Machado de Mello
Vai gente, vem gente. Passam os anos, as estações. Porém, independente do clima ou das mudanças paisagísticas, é possível afirmar que há 100 anos uma única figura resiste, impávida, dia e noite, na praça Machado de Mello: o busto de Joaquim Machado de Mello.
Inaugurado em 13 de maio de 1910, o busto feito de bronze fundido é considerado o monumento mais antigo da cidade. Foi instalado na praça com a intenção de homenagear o empreiteiro responsável pela construção inicial da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB). A iniciativa permitiu que a figura do empreendedor saísse da história para participar do cotidiano de quem passa pela área verde.
Durante 86 anos, a estátua ficou posicionada de frente para a linha férrea, dando a impressão de que o criador admirava sua obra em tempo integral. Em 1996, após a reforma do local, o sossego de Machado de Mello foi perturbado.
Sem motivo aparente, inverteram a posição de seu busto e o colocaram de costas para a estação, modo como permanece até hoje. A julgar pela aparência de seu busto, Machado de Mello não deve estar lá muito satisfeito, nem com sua nova posição, nem com as pombas que, literalmente, mancharam sua imagem.
Ruy Barbosa
Se existe uma categoria em que Ruy Barbosa pode ser classificado como novato, esta, certamente, é a dos bustos. Pelo menos em Bauru. Isto porque, a figura do jurista, político e escritor brasileiro foi a última a ser eternizada na cidade.
Inaugurada em 29 de abril de 1994, o busto de Ruy Barbosa foi instalado em comemoração aos 80 anos da praça que, por sinal, também leva seu nome. Atualmente, é uma das poucas obras no município que conta, por meio de placas, um pouco da trajetória do homenageado.
A julgar pelas informações contidas em tais inscrições, o que não faltam são motivos para eleger a figura de Ruy como a ideal para ser eternizada em forma de busto. Ele foi “glória da pátria nas áreas jurídica, literária, educacional, política e cultural”. Além disso, lutou pela liberdade dos escravos, foi senador e, em 1907, representou o Brasil na Conferência da Paz, realizada em Haia, na Holanda.
Porém, mesmo com tantas qualidades, Ruy não era cidadão bauruense. Foi eleito busto por seus feitos, claro, mas muito mais em função de agregar informação à praça, que também leva seu nome, e que já existia na cidade.
Ernesto Monte
Winston Churchill, primeiro ministro do Reino Unido no período de 1940 a 1945 e de 1951 a 1955, sempre declarou que ser homenageado por meio de um busto era uma honraria que não povoava seus sonhos. Se Ernesto Monte tivesse a oportunidade de ver as condições em que se encontra atualmente o busto em sua homenagem, certamente concordaria em gênero, número e grau com Churchill.
Instalado na Escola Estadual Ernesto Monte em 1984, em comemoração ao jubileu de ouro da instituição educativa, o busto foi a forma encontrada pelo para homenagear o ilustre político bauruense, que exerceu a função de interventor da cidade durante dez anos (1937-1947), e que muitas contribuições deu ao município.
Após 26 anos, as reais intenções da escultura parecem ter se perdido, especialmente na memória de alguns dos alunos da própria escola. A constatação vem do fato que, atualmente, o busto de Ernesto Monte exibe uma pintura típica dos índios, com quatro manchas verdes atravessando suas bochechas, e também um espesso bigode, feito com corretivo branco.
Mas o desrespeito com a escultura data de muito tempo e superou os limites da criatividade: segundo funcionários da escola, a escultura já foi incrementada com sutiã e, na época da gripe suína, com máscara cirúrgica.
Luiz Zuiani
Quando o assunto é bustos, certamente a figura fundida em bronze que retrata o Doutor Luiz Zuiani é a que mais causa inveja - especialmente às outras personalidades, também homenageadas por meio de estátuas. Isto porque, desde sua inauguração, em 1956, o busto do médico e político bauruense já foi motivo de ‘crime passional’ e, atualmente, é um dos mais bem preservados da cidade.
Zuiani sempre atraiu admiradores e ganhou destaque no município por disponibilizar seus conhecimentos na área de medicina à população carente. Foi também vereador e prefeito. Como forma de agradecimento pelos serviços prestados à comunidade, Zuiani ganhou um busto que, inicialmente, foi colocado na praça Rui Barbosa. Somente anos depois foi transferido para a praça que leva seu nome.
Quando, finalmente, parecia ter se acomodado em um canto só seu, o busto de Luiz Zuiani foi furtado. Inicialmente as autoridades analisaram o crime sob um viés financeiro, já que o bronze é um material nobre. Porém, em 2008, ficou provado que o furto ocorrera por motivo passional: o busto foi encontrado na casa de um dos membros da família do médico, que alegou ter retirado a estátua da praça pública antes que alguém o fizesse.
Em 2010, com o apoio e incentivo do Jornal da Cidade, o busto de Luiz Zuiani foi restaurado pelo escultor Silvio Selva e reinstalado na praça.
Monumento aos Ex-Combatentes
De todos os bustos e monumentos existentes em Bauru, o da Revolução de 1932 é o que percorreu o maior número de espaços públicos da cidade. Somando os cinco lugares pelos quais já passou, o monumento feito de granito já esteve instalado na avenida Rodrigues Alves, praça Nove de Julho, em frente ao quartel do 4.º Batalhão da Polícia Militar do Interior e, atualmente, encontra-se em frente ao Cemitério da Saudade.
Foi erguido em 1936 em homenagem aos combatentes da Revolução Constitucionalista de 1932, que lutaram por uma nova Constituição brasileira, que garantisse direitos essenciais para todos.
Em Bauru, o monumento pretende relembrar algo além da batalha que teve repercussão e importância em termos nacionais. É uma homenagem aos três civis bauruenses que tombaram no front: Agenor Meira, Alfredo Ruiz e Rubens Fraga de Toledo Arruda, que têm os nomes inscritos na escultura.
Sua importância, do ponto de vista histórico, é incontestável. Porém, infelizmente, a maioria das pessoas que observa a escultura pela primeira vez não entende o que os quatro obeliscos que o compõem o monumento representam. É preciso procurar na história para desvendá-los.
Rodrigues de Abreu
Se Rodrigues de Abreu estivesse vivo, certamente estaria feliz com a forma como está sendo tratado o busto em sua homenagem. Isto porque, após permanecer por 37 anos na praça que também leva seu nome, ao lado da Igreja Santa Terezinha, o busto “descolou-se” de sua base e foi retirado do espaço público. Ficou quatro anos sem ser exposto e, em 2007, foi levado para a Biblioteca Municipal Rodrigues de Abreu, onde está atualmente.
Se antes a escultura do escritor sofria com as mazelas da natureza, como as fezes de pombas e as agressões da chuva, atualmente goza do mais explícito paparico. É a menina dos olhos dos funcionários da instituição. Ganhou um canto especial na biblioteca, com direito a uma estante com informações sobre sua vida e obras.
A homenagem e o zelo são justos. Embora tenha nascido em Capivari, Rodrigues de Abreu viveu a maior parte do tempo como cidadão bauruense e foi considerado um dos mais importantes escritores da história da cidade.
Leão das Nações
Quando o assunto são as esculturas existentes em Bauru, uma das primeiras a ser lembrada é a do leão, símbolo do Lions Clube de Bauru, que desde 1983 guarda o canteiro central da avenida Nações Unidas, nas proximidades do Parque Vitória Régia.
É impossível não notá-la. Mesmo sem ter a intenção, a imponente figura do bicho sentado atrai a atenção e a curiosidade de quem passa pelo local. Sua história é um tanto diferente da maioria dos bustos e monumentos existentes na cidade. Isto porque a iniciativa partiu do próprio clube, que decidiu fazer uma auto-homenagem, e não da comunidade ou do poder público, como é de costume.
Porém, ao completar pouco mais de ¼ de século de existência, o rei da selva não impõe respeito aos frequentadores do local. Por mais de uma vez já foi pichado e, atualmente, encontra-se envolto em sujeira.
Voo da paz
Em qualquer parte do mundo, quando se fala em paz, o primeiro símbolo que vem à cabeça é a pomba. Em Bauru não foi diferente. Desta forma, quando a Prefeitura Municipal de Bauru solicitou ao escultor José dos Santos Laranjeira para produzir uma estátua que representasse e enfeitasse a praça da Paz, localizada à margem da avenida Nações Unidas, o artista não teve dúvidas: esculpiu uma pomba abstrata.
Feita com uma estrutura de ferro revestida com aço inox, o pássaro mede 5,5 metros de altura e 6,2 de comprimento. Um detalhe é que a ave tem, intencionalmente, a asa quebrada, com a intenção de mostrar que, embora a paz seja um desejo universal, ainda não foi totalmente conquistada.
Azarias Leite
Em meados de 1910, tudo o que tinha relação com grandes empreendimentos e questões políticas, pode ter certeza, trazia o nome de Azarias Leite metido no meio. Com o título de coronel da Guarda Nacional, o político fazia jus ao título. E, devido à isso, sua vida política foi entremeada com violência.
Azarias não era de ceder. Brigava por tudo aquilo que acreditava e, desta forma, conseguiu muitas coisas. Porém, sua última peleja custou-lhe também a vida. Isto porque Azarias pleiteava criar em Bauru uma comarca. Os políticos de Agudos, temendo que a comarca da cidade fosse transferida para a vizinha Sem Limites, ameaçaram Azarias de morte.
Em 19 de outubro de 1910, o coronel saiu cedo de sua fazenda para inaugurar o Banco de Custeio Rural, a primeira instituição financeira da cidade. No meio do caminho, nas proximidades de onde hoje é a Baixada do Silvino, foi executado com três tiros.
Quase meio século depois, Azarias foi homenageado com um busto pelo então prefeito da cidade, Avallone Jr.. Porém, conflituando com a história, a herma do político está instalada na praça de um colega, Washington Luiz, quando, por questões lógicas, deveria estar nas proximidades da avenida Moussa Tobias, onde Azarias sofreu a emboscada e tombou.
Monumento aos Expedicionários
Há 14 anos, o poder público não contemplada Bauru com bustos ou monumentos históricos. O motivo, segundo a Secretaria Municipal da Cultura e a Secretaria Municipal do Meio Ambiente, são os frequentes e incontroláveis casos de roubo e vandalismo.
O último monumento ser incorporado em um espaço verde na cidade é o que homenageia os pracinhas bauruenses, que integraram a Força Expedicionária Brasileira na Segunda Guerra Mundial.
O Monumento aos Expedicionários, instalado na praça que leva o mesmo nome, no Jardim Bela Vista, foi inaugurado em 7 de maio de 1996 e, diferente da maioria das obras existentes na cidade, encontra-se em bom estado de conservação. Foi, inclusive, reinaugurado em 7 de maio deste ano, em comemoração ao 65º aniversário do dia da vitória.
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Homenagear personalidades que ajudaram a construir a história da cidade por meio de bustos é uma atitude que gera debate entre pesquisadores, historiadores, defensores do patrimônio cultural e o poder público.
Uns questionam os critérios que motivaram as escolhas dos homenageados e dos artistas, além de colocar em cheque o valor histórico de tais obras. Outros defendem que o simples fato das esculturas e monumentos existirem e se integrarem à paisagem de espaços públicos já é o suficiente para despertar nas pessoas o interesse em descobrir a importância do monumento para o município.
Para o pesquisador Irineu Bastos, bustos são obras questionáveis do ponto de vista histórico, artístico e cultural. Isto porque, na época em que eram frequentemente instalados em praça pública, não existia um critério claro para distribuir as homenagens. Geralmente, a proposta partia do prefeito.
“Além disso, a maioria dos bustos e monumentos da cidade não é auto-explicativa. Você olha para a figura de Machado de Mello, por exemplo, e, se não sabe quem ele foi para a cidade, não é por meio de sua estátua e das poucas inscrições que estão em sua placa que vai descobrir”, opina Irineu.
Já Terezinha Santarosa Zanlochi, coordenadora do curso de história da Universidade do Sagrado Coração (USC), discorda da opinião de Irineu. Para ela, toda a forma de perpetuar a história é válida e fundamental para a preservação da identidade do município.
“Se a pessoa não tem interesse em aprender, ela pode visitar o Museu do Louvre que não fará a menor diferença em seu repertório. No caso de Bauru, a simples existência de tais marcos já serve como registro. Eles estão lá, chamando a atenção. Quem quiser descobrir o que significam pode recorrer aos centros de pesquisa”, argumenta ela, que é doutora em história social.
Na opinião de Sérgio Losnak, presidente do Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural (Codepac) de Bauru, a discussão em torno da validade histórica das hermas e monumentos é fruto do distanciamento existente entre os habitantes do município e os fatos históricos.
“Atualmente, as obras estão ‘perdidas’ no contexto da cidade. Falta compreensão e entendimento da sociedade quanto à sua relevância. Acredito que elas são importantes sob o ponto de vista que, em determinado período, a comunidade entendeu que poderia deixar uma marca, que se referisse a alguém ou a algum acontecimento importante”, avalia Sérgio.
Apesar dessa opinião, Sérgio diz que o Codepac nunca cogitou a possibilidade de transformar bustos e monumentos em patrimônios históricos e culturais da cidade.