Sabemos bem que o mundo da pesca é fantástico e inusitado. Fatos curiosos acontecem. Alguns são passíveis de crença, outros não. Mas a ficção existe para que as coisas vistas e sentidas na beira dos rios se tornem fantasiosas ou, como diria o tio Abdul na novela “O Clone”, “espetaculosas”, lembram?
A verdade é que, tanto no silêncio da noite quanto em dias ensolarados, às margens dos rios pantaneiros, a imaginação dos pescadores que, como eu, buscam a subjetividade e a aventura maior, embutidas no próprio pensamento, não se aquietam.
Inúmeros fatores, tais como a paz e o correr manso de um rio pequeno chamado Salobra, lá no Mato Grosso do Sul; a beleza de pássaros multicoloridos, cujo bater das asas quebra o silêncio gostosamente; a sensação de que estamos no paraíso, tal é a exuberância da fauna e flora locais que se propicia o clima para que a imaginação divague lentamente, criando histórias fantásticas, como algumas aqui contadas.
Sendo assim, vamos aos fatos. O cenário descortinava o fascinante rio Salobra, no entardecer de uma preguiçosa segunda-feira de outono de um ano que já se foi no tempo... Abrigados do sol ardente, à sombra de pequenos arbustos, estávamos apoitados junto à margem esquerda de quem desce o rio, ou à margem direita de quem sobe o piscoso “Salobrinha”, tanto faz.
Eu, Cirilo, Niltinho e o nosso piloteiro Cabral, conhecedor ímpar daquela região, contemplávamos maravilhados o tamanho exagerado dos aguapés que se acumulavam à nossa frente, que quase fechavam a passagem dos barcos.
Com a demora das “puxadas”, e sentindo o insuportável calor pantaneiro (e o rio não estava pra peixe naquele dia), minha atenção se voltou para uma enorme folha de aguapé que sustentava em sua parte mais plana três pequenas rãs, todas do mesmo tamanho. Com o peso delas, que não era muito, a folha do vegetal oscilava entre bater na água e flutuar no ar, presa ao seu caule.
A água cristalina do rio trazia alguns pequenos insetos, que passavam boiando na superfície, junto aos aguapés. Incrível meus amigos! A cada passagem de um inseto (mais parecido com uma pequenina aranha), duas das rãs soltavam de suas bocas abertas uma enorme e pegajosa língua, viscosa feito uma lesma (credo!) e, num só toque, recolhiam as pobres aranhas, grudadinhas, indefesas, transformadas em uma refeição rápida (‘fast-food do Pantanal’).
Estava tão interessante o episódio que paramos de pescar e ficamos ali, boquiabertos (porém sem usar a língua, é claro), vendo a ação dos pequenos anfíbios. Cada aranha que passava boiando, coitada,“sssssllllaaap“, ia parar na boca da malvada rã.
Mais observador do que nós, o experiente Cabral nos disse: “- Reparem bem uma coisa, a terceira rã, a da esquerda, não está caçando com a língua!”. Constatamos que era verdade! A pequena rã, ao contrário das outras, que adoravam deglutir uma aranhinha, estava estática, quase sem respirar. Porém, repentinamente, saindo daquela posição de estátua, a “mulher do sapo“, em vez de soltar a viscosa língua, pulou sobre mais uma aranhinha que descia o rio boiando, engolindo-a e voltando ao seu lugar na folha do aguapé.
Foi aí que a sabedoria do piloteiro Cabral falou mais alto. “- Eu sabia! Eu sabia!”, bradou o solerte “pirangueiro”! E, num gesto rápido, usando o nosso “puçá”, capturou as rãs, trazendo-as para dentro do barco, todo ansioso, querendo nos mostrar alguma coisa.
Pegou a primeira rã, dizendo: “- Esta não é, pois não tem a pinta esverdeada”. Pegou a segunda e nos mostrou a barriga cinzenta (a barriga da rã, é claro) sem nenhum sinal de pinta. Ah ! Finalmente a terceira rã, espremida na mão calejada do pescador. Com o dedo indicador na boca da coitadinha, ele mostrava e afirmava: “- Vejam, ela tem a língua presa! Foi a mesma que eu peguei aqui neste lugar na semana passada, com esta pinta verde na barriga e a soltei”.
E a rã tinha mesmo a língua presa! Logo percebemos que ela era mais “magrinha” do que as outras, pois comia bem menos insetos do que aquelas que não tinham aquele problema. Soltamos as três rãs na água, para terror das pequenas aranhas , pois a malfadada rã, ao cair no rio, bateu a boca num galho de árvore que passava boiando e, num verdadeiro milagre, sua língua se soltou! Haja aranha e insetos agora! Imaginem o calor, a emoção e a canseira que passamos nessa empreitada!
A foto do amigo Cirilo refrescando-se na ducha do rancho mostra como estava quente aquela região pantaneira! Voltando aos anfíbios, dizem as “más-línguas”, que a pequena rã se tornou a maior “fofoqueira” do pantanal. A maior “língua-comprida” da região !!!
Um abraço a todos os pescadores. Espero que ninguém vá meter a “língua” na minha história. É a pura verdade. Eu vi! Perguntem ao Cirilo, ao Niltinho e ao Cabral, eles também viram !!! Portanto deixem de ser “ranzinzas “ e acreditem!
Pessoal, ia me esquecendo,o Cirilo esqueceu a toalha e teve que se secar ao sol! Pegou um bronzeado danado, ficou um gato (do mato !).
Fernando Lucilha Júnior
é pescador e contador de histórias.