23 de dezembro de 2025
Geral

Jaú organiza visita turística aos jazigos

Rodrigo Ferrari
| Tempo de leitura: 5 min

O Cemitério de Jaú irá se transformar em ponto de parada obrigatória para os turistas que visitam a cidade. Um projeto desenvolvido pelo professor de história Júlio César Polli em parceria com a Secretaria de Cultura do município pretende organizar visitas monitoradas ao local. O primeiro passeio (que será gratuito) é destinado a alunos do curso de pedagogia da Faculdade Jauense (Fajau).

Na opinião do professor, cemitérios são locais privilegiados para se pesquisar a história de determinado local. “As pessoas ‘levam’ para o túmulo seus gostos, sua visão de mundo, suas concepções religiosas, seu modo de vida. Você pode até não fazer idéia de como era a casa de indivíduo, mas poderá ter uma noção clara de como ela vivia a partir de sua sepultura”, explica ele.

Cemitérios também permitem acompanhar as transformações culturais e ocorridas em uma sociedade, ao longo dos anos. Em Jaú, a coexistência dos mausoléus suntuosos do início do século passado com jazigos simples e quase sem ornamentos, construídos a partir da década de 1950, ajuda a dar uma idéia de como foi declínio da cultura do café na região central de São Paulo.

Se, antigamente, os fazendeiros podiam se dar ao luxo de fazer com que seus mortos descansassem em verdadeiras réplicas de palácios, hoje algumas famílias mal têm condições de ladrilhar a morada eterna de seus entes queridos.

No Cemitério da Saudade, em Bauru, essas transformações também são bastante claras. Mais do que isso - os túmulos existentes no local colocam em evidência as desigualdades sociais que vigoram na cidade, desde seus primórdios.

Enquanto as famílias tradicionais tiveram condições de ornar seus jazigos com esculturas de bronze ou mármore produzidas por artistas talentosos, os mais pobres se viram obrigados a recorrer a estátuas de gesso para homenagear seus mortos.

Absorvidas por sua própria dor, as estátuas de bronze que enfeitam os mausoléus dos figurões acabam por ignorar o sofrimento das pobres imagens de gesso, que se deterioram ao sabor das intempéries do tempo.

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Vida-Morte-Vida-Morte...

No começo do ano de 1992, o escultor bauruense José dos Santos Laranjeira recebeu da Empresa Municipal de Desenvolvimento Urbano e Rural de Bauru (Emdurb), que administra os cemitérios da cidade, uma proposta, que alguns considerariam instigante; outros, uma missão impossível.

“O Velório Municipal estava prestes a ser inaugurado, só que a direção da autarquia percebeu que faltava ao prédio (localizado às margens da avenida Rodrigues Alves) algum elemento que o enriquecesse visualmente. Resolveram, então, me chamar para desenvolver alguma intervenção que pudesse mudar a cara do lugar”, conta Laranjeira, que é professor da Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (Faac) da Universidade Estadual Paulista (Unesp).

O tempo disponível para a elaboração do projeto era exíguo. “Eu tinha 15 dias para apresentar a proposta e outros 20 para executar a obra”, explica. Devido à escassez de tempo, o artista preferiu optar em seu trabalho por formas geométricas, em detrimento de representações naturalistas.

Laranjeira conseguiu concluir o trabalho, uma escultura/mural (denominado “Vida-Morte-Vida”) em tempo. Anos depois, apresentou a obra em simpósios de escultura ocorridos em Barcelona e Campinas. Em ambos os eventos, o painel concretista chamou a atenção dos participantes pela riqueza de significados que carrega em si.

Autor de outros trabalhos de renome na cidade, como a escultura da Praça da Paz, Laranjeira redigiu uma breve reflexão a respeito de “Vida-Morte-Vida”, que o Jornal da Cidade reproduz a seguir.

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Considerações sobre escultura/mural

A escultura mural “Vida-Morte-Vida”, solicitada em 1992 pela Emdurb, teve a intenção de enriquecer o projeto arquitetônico do prédio do Velório Municipal, no Cemitério da Saudade. Dava-se, naquela ocasião, um salto significativo na cultura local ao incluir o trabalho de um artista escultor para auxiliar à individualização do edifício público na paisagem urbana.

O mural de formato retangular horizontal facilitou o estabelecimento de estruturas narrativas. A composição simétrica organizada ritmicamente permite que se aprecie a mesma informação estética tanto por quem vai como por quem vem na avenida. Formas simples, linhas e planos retos, são uma citação explícita da arte concreta não-figurativa, de formas puras alheias às referências naturalistas. Os blocos monocromáticos emergem do muro explorando artifícios da perspectiva cúbica o que resulta numa percepção ambígua, como metáfora da percepção da vida e da morte.

Os blocos têm como referente o corpo físico cuja movimentação remete por semelhança ao processo vital. Do auge da vida - verticalidade - até o descanso na morte - horizontalidade. Os blocos portadores de idéias são pura abstração e licença poética do artista. Por similaridade dos significados: bloco = corpo físico do indivíduo; vertical = vida; horizontal = morte; inclinados = processo vital; negativo vertical = ausência do corpo físico, espírito; cruz = horizontal/vertical.

A cruz é de vital importância pelos antagonismos vida/morte; cheio/vazio; corpo/espírito. O significado da oposição dos contrários é universal, e a cruz, com seus ângulos retos, representa o antagonismo da perfeição. A cruz é o elemento principal ao representar Cristo.

A religiosidade domina a significação e as metáforas identificam passagens fundamentais. O sacrifício, a redenção do pecado original e a ressurreição já estão implícitas no título da obra. Outras associações podem ser plausíveis por similaridade quantitativa ou qualitativa. Do início do painel, em ambos os sentidos em direção ao centro, associa-se o ciclo vital com exatos sete elementos. Citação ao Gênesis, Deus fez o mundo em sete dias, no sétimo descansou. Integram, ainda, o painel 13 figuras: a cruz, símbolo do próprio Cristo, e os 12 elementos, seus discípulos. No movimento rítmico e ondulatório dos blocos forma-se um verdadeiro leque de reverência como citação à entrada triunfal de Jesus em Jerusalém. Nenhum elemento é apenas materialidade, ao tornar-se simbólico, concentra significados e passa da apreensão inteligível à apreensão emocional, inconsciente e arquetípica.

A obra como fenômeno estético constitui uma resposta não-verbal do autor dirigida aos sentidos e ao intelecto. O signo estético refere-se às realidades que o homem viveu ou pode viver - nos diz Mukarovsky, o que significa que tudo que o artista converte em signo estético provém da relação entre ele e a realidade. A escultura/mural “Vida-Morte-Vida” emerge deste âmbito conduzindo idéias e significados próprios da experiência, repertório e memória que configuram o pensamento criativo e espiritual do artista.

O autor, José dos Santos Laranjeira, é escultor, designer e professor do Departamento de Artes da Faac/Unesp. Mestre em artes pela Unicamp e doutorando em artes visuais pela Universidade de Barcelona, ele também é autor do mural “Vida-Morte-Vida”.