24 de dezembro de 2025
Geral

Entrevista da semana: Ernesto Monte Júnior: ‘Meu pai falou: fique longe da política’

Lígia Ligabue
| Tempo de leitura: 12 min

Chegar aos 80 anos com pique para mais algumas décadas não é fácil. Ernesto Monte Júnior, filho de um dos principais empresários e políticos da história bauruense, acredita que o segredo para tanta disposição seja seu perfil conciliador. E, é claro, uma boa mesa de carteado. “Jogo só com as mocinhas”, conta, se referindo ao grupo de amigas que já passaram dos 70 anos.

Da infância, época que Bauru começava na altura da Vila Seabra e terminava na rua Quinze de Novembro, ele se recorda das brincadeiras e das brigas com as seis irmãs. “Vivia de castigo. Era muito arteiro”, conta.

Sobre o pai, o prefeito e deputado Ernesto Monte, ele lembra de um precioso ensinamento, que seguiu à risca. “Ele me falou: fique longe da política e de mulher casada. E eu estou levando isso a sério”, garante. Da mãe, Flordaliza, conta orgulhoso que ela foi a primeira telegrafista do País, quando trabalhava na Noroeste. “Em todo o Brasil, ela foi a primeira nessa profissão.”

Sempre com um largo sorriso, ele revela que criou um prato que ficou famoso no sul do Texas, nos Estados Unidos, o “Ernest Rosbeef”, após enjoar do sanduíche servido na lanchonete onde trabalhava. De espírito desbravador, ele encarou as estradas do sul de Minas Gerais, na década de 50, vendendo suprimentos agrícolas. Deixou o emprego a pedido do pai, que ficava nervoso de ver o filho se aventurar sozinho com sua caminhonete pelas estradas de terra.

E com a honestidade que só quem leva a vida com tanto bom humor tem, conta que passou mais de 10 anos num emprego que não gostava no governo, arrumado pelo pai, em São Paulo. “Num departamento que não servia para nada. Um verdadeiro cabide de empregos”, revela. No início da década de 90, voltou para Bauru, onde passou a se dedicar somente à aposentadoria. Leia a seguir, trechos da entrevista.

Jornal da Cidade - O senhor sempre morou em Bauru?

Ernesto Monte Júnior - Eu nasci aqui em Bauru. Em 1946, fui para os Estados Unidos, logo depois da Segunda Guerra Mundial, e fiquei lá quase três anos. Eu tinha 18 anos e fui completar 19 anos lá. Fui por um determinado emprego, que não deu certo. Eu era técnico e depois da guerra, a turma estava dando prioridade para ex-combatentes para empregos e estudos técnicos. Então eu fiquei de lado. “Cucaracha” não podia se meter e todo latino-americano era “cucaracha”. Aí comecei a trabalhar lá numa lanchonete. Trabalhei lavando pratos durante seis meses. Comecei a melhorar o meu inglês e eles me colocaram no balcão, para atender o pessoal, e assim fui desenvolvendo o idioma.

JC - Foi onde o senhor inventou o ‘Ernest Rosbeef’?

Monte Júnior - Cheguei num ponto que cansei de comer sanduíche, o “chicken salad sandwich” (lanche de frango e salada). Não suportava mais. Então fui a um supermercado mexicano dessa cidade, Brownsville, que fica na fronteira dos Estados Unidos com o México, no Texas. Lá eu comprei uma carne moída, uma pimenta, orégano e bacon. Então fiz um bolo de carne, cobri com fatias de bacon e coloquei no forno. E ficou aquele cheiro delicioso na lanchonete. Aí os patrões americanos elogiaram: “Ernest, very good your meat”. Aí eu expliquei o jeito que fiz, eles comeram, gostaram e acharam que deviam anunciar isso. Então puseram na vitrine, que era toda de vidro: “Try (experimente) Ernest Rosbeef”. Olha, fiz tanto dessa carne que me enjoei e não pude ver mais. E era gostoso mesmo. No começo, pelo menos.

JC - E ficou na lanchonete quanto tempo?

Monte Júnior - Fiquei um ano e meio, mais ou menos. Em frente à lanchonete, tinha o hotel principal de Brownsville. E o pessoal que vinha de avião, fazia rota pelo Oceano Pacífico. Vinha pelo Equador, Peru, Panamá e parava em Brownsville. Lá, eles pegavam os aviões que o Brasil comprava, tanto particular quanto militar, e trazia para cá. Só mudava de tripulação. E, com isso, fiz muita amizade com pilotos. Uma taxista fazia a rota do aeroporto para a cidade. Foi ela quem me trouxe para a casa onde fui morar. Todo brasileiro que chegava e ia para o hotel, ela indicava que na lanchonete tinha um brasileiro também. Então virou uma romaria de brasileiros querendo conversar comigo. Porque na época não tinha tanto brasileiro nos Estados Unidos. E com isso, me divertia. A gente passeava, ia até Matamoros, no México, em boates, porque em Brownsville não se vendia bebida alcóolica nesses lugares. Aí atravessava o viaduto e estava no México. Eu ia lá com militares e pilotos particulares.

JC - Mas o senhor só trabalhou nos Estados Unidos?

Monte Júnior - Não, na época eu fazia também o Colégio Southmore. Estudava pela manhã e, à tarde, trabalhava. Mas os colegas me levavam para Matamoros. Acabou que aprendi o espanhol antes do inglês. Antes de começar a trabalhar, fiquei um tempo esperando a modificação do passaporte, que desse direito a trabalho, já que o emprego que tinham me prometido tinha furado. Nesse período que fiquei esperando o visto, ia ao cinema todos os dias. Acabava de almoçar e ia para lá. Assistia ao mesmo filme três ou quatro vezes para apurar o ouvido e pegar o inglês. Em Bauru, não aprendi nada de inglês no ginásio. Fiz o grande ginásio Guedes Azevedo. Comecei o curso em Bauru de contabilidade e, quando voltei dos Estados Unidos, terminei em São Paulo.

JC - O senhor voltou quando para Brasil?

Monte Júnior - Depois da lanchonete, ainda fui trabalhar como gerente noturno em um drive-in. Era só sorvete, sabe. Ficava na entrada da cidade, no final da rodovia. Daquela época que vinha a garçonete e colocava a bandejinha na porta do carro. Eu comandava oito funcionários na empresa. Trabalhava até tarde, não tinha horário e não achava ruim. Mas não deu nem para terminar o colégio. Tive que voltar porque meu pai estava muito doente e minha mãe também não estava muito bem. E eu, como único homem na família, se bem que isso não adiantava muito, acabei voltando em 1949. Mas eu não queria voltar, voltei por conta das circunstâncias.

JC - Mas veio para Bauru direto?

Monte Júnior - Não. Nessa época, meu pai era deputado, então fiquei em São Paulo. E fui trabalhar na Anderson Clayton. Era com essa empresa que eu ia fazer o curso nos Estados Unidos. Como não deu certo, acho que eles resolveram me compensar. Mas fiquei uns dois anos. Eu trabalhava com vendas, inseticidas, adubos. Viajava para o Vale do Paraíba e sul de Minas sozinho com a caminhonete. E então, meu pai estava doente e, como todo pai cioso, ele achou que eu precisava arrumar uma coisa mais fixa, porque ele não gostava desse negócio de ficar para lá e para cá, numa época que não tinha nem a (rodovia) Dutra. Era só terra e ele achava perigoso. E me ele arrumou o que como deputado? Me conseguiu um emprego público, que eu detestei. Eu estava lá em Itajubá (MG) e minha mãe me telefonou dizendo que meu pai tinha me arrumado um negócio e eu voltei a São Paulo. Totalmente a contragosto.

JC - O senhor trabalhou em que setor?

Monte Júnior - Eu fui trabalhar num departamento do Estado, na Secretaria do Trabalho. Não fazia nada eu e o pessoal que trabalhava lá. Esse departamento do Estado não tinha uma função prática. Era um cabide de emprego. Não gostei nada, mas fiquei lá de 1951 a 1962. Já estava até casado, com filho. Morava no Paraíso, quase divisa com o Ibirapuera. Aí, eu tinha um vizinho que tinha uma mulher que tinha um filhinho da idade do meu. E ela e o marido fizeram amizade com o pessoal da minha casa. Ficaram de copa e cozinha em casa. Mas ele era meio besta, achando que era grande coisa, alugou uma casa na minha rua, cara para burro na época. Eu fui fiador do cara e teve uma época que ele deixou de pagar o aluguel. Ele ia lá em casa, na caixa de correspondência, pegava as cartas da imobiliária e escondia, dava fim. Até que um dia veio o pessoal da imobiliária e eu fui obrigado a pagar na época 12 mil por mês, durante um ano. Somando tudo, era o que eu ganhava. Eu trabalhava no gabinete do secretário e consegui a isenção de ponto durante um tempo e fui arrumar um emprego fora.

JC - E quando o senhor voltou para Bauru?

Monte Júnior - Comecei a trabalhar com venda de produtos da Westinghouse e comecei a ganhar quase o dobro. Só que logo mudou o secretário e me puseram para a rua e eu fiquei somente nessa firma. Fiquei na Capital até me aposentar, em 1982. Depois da Westinghouse, passei por mais duas empresas, sempre com vendas. Trabalhei na verdade até 1985, quando decidi parar de uma vez. Pensei: ‘Estou dando murro em ponta de faca para quê?’. Eles estavam cheios de mim e eu estava cheio deles. Eu morei em São Paulo até 1991. Minha mulher também tinha se aposentado, ela trabalhava no Ministério da Fazenda. E como a minha família toda é de Bauru, nós voltamos para cá. Desde então, eu não faço nada, graças a Deus. O que um velho de 60, 70 anos faz? Eu não cuido nem de neto, porque eles moram em São Paulo.

JC - E o senhor nunca se interessou por política?

Monte Júnior - Meu pai quando eu era moleque, com uns 18 anos, ele me falava: “Filho, nunca se meta em política e nunca se meta com mulher casada”. E eu estou levando isso a sério. A política só dá aborrecimento. Sempre deu para todo mundo. Tem alguns que conseguem sobreviver com aborrecimentos, tem outros que não são muito afeitos a engolir sapos todos os dias.

JC - E como era seu pai?

Monte Júnior - Ele era empresário e depois foi prefeito. Ele trabalhava com compra e venda de cereais, algodão, café. E ele foi político desde o começo. Em 1947, ele foi nomeado prefeito. Havia na época o chamado “cinturão de aço”, que era chefiado pelo doutor Eduardo Vergueiro de Lorena, que nada passava sobre eles, eram os tais. O Américo Blois também fazia parte. Eu tinha 10 anos quando meu pai foi nomeado prefeito, mas acho que ele já tinha sido prefeito antes, em 1930. Porque, na época, não era eleição, era nomeação. Meu pai morreu novo, com 51 anos, mais novo que meu filho. Morreu como deputado. Ele era muito generoso e tolerante, mas eu tive muito pouco contato com ele depois que cresci. Estava nos Estados Unidos e, quando voltei, fui trabalhar viajando.

JC - E a sua infância, como foi?

Monte Júnior - Eu tinha seis irmãs. Era o único coitadinho no meio. Era mulher para dar com pau! Todas elas me hostilizavam e eu, por minha vez, também as hostilizava. Era uma briga de gato. Qualquer coisa que eu fazia, elas se reuniam. Minha mãe era funcionária da Noroeste - foi a primeira telegrafista do Brasil. E elas esperavam a minha mãe chegar do serviço para relatar as façanhas que eu tinha feito durante o dia na ausência dela e sempre sobrava para mim. Eu vivia no castigo, mas também era muito arteiro. Uma vez, estavam construindo uns prédios na rua Virgílio Malta e meu vizinho, um dentista japonês, tinha dois filhos da minha idade e nós brincávamos na construção. E um dia eu empurrei o japonesinho no tanque de cal. Ih, aquilo sobrou para mim depois... O pai dele foi até a minha casa se queixar com meu pai e eu fiquei de castigo um tempão. Mas não aconteceu nada com ele, tiraram ele rapidinho dali.

JC - O senhor morava onde?

Monte Júnior - Nós morávamos na rua Virgílio Malta, 8-70, na esquina com a rua Sete de Setembro. Ali era perto da Igreja de Santa Teresinha. E atrás da igreja, fica a rua Quinze de Novembro. Bauru ia só até ali. Para cima da rua, tinha apenas umas casas esparsas, no meio do descampado. Para baixo, ia só até a rodovia e acabou.

JC - E o carteado?

Monte Júnior - Toda quinta-feira, o nosso grupo joga tranca. Cada dia na casa de um, para fazer o rodízio. Um grupo só de mulher. São oito, todas mocinhas. Começamos às 15h e vamos até 22h. Lá pelas 19h, a gente pára e janta. E cada jogo vale R$ 1,00, só para dar um estímulo.

JC - Qual o segredo para chegar aos 80 tão animado?

Monte Júnior - É não implicar com ninguém. Se você começa, não fica só em uma pessoa, você toma gosto e o leque vai aumentando. Tem que ser tolerante, porque assim você reverte uma situação ruim. Se você enfrenta uma pessoa no mesmo diapasão dela, você cria discórdia. Mas se você for tolerante, amenizar e contornar, acaba ganhando um aliado. Olha, eu sou um velho tranqüilo, de bom humor, que não ter rancor com ninguém e que não tolera velho rabugento. Também faço um ovo estrelado na manteiga que é uma coisa. Faço também um filezinho, um peixe.

JC - Algum dia retornou a Brownsville?

Monte Júnior - Uma vez, em 1991, fomos para Orlando e fui checar o valor da passagem para Brownsville. Mas estava mais caro ir para lá do que a passagem aérea Brasil-Estados Unidos. Aí não fui. Porque o que eu ia encontrar? Não devia ter mais ninguém, a cidade devia ser toda diferente.

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Perfil

• Nome: Ernesto Monte Júnior

• Idade: 80 anos

• Esposa: É viúvo de Maria da Penha Furtado Gaia Monte

• Filhos: Ernesto Monte Neto

• Hobby: Jogo de tranca

• Livro: “O último que li foi ‘O Código Da Vinci’”

• Filme preferido: Os de bangue-bangue

• Estilo musical: Sertanejo

• Time: “Só torço pela Seleção Brasileira”

• Para quem daria nota 10: Nelson Mandela

• Para o que daria nota 0: Paulo Maluf