18 de dezembro de 2025
Geral

Comerciante mantém caderno de clientes em ordem alfabética

Adilson Camargo
| Tempo de leitura: 6 min

Cerca de metade das vendas do Varejão Avenida, no Núcleo Mary Dota, é anotada em caderneta. Para facilitar as anotações e consultas posteriores, Nilson Antônio Alves usa um caderno de capa dura com as folhas separadas em ordem alfabética, como se fosse um fichário.

Segundo o comerciante, o volume do caderno já foi muito maior, mas devido ao grande número de calotes que recebeu nos cinco anos de funcionamento do varejão, reduziu a lista em 50%. O grande erro, apontado por ele, foi acreditar em quem não conhecia. Com o tempo, Nilson foi depurando a clientela. Os caloteiros foram sendo eliminados da caderneta. Ainda hoje, ele leva prejuízo por acreditar na boa-fé das pessoas, mas bem menos do que no começo.

Alves lembra que grande parte dos clientes que mantêm a tradição da caderneta são aposentados. São pessoas mais velhas que, em sua maioria, ainda levam a sério o respeito ao “fio do bigode”. Na opinião dele, esse respeito foi se perdendo com o tempo.

O comerciante lembra da época quando era criança e via o pai comprando boi, cavalo, milho e outros produtos para pagar depois de seis meses, sem que nenhum documento fosse assinado. “Eu nunca vi eles arrancarem um fio de bigode para fechar um negócio, mas eles cumpriam o que tinha sido combinado. Era tudo na base da palavra e todos respeitavam”, recorda. Hoje, a realidade é outra. “Parece que as pessoas não estão tão preocupadas em preservar o nome”, observa.

Clientes antigos

Apesar da crise de valores que parece imperar na sociedade dita moderna, outros estabelecimentos, assim como o Varejão Avenida, continuam confiando no “fio do bigode” dos clientes. E não são apenas mercearias e minimercados que fazem isso. O leque é grande e inclui atividades em que poucos imaginam “comprar fiado”. Por exemplo, há taxistas que marcam na caderneta as corridas de clientes antigos e que usam o serviço com freqüência. Tem salões de beleza que anotam as despesas dos clientes em fichas e cadernos e só recebem quando fecha o mês. Tem açougue que faz isso, farmácia e muitos outros estabelecimentos.

Em quase todos eles, o fiado está restrito a um pequeno grupo de fregueses. Os comerciantes só dão esse tipo de crédito para quem é “velho de casa” e sempre pagou as contas em dia. É o que faz Ana Tayako Dokan, dona de uma padaria no Jardim Marambá.

Alguns poucos clientes da casa tem talões exclusivos, onde é anotado o dia e o valor da compra. Uma vez por mês, eles vão à padaria e acertam a dívida. E no outro mês, começa tudo de novo. Segundo ela, ainda existem pessoas que merecem esse crédito, pois honram o “fio do bigode”.

Ela frisa que existem muitos clientes que, às vezes, ficam devendo centavos e voltam para pagar. “Ainda tem gente honesta nesse mundo”, afirma.

Luciana Zuim pensa da mesma forma. Por isso, ainda mantém a prática de vender fiado na Casa de Carne Onze & Onze, no Jardim Bela Vista. Segundo ela, essa é uma tradição que tende a desaparecer. Ela mesmo não está abrindo exceção para mais ninguém. Quem tem a caderneta, que cuide para não perdê-la; quem não tem não adianta insistir. Quando ela fala que a tendência é o fiado desaparecer, Luciana toma como base sua constatação de que os mais jovens não têm a mesma preocupação dos mais velhos em levar a sério a lei do “fio do bigode”.

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Cartão de crédito exclusivo tenta substituir cadernetas

O fiado na era da tecnologia. Assim pode ser classificada uma modalidade de crédito que vem sendo adotada por pequenos estabelecimentos comerciais. Trata-se de um cartão de crédito que só pode ser usado nas compras em uma determinada loja. Grandes redes de lojas e supermercados já fazem isso há algum tempo, mas a iniciativa tem se tornado comum também no pequeno comércio, que prevalece nos bairros.

É uma forma de fidelizar o cliente. Porém, ao invés de mandar marcar na caderneta, ele passa o cartão e ganha até 40 dias para pagar as contas. Para o comerciante, é um grande negócio porque o risco de levar calote é quase inexistente. Para o cliente, o cartão é mais fácil de carregar do que a caderneta.

Porém, ele pode esbarrar em outras questões, como a aprovação do crédito, por exemplo. Para ter direito a um desses cartões, o cliente precisa comprovar renda - e não pode ser qualquer renda. Conclusão: os que ganham pouco, que é a maioria dos que compram fiado, ficaram sem cartão.

Esse foi o drama enfrentado por José Antônio de Andrade Filho, proprietário do minimercado Balaio Doce. Quando ele migrou da caderneta para o cartão exclusivo da loja, muitos de seus clientes que compravam fiado não conseguiram comprovar renda e, por isso, ficou sem uma coisa e nem outra. Como resultado, José Antônio viu sua clientela despencar. A maioria que comprava na caderneta migrou para outro estabelecimento.

O que parecia uma aposta errada transformou-se na salvação do minimercado. Ao mesmo tempo que o movimento caiu, o lucro real da loja aumentou. “Hoje, não tenho mais inadimplência, algo que quase me deixou louco”, diz.

A idéia do cartão exclusivo foi adotada também pelo supermercado Panela Cheia, no Jardim Vânia Maria. De acordo com o sócio-proprietário Thiago Modolin Chies, atualmente, cerca de 5% das vendas são feitas com o uso do cartão exclusivo.

A exemplo do que aconteceu com outros estabelecimentos que usaram a mesma tática, a inadimplência praticamente zerou também no supermercado, segundo Chies. “Mesmo pagando 2% do valor da compra para a administradora do cartão de crédito, ainda assim compensa”, diz ele.

Para o economista Geraldo Pineli, é uma tendência natural que os clientes da caderneta migrem para o cartão de crédito ou débito. Quem não tem renda suficiente para receber um desses cartões, em sua análise, vai continuar dependente da confiança dos comerciantes.

Mas para aqueles que conseguiram o cartão, pouca coisa muda, na opinião do economista. “Quem pagava por mês na caderneta, agora paga por mês no cartão.” A desvantagem do uso do cartão, na avaliação de Pineli, é que o comerciante nunca conquista o cliente. “Ele compra a mercadoria porque o preço está bom, não porque é cliente da loja. Se ele achar preço melhor em outro lugar, vai nesse lugar.”

É diferente do que acontece nos pequenos estabelecimentos comerciais que existem nos bairros. Lá, o comerciante cria vínculo com o freguês quando abre uma ficha para ele. Quando vai pagar a conta, o freguês paga para o dono do estabelecimento. Quando chega algum produto que o freguês gosta, ele é avisado. “Esse contato cria uma intimidade entre comerciante e cliente. Você sabe quando ele faz aniversário, qual a profissão dele, se é casado, se tem filhos, fica sabendo do que ele gosta”, justifica.