Após mais de oito anos sem nenhuma nova droga no mercado brasileiro para o tratamento do alcoolismo, surge um que promete ajudar na restauração do fígado debilitado pelo excesso de bebida e no desmame (tempo em que o dependente diminui a ingestão de álcool). Na avaliação do hepatologista Daniel Brosco, 29 anos, esses dois fatores configuram um avanço importante no tratamento da doença. Até então, a maior parte dos medicamentes existentes agia mais como protetores do fígado e não restauradores. Pelo menos, não tão eficientes como o Metadoxil parece ser.
Feito à base de pidolato de piridoxina – substância mundialmente conhecida como metadoxina -, o novo medicamento chega às farmácias do Brasil um mês depois de desembarcar em vários países da Europa e Ásia, além de México, Colômbia, Chile e outros.
A droga é indicada para o tratamento de alterações hepáticas provocadas pela intoxicação alcoólica crônica, como fígado gorduroso e hepatite alcoólica. Além disso, promete ser de grande ajuda no tratamento terapêutico de desmame, algo raro no mercado nacional.
De acordo com Brosco, por ser um produto novo, ainda existem poucos estudos a respeito de seus benefícios. No entanto, os trabalhos já feitos indicam se tratar de uma medicação segura, com poucos efeitos colaterais e resultados satisfatórios.
A função do medicamento no organismo é estimular a produção de enzimas que vão acelerar a eliminação do álcool. A remoção rápida evita a sobrecarga do fígado e a conseqüente intoxicação alcoólica. Além disso, o metadoxil age sobre o sistema nervoso central, diminuindo os distúrbios de humor, depressão, agressividade, insônia e ansiedade.
De acordo com o Laboratório Baldacci, responsável pela comercialização do medicamento, após um mês de tratamento, o remédio ajuda a melhorar as funções cognitivas do paciente, como a percepção, atenção, linguagem e memória.
A maior parte das drogas disponíveis no mercado potencializa os efeitos negativos do álcool no organismo, fazendo com que o dependente passe mal depois de ingerir bebida alcoólica. Por causa dos efeitos colaterais, a pessoa fica com medo de beber novamente.
Segundo o hepatologista, o Metadoxil é capaz de reverter quadros ainda não muito graves como, por exemplo, curar fígados gordurosos – um problema decorrente do acúmulo de gordura corporal, resultante do alto consumo de álcool.
Ele é capaz de reverter também a hepatite alcoólica, um estágio mais avançado do alcoolismo. Mas quando a lesão no fígado se transforma numa fibrose hepática, aí não é mais possível reverter o quadro, mas é possível impedir que ele avance para uma cirrose hepática, o quadro mais grave provocado pela ingestão excessiva de álcool. Quando o fígado de um dependente chega nesse estágio, a única solução é o transplante.
A cura, dos quadros acima, só é possível, segundo Brosco, se o paciente parar de beber. De nada adianta ele iniciar o tratamento se não interromper a ingestão de bebidas alcoólicas.
Por isso, o primeiro passo para superar a dependência é querer ser tratado. Segundo o hepatologista, o tratamento contra o alcoolismo é multidisciplinar, ou seja, seu sucesso envolve vários fatores.
Além de desejar se ver livre do problema, o paciente precisa da ajuda da família e dos amigos, acompanhamento médico e psiquiátrico e encontros em programas de recuperação, como os alcoólicos anônimos (AA) e outros.
Estima-se que entre 10% e 15% da população mundial é dependente de álcool. No Brasil, 12,3% das pessoas com idades entre 12 e 65 anos possuem algum grau de alcoolismo, segundo o Levantamento Domiciliar sobre o Uso de Drogas Psicotrópicas no Brasil, promovido pela Secretaria Nacional Antidrogas.
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‘O álcool está em todo lugar’
Largar um vício, seja ele qual for, nunca é fácil. Agora, imagina deixar de gostar de algo que está presente em praticamente todo lugar que se vá. Com o álcool é assim. E isso tornou a recuperação de Orlando (nome fictício a pedido do entrevistado), 56 anos, um bancário aposentado, ainda mais difícil.
Segundo ele, isso não acontece com os dependentes de outras drogas. Afinal de contas, não se encontra maconha, crack ou cocaína em qualquer bar da cidade, nos supermercados, restaurantes, lanchonetes, lojas de conveniências e em praticamente todas as festas, seja de crianças ou de adultos.
Depois de passar por dezenas de internações hospitalares, por duas internações clínicas de desintoxicação, Orlando encontrou nos Alcoólicos Anônimos (AA) o apoio que precisava para superar a dependência do álcool.
O bancário aposentado não precisou de medicamentos, apenas da vontade de parar. Ele conta que na segunda vez em que saiu da clínica desintoxicado decidiu não beber mais. Isso foi há 26 anos. Desde então, ele não colocou mais nenhuma gota de álcool na boca. Orlando renasceu. “Eu passei a viver de novo. Não preciso mais da bebida. Não sinto mais vontade, mesmo vendo outras pessoas bebendo”, relata ele, para completar em seguida. “Não troco os piores dias que eu vivi sem o álcool pelos melhores dias de festa e bebedeira”, afirma.
Não existe cura para o alcoolismo, como em qualquer outro caso de dependência química. O que existe é tratamento. De acordo com estudos, cerca de 70% das mortes violentas e 60% dos acidentes de trânsito estão relacionados ao consumo de bebida alcoólica.