21 de dezembro de 2025
Cultura

Gilberto Gil cibernético

Thatiza Curuci e Diego Molina
| Tempo de leitura: 7 min

Quem acompanha a carreira musical de Gilberto Gil sabe do grande interesse que o cantor e compositor baiano sempre teve sobre a tecnologia e as inovações da vida moderna. A turnê “Banda Larga”, que passa por Bauru nesta sexta-feira, no Serviço Social do Comércio (Sesc) é justamente a congruência entre seu interesse pessoal, a discussão do direito autoral, a liberação de gravações dos shows, o lançamento de um canal próprio do artista no YouTube e a temática geral, que não poderia ser mais atual.

Desde o início da turnê, Gil permitiu que o público fizesse gravações e fotos dos shows e os colocasse na Internet livremente, utilizando os princípios do Creative Commons (em que o artista decide como e quando sua obra pode ser utilizada), do qual o músico-ministro é integrante há anos. Em seu site oficial (www.gilbertogil.com.br), é possível ouvir as músicas e ver os vídeos dos shows, com o link direto para seu perfil no YouTube.

As músicas da turnê passam por toda a carreira de Gil: dos tempos da Tropicália, com “Cérebro Eletrônico” e “Futurível” (1969), passando por “Cibernética” (1974), “Parabolicamará” (1991), até o álbum duplo “Quanta” (1997) - que reuniu reflexões sobre arte, ciência e novas tecnologias - e composições novas, como “Banda Larga Cordel”.

“Quanta” foi precedido pela abertura pioneira de seu website, em abril de 1996, e a transmissão online, no mesmo ano, de “Pela Internet”, primeira música brasileira a ser oficialmente lançada pela web. “Pela Internet”, inclusive, ganhou uma versão eletrônica bastante dançante, disponível para download no site do músico.

A banda que acompanha Gil, também chamada de Banda Larga, é formada por Arthur Maia (baixo), Alex Fonseca (bateria), Bem Gil (guitarra), Claudio Andrade (teclados), Gustavo de Dalva (percussão) e Sergio Chiavazzolli (guitarras).

Leia a seguir a entrevista que Gilberto Gil deu ao JC Cultura por e-mail.

JC Cultura - O que o público pode esperar do show, que já foi apresentado em vários países e agora chega a Bauru?

Gilberto Gil - O show, na verdade, é basicamente o mesmo que já percorreu a Europa, Rio e a Capital de São Paulo - além dessa mini-turnê pelo Interior, que já passou por Piracicaba, Santos, Araraquara e Rio Preto. Uma ou outra coisa diferente, apenas. O “Banda Larga” é um apanhado das músicas da minha carreira, principalmente aquelas cuja temática perpassa as novas tecnologias, com algumas inéditas incluídas, como “Banda Larga Cordel” e “Não Grude Não”, para citar alguns exemplos.

JC Cultura - Do início da turnê até agora, foram feitas modificações no show? O Interior de São Paulo ganha algum “presente especial” em relação aos outros shows?

Gil - O show é praticamente o mesmo. Em cada lugar, no entanto, a recepção tem sido diferente, mas sempre muito calorosa.

JC Cultura - Quais músicas o senhor faz questão de cantar e por quê?

Gil - Devido à temática do “Banda Larga”, aquelas ligadas às novas tecnologias são presença certa no repertório como, por exemplo, “Pela Internet”.

JC Cultura - Com tantos compromissos na política e na música, o senhor tem conseguido compor ultimamente? Há mais músicas novas sendo incluídas nos shows?

Gil - Agora que a proposta do ministério está mais bem encaminhada, a gestão mais bem organizada através da divisão de trabalho mais efetiva entre todos os setores e quadros funcionais, tenho voltado mais ativamente à atividade artística. A ansiedade diminuiu, a tensão e a volúpia foram sendo substituídas por uma efetiva capacidade de trabalho. Isso vai me dando mais liberdade para retomar o interesse mais pleno pela música. Este ano, voltei a compor (que era a questão mais crítica da ocupação do tempo) e já fiz mais de dez composições novas, entre coisas espontâneas e encomendas para cinema ou teatro.

JC Cultura - Sua fascinação pela tecnologia já vem de muitos anos. Hoje, qual a maior surpresa que a Internet e a tecnologia poderiam lhe trazer?

Gil - A revolução dentro do âmbito das novas tecnologias está se dando como conseqüência natural da convergência tecnológica e seus desdobramentos político-culturais, ou seja, mudam as relações com a tecnologia e, sobretudo, as relações interpessoais, permeada pela tecnologia. Eu tenho, ao longo da minha vida, encarado sempre com naturalidade e interesse os processos transformadores. O espírito do tempo é especialmente estimulante para quem, como eu, gosta de movimento. A cibernética, a informática, a neurociência, a nanotecnologia, no rastro das descobertas ensejadas pela filosofia pós-nietzcheana, pela física quântica, pela psicanálise e a cultura psicodélica, pela revolução comportamental e pela expansão democrática em geral, mudaram a pauta da civilização e acredito que esse seja o fator de maior importância.

JC Cultura - O fato de permitir as gravações dos shows já causou algum tipo de problema na questão legal ou no fato de receber críticas? Já recebeu elogios pela iniciativa?

Gil - Problema nenhum. Todos estamos sujeitos a críticas negativas e/ou positivas quando nos sujeitamos a determinada exposição. O que proponho com o “Banda Larga” não é necessariamente novo, não sou eu quem criou essas inovações (tecnológicas). Eu apenas, talvez, tenha reverberado um pouco essas questões.

JC Cultura - Artistas e a mídia brasileira têm recebido a permissão de gravações nos shows com mais ou menos naturalidade do que no Exterior?

Gil - Não são só artistas e a mídia que estão autorizados a registrar o show. O maior estímulo, diga-se, é em relação ao público. A experiência é nova, é recente. A resposta vai chegando aos poucos. Não sou especialista em estatísticas da Internet. O que conta para mim é que a interatividade está em processo e os impactos de tudo isso na performance vão acontecendo.

JC Cultura - Ainda neste assunto: qual seria a maneira ideal de reduzir ou acabar com a pirataria, que prejudica os artistas?

Gil - As possibilidades do “e-comerce” são imensas e ainda estamos longe de estabelecer um modelo que pudéssemos considerar ideal. As novas tecnologias abrem possibilidades variadas. As lojas eletrônicas surgem com vários tipos de possibilidades, além dos vários tipos de vendas diretas que estão sendo propostas pelos artistas. Artistas, gravadoras e público, todos estão se adaptando e interagindo de várias maneiras para encontrar modelos adequados de relacionamento comercial.

JC Cultura - Na correria entre um show e outro, dá tempo para conhecer um pouco sobre as cidades por onde o senhor passa?

Gil - Nem sempre, infelizmente. Não é fácil conciliar duas ou mais agendas.

JC Cultura - Uma curiosidade dos fãs: o senhor tem alguma mania antes de subir ao palco? Como precisa ser seu camarim?

Gil - Nada de mais. Apenas aqueço a voz com alguns exercícios e bebo bastante chá.

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“Banda Larga Cordel”

(Gilberto Gil, 2007)

Pôs na boca, provou, cuspiu

É amargo, não sabe o que perdeu

Tem um gosto de fel, raiz amarga

Quem não vem no cordel da banda larga

Vai viver sem saber que mundo é o seu

Mundo todo na ampla discussão

O neuro-cientista, o economista

Opinião de alguém que esta na pista

Opinião de alguém fora da lista

Opinião de alguém que diz que não

Uma banda da banda é umbanda

Outra banda da banda é cristã

Outra banda da banda é kabala

Outra banda da banda é alcorão

E então, e então, são quantas bandas?

Tantas quantas pedir meu coração

E o meu coração pediu assim, só

Bim-bom, bim-bom, bim-bom, bim-bom

Ou se alarga essa banda e a banda anda

Mais ligeiro pras bandas do sertão

Ou então não, não adianta nada

Banda vai, banda fica abandonada

Deixada para outra encarnação

Rio Grande do Sul, Germania

Africano-ameríndio Maranhão

Banda larga mais demografizada

Ou então não, não adianta nada

Os problemas não terão solução

Piraí, Piraí, Piraí

Piraí bandalargou-se um pouquinho

Piraí infoviabilizou

Os ares do município inteirinho

Com certeza a medida provocou

Um certo vento de redemoinho

Diabo de menino agora quer

Um iPod e um computador novinho

Certo é que o sertão quer virar mar

Certo é que o sertão quer navegar

No micro do menino internetinho

O Netinho, baiano e bom cantor

Já faz tempo tornou-se um provedor - provedor de acesso

À grande rede www

Esse menino ainda vira um sábio

Contratado do Google, sim sinhô

Diabo de menino internetinho

Sozinho vai descobrindo o caminho

O rádio fez assim com seu avô

Rodovia, hidrovia, ferrovia

E agora chegando a infovia

Pra alegria de todo o interior

Meu Brasil, meu Brasil bem brasileiro

O You Tube chegando aos seus grotões

Veredas do sertão, Guimarães Rosa,

Ilíadas, Lusíadas, Camões,

Rei Salomão no Alto Solimões,

O pé da planta, a baba da babosa.

Pôs na boca, provou, cuspiu

É amargo, não sabe o que perdeu

É amarga a missão, raiz amarga

Quem vai soltar balão na banda larga

É alguém que ainda não nasceu.