14 de dezembro de 2025
Articulistas

Japão-Brasil: 100 anos sem solidão


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Mas com muita saudade dos pioneiros que para cá vieram a partir de 18 de junho de 1908, deixando o seu país oriental onde havia a crise do desemprego e neste solo tropical, necessitado de mão-de-obra para a agricultura predominantemente cafeeira, recebia o imigrante de diversos países.

Um grupo, de olhos amendoados, estatura mediana, cabelos negros, composto de pais, filhos e netos, embarcou em muitas naus e foi chegando. No início - como todo começo - a dificuldade de adaptar-se foi enorme. A sua língua não tinha qualquer similariedade com a nossa. Assim, as primeiras palavras por eles aprendidas foram “Shim” ou “Non”. Nhandeska?

Além da comunicação, outras dificuldades criavam barreiras para uma rápida integração: hábitos sociais e alimentares diferentes, na agricultura nunca haviam manejado o café (dominavam a cultura dos casulos, do algodão, o cultivo em hortas de legumes e de folhas, hoje tão corriqueiros nos supermercados e nas feiras livres).

Sofreram bastante para se adaptar. Moraram em casebres ou ranchos de sapé e o projeto da volta estava implícito nos que vieram nas primeiras levas. Para recrutá-los, contavam sobre a facilidade de enriquecimento lhes era disponibilizada (no Brasil o dinheiro dá nas árvores!). Fariam o “pé-de-meia” e realizariam a longa viagem do retorno, de mais de 50 dias, mesmo que alojados precariamente em navios (os Maru), passando necessidades e ficando, às vezes, doentes no trajeto, como aconteceu em suas vindas. Sempre acreditaram que a perseverança contínua e o esforço laboral os premiaria.

No início isolados, depois, com a guerra, muitas vezes temidos, eles começaram a associar-se com a nossa miscigenada formação racial e eles também, com o correr dos anos, toleraram o casamento de filhos seus com italianos, portugueses, espanhóis. E deu no que deu: sashimi brasileiro, algas nas saladas, choio no tempero vieram para a nossa mesa. Da mesma maneira eles trocaram o peixe pelo churrasco. Caipirinha de saquê?

Nas artes, nas profissões liberais, na agricultura e tantos outros campos profissionais, sobressaíram. Nossos afeiçoados laços tornaram-se cada vez mais fortes e hoje não há mais distinção: todos são brasileiros. A maioria daqueles que no início das suas jornadas nestas terras inóspitas, pretendia ganhar algum dinheiro e voltar para o Sol Nascente, acabou desistindo desse propósito e aqui fincou raízes. Cem anos de luta, de convivência, de belos resultados. Mas sem solidão. Para comemorar a data, os taikôs ressoam, acompanhados de instrumentos fuês e os shamissem são dedilhados entoando a epopéia de um povo que veio do oriente. E espreita a ida de filhos que hoje para lá partem em busca de oportunidades.

E os ouvidos captam esses sons acompanhando os passos de idas e vindas desse processo civilizatório híbrido, indiferente ao tipo humano, o nível de vida ou a tez de cada personagem, neste Brasil grande onde as misturas raciais colidem com o dia a dia. E essa etnia mesclada, mulata de olhos amendoados, comemora hoje o centenário dessa imigração que deu certo.

O autor, Irineu Azevedo Bastos, é colaborador de Opinião