versão japonesa, que tem o mesmo nome, que também vale a pena. Nesse filme, o personagem começa a chegar tarde em casa porque está freqüentando uma academia para aprender a dançar e a mulher acha que ele tem uma amante...

JC – A senhora já teve alunos nesta situação, que apareceram lá “em segredo”, querendo aprender a dançar para depois impressionar alguém?

Sally – Tivemos vários casos nos quais a mulher dança bem e o homem não e ele vai até lá escondido para aprender e depois fazer uma surpresa. Mas, na maioria dos casos, as mulheres acabam levando os namorados e maridos para a dança de salão.

Jornal da Cidade - O que é dançar para a senhora?

Sally - Dançar para mim é um prazer muito grande. Eu me transporto, me elevo. É uma coisa quase espiritual, eu me sinto leve. Às vezes quando fico meio preocupada, começo a dançar, crio passos, danço com as minhas netas e fico melhor. É uma terapia muito grande. Acho que muita gente fica na dúvida sobre dançar porque acha que a idade atrapalha. Isso não existe. A dança aumenta a auto-estima, é uma terapia.

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Perfil

Nome completo: Valentina Rosali Arenas Bobra

Local de nascimento: Bauru

Idade: 67 anos

Esposo: Gino Bobra

Filhos: Cláudia Rosali (37 anos), Cláudio Roberto (36 anos) e Mirella Renata (32 anos)

Hobby: São as minhas netas. Adoro ficar com as três. Eles são a paixão da nossa vida agora.

Livro de cabeceira: Gosto de romances espíritas mas não tenho um especial.

Filme preferido: Adoro comédias em geral e filmes de dança.

Estilo musical predileto: Frank Sinatra, mas para dançar prefiro samba.

Times de coração:Torço pelo Brasil. Contra a Argentina vai ser 2 x 0.

Para quem daria nota 10: Deus

Para quem daria nota 0: Para as pessoas que não têm vontade de lutar. A vida é uma eterna luta.