25 de dezembro de 2025
Geral

Entrevista da semana: Feliciano Soares de Oliveira: Dono de bar é ‘pai’ dos unespianos

Tisa Moraes
| Tempo de leitura: 10 min

É difícil imaginar quem, entre os quase 5 mil alunos da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Bauru, não conheça o Bar do Ubaiano, comandado por um mineiro de 68 anos, um homem de sorriso e coração abertos. Ao longo de 38 anos de existência, o estabelecimento - hoje instalado em frente ao portão principal da instituição - se tornou ponto de parada de estudantes, seja no intervalo ou horário de aula, para quem quer bater papo, jogar sinuca ou experimentar o famoso “Pé Queimado”, especialidade da casa feita à base de conhaque.

O nome “original” do proprietário, Feliciano Soares de Oliveira, quase ninguém conhece, mas o Ubaiano é das pessoas mais queridas dentro e nos arredores da universidade. A ligação com os estudantes é tamanha que ele já foi personagem de documentário do curso de jornalismo, nome de turma de alunos de engenharia, patrono, paraninfo e outras designações que a etiqueta universitária manda cumprir. “O espírito de juventude deles não me deixou ficar velho. Apesar da minha idade, ainda me sinto um moleque”, retribui.

Além dos “filhos” que acolhe diariamente em seu bar, Ubaiano tem outros dez com a mulher, Benedita. “Tenho seis filhos (biológicos) e mais quatro de criação”, conta. Com uma sensibilidade rara de encontrar nos dias de hoje, ele revela que, em casos de emergência, também acaba abrigando um ou outro universitário em sua casa.

Foi assim, com simplicidade mineira e alegria baiana, que este personagem da vida de todos os unespianos (e ex-unespianos) recebeu a reportagem do JC para um bate-papo em uma das mesas do lendário botequim. Acompanhe, a seguir, os principais trechos da entrevista.

JC - Como o senhor foi parar na Unesp?

Ubaiano - Eu trabalho ao redor da universidade desde 3 de agosto de 1970, quando ainda era a Fundação Educacional de Bauru, na Vila Falcão. Eu comecei a trabalhar através de um estudante de engenharia, que fez um carrinho de sanduíches e propôs que eu trabalhasse para ele fazendo cachorro-quente. Eu nem sabia o que era cachorro-quente naquela época, mas topei. O carrinho foi batizado de “Burguesão”, porque eu fazia um sanduíche de 45 centímetros de comprimento. Foi um sucesso entre os estudantes.

JC - E quando veio para o câmpus da Unesp?

Ubaiano - Em 1980, me mudei assim que a universidade veio para cá. Já tinha comprado um carrinho novo, mas não fiquei nem três dias trabalhando com ele. Aqui era tudo aberto, ventava muito e tinha muita poeira. Então fiz uma barraca de encerado, depois uma de alumínio e depois outra mais legalzinha, de madeirite. Mas só em 1996 é que vim para esse ponto (em frente ao portão principal da Unesp). Antes, eu ficava num lugar mais para cima da universidade. Quando me mudei para cá, já construí o prédio em alvenaria e, aos poucos, fui fazendo algumas melhorias.

JC - E hoje sustenta toda a família com esse trabalho?

Ubaiano - Sim, e a gente trabalha em família. Hoje são os meus filhos, o Carlos e o Cícero, que cuidam de tudo. Mas ainda ajudo um pouco.

JC - Quantos filhos o senhor tem?

Ubaiano - Tenho seis filhos (biológicos) e mais quatro de criação.

JC - Já tinha seis filhos e quis adotar mais quatro?

Ubaiano - Foi assim: os pais da Maria Amélia, do João Bauduíno e do Júlio César morreram em um acidente quando eles ainda eram pequenos. Eles moravam do lado da nossa casa e, como vizinho é a nossa primeira família, as crianças ficaram com a gente. Já a Ana Carolina foi abandonada pela mãe, o pai não tinha condições de criar e a gente acabou adotando.

JC - E netos?

Ubaiano - Tenho um time de futebol: três mulheres e oito homens.

JC - Imagino que o senhor, trabalhando há tanto tempo em frente a uma universidade, deva ter facilidade para lidar com jovens. É isso mesmo?

Ubaiano - É. A gente procura deixar os estudantes à vontade. Às vezes, acontece de eles fazerem coisa errada, mas a gente chama num canto e conversa. Já aconteceu de eu chamar a atenção de um estudante e depois ele vir trazer o convite de formatura e me agradecer pelo que eu tinha dito.

JC - O senhor acaba fazendo o papel de pai desse pessoal que está longe de casa.

Ubaiano - É. Já aconteceu de “bixo” (calouro) que mora na região perder o ônibus de volta para casa e não ter onde ficar. Eu levava para dormir na minha casa, no quarto dos meus filhos. Já recebi estudante de Santa Cruz do Rio Pardo, Ipaussu e Botucatu.

JC - Nunca se cansou de um público que tem fama de “dar trabalho”?

Ubaiano - Mas não dá trabalho nenhum. É um pessoal que só compra à vista e não apronta, porque eles sabem que vão ficar por aqui pelo menos por quatro anos. E o espírito de juventude deles não me deixou ficar velho. Apesar de eu já estar com 68 anos, ainda me sinto um moleque.

JC - Houve algum acontecimento engraçado aqui no bar que tenha marcado mais o senhor?

Ubaiano - Antigamente tinha muita festa por aqui. Durante muitos anos, a gente rifava jegue. Cada lata de cerveja dava direito a um número da rifa. Os estudantes ficavam tirando sarro do cara que ganhava. Depois eu comprava o jegue de volta em troca de uma caixa de cerveja em lata e doava o bicho para algum amigo que tivesse fazenda. Isso foi mais ou menos até 2000. Agora não pode fazer mais, por causa do barulho, que incomoda os vizinhos.

JC - Você comentou que já foi convidado para participar da formatura de um aluno. Acabou indo na festa?

Ubaiano - Fui em muitas festas. Também ia com os alunos em um festival de música que tem todo ano em Ilha Solteira. Sempre sou convidado, mas fui chegando numa idade e parei de ir. Já fui homenageado umas seis vezes em formatura. Já recebi duas placas de homenagem: no mesmo ano, fui nome da turma de engenharia mecânica de 1996 e já participei de um documentário com o pessoal de jornalismo em 1997.

JC - Depois de todos esses anos, o senhor já deve ter visto muito estudante da Unesp que se tornou gente importante na cidade e até mesmo fora dela. Quem você poderia citar?

Ubaiano - Sinto orgulho de ter convivido com estudantes que hoje são grandes empresários da cidade. E até hoje eles gostam muito de mim. O Renato Zaiden, o (Alcides) Franciscato Junior, o Tuga (Angerami), o Tidei de Lima, o Cássio Carvalho, o (José Luiz Miranda) Simonelli e o Ricardo Coube me tratam bem onde me encontram.

JC - Eu soube que já teve professor que trouxe todos os alunos da sala para dar aula aqui no Ubaiano. Como foi isso?

Ubaiano - Isso foi quando o bar era lá em cima, ainda. Tinha uma árvore grande que fazia uma sombra boa. Na época, a escola ainda tinha telhado de zinco e as salas ficavam abafadas. Mas acho que era uma aula ambiental, de topografia, que precisa ser feita no campo.

JC - Não foi essa a história que eu fiquei sabendo.

Ubaiano - (Risos) Não, mas isso foi duas ou três vezes, só. Não era sempre.

JC - Tá bom. Nem vou perguntar quem eram os professores, então. Mas, falando em segredo, o “Pé Queimado” continua sendo a especialidade da casa?

Ubaiano - Com certeza. Já é uma bebida conhecida nacionalmente (risos).

JC - E por que ela faz tanto sucesso?

Ubaiano - Sei lá. Todo mundo acha bom.

JC - Já que a receita o senhor não vai dar mesmo, pelo menos pode contar algumas coisas que vão na bebida?

Ubaiano - Só conhaque. O resto são sabores.

JC - Não pode contar o que dá o sabor?

Ubaiano - A gente põe canela, licor de cacau, essência de abacaxi. Mas depois que eu patentear a receita, eu conto. Senão vem um na frente e rouba a receita de mim.

JC - Então está tentando patentear a receita?

Ubaiano - Estou conversando com um professor de química para ver se a gente consegue fazer alguma coisa.

JC - O senhor também já teve um bloco de Carnaval.

Ubaiano - Já, se chamava Ubaianesp (Começa a cantarolar a marchinha do bloco, composta pelo mestre de bateria Marco Antônio Pereira da Costa, o “Cartolinha”) “É na barraca do Ubaiano que a coisa fica envolvente/ Uma loira gelada com a rapaziada/ E um pagodinho após o expediente”.

JC - Como foi essa época?

Ubaiano - Isso foi entre 1996 e 2000. O bloco surgiu de uma homenagem que os funcionários da Unesp resolveram fazer. Desfilava todo mundo no Sambódromo: funcionário, professor, aluno e amigos de tudo quanto é lugar. Até estrangeiro já desfilou com a gente. Mas era tudo no improviso, não tinha ensaio, não.

JC - Também já foi candidato a vereador, não é?

Ubaiano - Ah, me puseram de candidato. Isso foi em 2000. Eu fui por que pediram, mas eu não levo jeito para ser político. Eu tive um pouquinho de voto em todo canto da cidade, mas não fiz campanha, não dediquei minha presença junto ao candidato a prefeito.

JC - Mas pensa em ser candidato novamente?

Ubaiano - Nunca mais. É melhor ficar na minha do que ficar me metendo nisso aí. Comerciante não pode ser político.

JC - O Ubaiano já se tornou praticamente uma instituição para os estudantes da Unesp. Qual é o segredo do sucesso?

Ubaiano - Eu acho que é a sinceridade. Se a gente não for sincero, nada vai adiante. Mas, se o cliente for maltratado, não volta mais no bar. Tem que ser sincero, educado. Tem que ter “cativância”. É um jeito bem mineiro, mesmo.

JC - Mas o senhor não nasceu na Bahia?

Ubaiano - Não. Nasci em Janaúba, Minas Gerais. O apelido veio porque os estudantes achavam que quem empurrava carrinho de sanduíche era baiano. Eles falavam: “Vamos no baiano, vamos no baiano”. Quando mudou de Fundação Educacional de Bauru para Unesp, eles colocaram o nome de Ubaiano: ‘u’, de Unesp, e baiano. Antes o bar chamava Buraco Quente, porque eu fazia um sanduíche em que eu cortava a ponta do pão, tirava o miolo, colocava maionese, carne moída com legumes e punha queijo derretido tampando tudo.

JC - E como veio parar em Bauru?

Ubaiano - Eu saí de Minas com 8 anos. Fui criado em Dracena, morei cinco anos no Paraná, voltei para Dracena, me casei em Panorama e fui viver em Presidente Prudente. Lá, fiquei dois anos trabalhando como ajudante geral em uma fazenda. Aí resolvi vir embora para Bauru, sem rumo. Trabalhei no recapeamento do aeroporto e depois trabalhei em uma outra empresa, até que apareceu a chance de virar “fazedor” de sanduíche e conhecer gente boa. E estou aí até hoje. A gente tem que ter disposição na vida e fazer aquilo que gosta. E eu gosto do meu trabalho e dos estudantes que convivem com a gente.

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Perfil

• Nome: Feliciano Soares de Oliveira

• Idade: 68 anos

• Local de nascimento: Janaúba, Minas Gerais

• Esposa: Benedita Maria dos Santos de Oliveira

• Filhos: Cícero, Valdirene, Marcelino, Carlos Roberto, Virgínia, Maria Amélia, João Bauduíno, Júlio César, Carla e Ana Carolina

• Hobby: conversar e assistir a jogo de futebol pela televisão.

• Livro de cabeceira: “Não sou muito de ler livros, gosto mais de jornal”

• Filme preferido: de animação e comédia

• Estilo musical predileto: rock e sertanejo

• Time do coração: Santos

• Para quem daria nota 10: “Para minha primeira professora, Suzana Maia, que me ensinou a enxergar o mundo”

• Para o que daria nota 0: “Para a política”