Uma pessoa que nasceu para materializar sonhos, que tem como missão colocar o sorriso no rosto dos outros. É assim que se autodefine o decorador, estilista, cantor, carnavalesco, enfim, o artista Paulo Keller, 57 anos.
“Eu vendo sonhos. O sonho de morar bem, o sonho de uma festa boa, de uma boa aula de arte, de uma roupa legal. A minha tarefa é pegar o sonho de uma pessoa e transformá-lo em realidade”, afirma ele em uma parte da entrevista concedida ao Jornal da Cidade. Mais à frente ele reforça a convicção que tem em sua missão. “Eu acho que vim para esse mundo para pôr sorriso no rosto dos outros. Sorriso por uma casa gostosa, com uma decoração bonita, uma música gostosa, uma roupa confortável.”
No entanto, não era exatamente isso que o pai queria para ele. “Meu pai queria que eu fosse eletricista, porque foi como eletricista que ele criou uma família. Ele sabia que dava certo daquele jeito. Mas ficou contente quando viu que meu trabalho também dava certo”, conta.
Em seu extenso currículo, Paulo Keller tem trabalhos com várias personalidades. Entre elas, Sandy, o cantor Daniel e Xuxa, quando ainda era modelo. Ele dirigiu dois desfiles dela em Bauru um ano antes de ser contratada pela Rede Globo. “Foi uma das melhores profissionais que trabalhei na vida”, afirma.
Ele já foi apresentador de rádio e de TV. Aliás, assistir à TV é uma das coisas que ele mais gosta de fazer. Filmes, só se forem alegres. “Para ver desgraça é só assistir a um telejornal ou abrir qualquer jornal”, reclama. Conheça outras particularidades desse camaleão bauruense na entrevista a seguir.
Jornal da Cidade – Você é um artista de várias facetas. Uma hora você é decorador, na outra músico, na outra carnavalesco, e ainda sobra tempo para ser estilista. Como você se organiza diante de tantas atribuições?
Paulo Keller – Eu não me organizo. Sou tudo isso ao mesmo tempo. Aprendi desde criança que quem não é bilíngüe morre de fome. Eu uso isso na minha vida profissional. É preciso fazer uma coisa muito bem e outras duas ou três coisas acima da média.
JC – E a coisa que você faz muito bem é a decoração?
Keller – É difícil saber. As pessoas gostam do que eu faço, mas por exemplo, eu não gosto de me ver cantando.
JC – Por que não?
Keller – Eu não sei. Eu só sei que sou acima da média cantando, mas não gosto de me ver fazendo isso. Com a decoração é diferente. É como se você tivesse como tarefa materializar o sonho de uma pessoa. Eu vendo sonhos. O sonho de morar bem, o sonho de uma festa boa, de uma boa aula de arte, de uma roupa legal. A minha tarefa é pegar o sonho de uma pessoa e transformá-lo em realidade. Fazer com que a pessoa se sinta dentro do sonho dela quando o que ela queria fica pronto.
JC – E você tem conseguido isso?
Keller – Há quase quarenta anos. Pode parecer que é fácil, mas você vai aprimorando com a prática. Nessa história toda, temos um trabalho quase de psicólogo. Todo mundo sonha com um ideal. Com um casamento, com uma casa bonita, uma festa maravilhosa. Só que o sonho é muito vago. Só quem sonha sabe o que é. Então, é preciso conversar com a pessoa. Dar uma forma para aquele sonho todo e tornar aquilo uma realidade.
JC – E você levou isso para as ruas também, nos desfiles de Carnaval?
Keller – Eu sempre fui um desenhista de moda, um figurinista e levei essa minha paixão pela moda, pelo estilo, para o Carnaval. Eu fazia os carnavais do Bauru Tênis Clube, da Luso, da Hípica, do Country. E um dia, alguns amigos me chamaram para participar de uma escola de samba e eu aceitei.
JC – Que escola foi?
Keller – Mocidade Independente. Eu devo ter ganho por volta de 17 ou 18 títulos. Do Carnaval de Bauru, eu sou o mais premiado, individualmente falando. Eu respondia, no mínimo, por cinco ou seis quesitos da escola.
JC – Quais eram os quesitos?
Keller – Era figurino, alegoria, eu desenhava toda a comissão de frente, a ala das baianas e ainda fazia enredo.
JC – Você lembra de quantos carnavais participou?
Keller – De uns 30, pelo menos. Só na Mocidade, eu participei de 17. Na Imperatriz, eu fiquei uns dois anos. Depois, na Camisa 10 fiquei mais uns quatro ou cinco anos. Na Cartola eu participei um ano. E por aí vai.
JC – E hoje, o que você faz no Carnaval?
Keller – Eu canto, ou seja, continuo me divertindo do mesmo jeito. Aos 57 anos, continuo pulando como se tivesse 15, no maior bom humor do mundo.
JC – Falando em 15 anos, dentre suas habilidades, qual surgiu primeiro?
Keller – A decoração de vitrine. Eu era vitrinista da Tilibra. Isso com 16 ou 17 anos. Eu sempre desenhei muito bem. Um dia, a professora de inglês Dirce Guedes viu meus desenhos e comentou com uma amiga, a Lilian Smith dos Santos. Elas pegaram meus desenhos de moda e venderam para as amigas delas. E a Lilian comentou com a irmã dela, a June Smith Coube, mulher do Rubem Coube, que tinha um talento por aí que a Tilibra tinha de contratar. Aí eu fiz o teste para vitrinista, a diretoria veio ver, tinha alguns erros, é lógico, porque eu era um principiante, mas eles gostaram. Eu respondi pela vitrines da Tilibra por um bom tempo.
JC – E o que veio depois disso?
Keller – Depois disso, fui trabalhar em Jaú como desenhista de moda para uma loja. E um dia, um pessoal de uma escola de samba da cidade procurou a loja querendo que fosse desenhado alguma coisa para o Carnaval. No fim das contas, eu acabei desfilando na escola. Depois disso, eu passei a desenhar para as escolas de Bauru também. Era engraçado porque eu desfilava lá em Jaú, quando terminava, eu tinha um carro me esperando para me trazer voando para desfilar em Bauru também. Eu usava a mesma fantasia. Depois, eu parei de desfilar em Jaú e fiquei só em Bauru. Além de desenhar moda, passei a fazer decoração de residência, de festas, de eventos, de interiores. Eu acho que vim para esse mundo para pôr sorriso no rosto dos outros. Sorriso por uma casa gostosa, com uma decoração bonita, uma música gostosa, uma roupa confortável.
JC – E como é para você ver esse sorriso no rosto das pessoas?
Keller – É muito gratificante. Para mim, é a melhor coisa que existe.
JC – E como surgiu essa coisa de você virar cantor?
Keller – Foi num belo dia no Clube dos Bancários. O Antônio Carlos Felício estava cantando. Alguém pediu para ele cantar “Samba em Prelúdio”, do Vinícius de Moraes. Eu sei a música decor e salteado. E ele me chamou para cantar. Eu nunca havia cantado antes e disse a ele que não ficaria bom. Fizemos um teste antes e ele adorou. Então, cantei a música com ele e acabei gostando da brincadeira. Achei divertidíssimo. Depois disso, passei a cantar no Clube da Seresta da Vila Falcão. Todo fim de semana, eu estava por lá. Eu acho que já cantei com todos os bons pianistas de Bauru.
JC – O teu repertório inclui que tipo de música?
Keller – Eu só não canto sertanejo e pagode. Nem por isso critico esses dois estilos, porque existem pessoas que amam essas músicas. Bolero é uma delícia de cantar. Cantei muito em banda de baile, quando se cantava de verdade.
JC – Onde é que você busca inspiração para as decorações que faz?
Keller – Busco inspiração no lugar onde a decoração será feita. É o inconsciente coletivo. Eu acho que ele está no ar e algumas antenas captam. E eu tenho uma dessas antenas.
JC – Você demonstra ser uma pessoa muito alegre. O que é que te deixa de mau humor?
Keller – A falta de respeito. Quando alguém faz ou fala alguma coisa que me obriga a dizer ‘não lhe dei liberdade para isso’. Isso é o máximo que eu faço. Não perco meu tempo com pessoas assim. Elas ficam transparentes para mim. Eu não as enxergo. Eu decreto a ausência daquela pessoa. Mas quem eu amo, é para o resto da vida. Eu sou muito chato com elas.
JC – Como assim, muito chato?
Keller – Eu sou meloso demais, a ponto de irritar. Eu não canso de mostrar para as pessoas que eu gosto delas, que eu sou o presidente do fã clube delas. E isso independe de sexo ou idade. Gosto de pessoas. O que importa é a alma.
JC – Falando em alma, você passou a fazer patchwork (trabalho com retalhos) depois que sua mãe morreu. Por que isso?
Keller – Porque era isso que ela gostava de fazer. Aliás, ela emendava pano para fazer colcha de retalhos. É um trabalho muito prazeroso e altamente técnico. Fiz cursos e percebi que essa arte ia muito além de emendar trapinhos. Ela tinha toda uma técnica. Patchwork é matemática pura.
JC – Você é nascido em Bauru?
Keller – Sou tão bauruense que meu e-mail tem Bauru, meu MSN tem Bauru e outras coisas têm Bauru. Eu não dou o direito de ninguém falar mal de Bauru. Eu posso, porque essa cidade é minha. Mas não venha ninguém de fora falar mal. Eu sou bauruense até o último fio de cabelo. Não troco Bauru por nada. Eu sou nojentamente bauruense e o que eu puder fazer pela cidade, eu faço.
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Perfil
Nome: Paulo Roberto Keller
Idade: 57 anos
Local de nascimento: Bauru
Estado civil: Solteiro
Hobby: Cozinhar
Livro de cabeceira: “Nenhum em especial. Adoro ler biografia.”
Filme preferido: “A Noviça Rebelde (1965)”. Tem o filme em VHS e DVD e a trilha sonora em vinil e em CD.
Estilo musical predileto: Jazz, bossa nova e “MBB (Música Boa Brasileira) em geral”
Para quem dá nota 10: “Para a minha mãe, Julieta”
Para quem dá nota 0: “Não me julgo no direito de dar nota 0 para ninguém ou para nada. Porque olhando por outro ângulo, aquilo é 10 para alguém”