20 de dezembro de 2025
Bairros

Eles estão soltos por aí...

Relatos dados à jornalista Wanessa Ferrari
| Tempo de leitura: 11 min

Lobisomem

“Reza a lenda que todas as noites, especialmente as de lua cheia ou as que antecedem um dia santo, os lobisomens circulam pela cidade. São homens com características de lobo. Espíritos atormentados, desesperados, que vagam pelos bairros.

Pessoas que já viram o Lobisomem dizem que ele tem pelos espessos, dentes salientes, mãos crispadas, olhos injetados e unhas muito compridas. Outra característica é que, apesar da aparência assustadora, parecem estar muito assustados também.

Os principais relatos vêm de pessoas que moram na zona rural. Conta-se que o Lobisomem costumava correr por sítios e fazendas comendo tudo o que via pela frente, inclusive titica de galinha.

De tão assustador, ele espalha um alarido de medo por onde passa. Os animais, quando sentem sua presença, costumam se esconder rapidamente, pois sabem que a figura meio-lobo, meio-homem não pertence a este mundo. Já os animais que não conseguem escapar são impiedosamente mortos.

Por conta da quantidade de coisas que come, o Lobisomem costuma vomitar tudo e desaparecer antes do sol nascer. Na sequência, logo pela manhã e novamente em forma de homem, ele visita casas da redondeza pedindo sal.

Certa vez meu tio, um homem muito bem orientado e inteligente, saiu para trabalhar quase de madrugada. Quando dobrou a esquina do Cemitério da Saudade, se deparou com um Lobisomem, parado, ofegante. Se encararam por alguns segundos e, percebendo o que estava acontecendo, meu tio recuou e saiu correndo. Voltou para casa, me contou o que havia visto e depois nunca mais tocou no assunto.

É fato que muitos deles vagam pelas noites da cidade. Se alguém aparecer em sua casa, logo pela manhã, pedindo sal, já sabe: pode ser o Lobisomem.”

Rubens César Colacino, 52 anos, é professor, nunca viu Lobisomem, mas tem certeza que ele existe.

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Mula-sem-cabeça

“Quando eu era garoto, morava em um sítio com meu pai e minha mãe. Certo dia, como era de costume, nós fomos visitar meus avós que moravam em uma fazenda distante 10 km de nossa casa. Passamos parte da noite lá e, quando era por volta de 23h, decidimos voltar. Me lembro até hoje: era uma noite de sexta-feira 13.

Na época, não tínhamos nenhum meio de transporte e o jeito era fazer o percurso a pé. A certa altura do caminho, percebemos que estávamos sendo seguidos. Quando paramos e olhamos para trás, vimos uma coisa que nos fez arrepiar dos pés à cabeça: uma Mula-sem-cabeça.

Era um cavalo branco, bem grande e brilhante como o sol. Tão reluzente que chegava a doer a vista. O cavalo usava um freio e caminhava sem pressa em nosso encalço. Apavorados, apertamos o passo e continuamos o nosso trajeto. A Mula também continuou a nos seguir, sempre mantendo uma distância de aproximadamente 50 metros. Senti que ela não fazia questão de nos alcançar.

Ao chegarmos em casa, olhamos pela última vez para trás e a Mula havia desaparecido. Até hoje não sei o que ela queria com a gente, só sei que foi uma noite de muito medo.

Dizem que a Mula-sem-cabeça é uma mulher que sofreu uma maldição porque se apaixonou por um padre. Como castigo por seu pecado, ela foi condenada a viver em forma de cavalo e sem cabeça. Dizem que o único jeito de libertá-la é tirando o seu cabresto. O problema é: você se arriscaria?”

Florindo Martins, 78 anos, é contador de histórias e viu a Mula-sem-cabeça quando tinha 6 anos.

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Unhudo

“O Unhudo é um dos personagens folclóricos mais conhecidos na região. Alguns dizem que ele é de Dois Córregos, outros de Lins, mas eu o vi pessoalmente na principal elevação do município de Mineiros do Tietê, no baixão da serra de Saldanha Marinho.

Para quem não sabe, o Unhudo é um homem velho, corcunda, de barba bem branca e comprida, que chega quase até o joelho. Além disso, ele têm unhas enormes, que passam de dez centímetros.

Eu o conheci em uma época que ele morava nas matas da Pedra Branca, um lugar de mata densa e fechada. Eu tinha por volta de 10 anos e minha mãe dizia que o Unhudo era um protetor da floresta, que zelava para que a mata não fosse destruída.

Certa vez, como era de costume aos domingos, minha mãe foi visitar uma amiga que morava em uma fazenda naquela região e levou com ela meus irmãos e eu. Chegando lá, nos mostrou o Unhudo. Como éramos crianças, não nos intimidamos e fomos conversar com ele. Não me lembro sobre o que falamos, mas me recordo que ele me parecia uma figura frágil e inofensiva, apesar das unhas.

Atualmente, ouço muitas histórias contanto que o Unhudo não aceita mais a presença de pessoas na mata onde vive. Dizem que, para proteger seu habitat, ele ataca as pessoas e, com um belo tapa, as deixa desacordadas. Algumas até são arremessadas a metros de distância.

Como muito tempo se passou desde o nosso encontro, pode ser que ele tenha mudado de personalidade ou talvez perdido a paciência com os intrusos que insistem em destruir a mata.”

A dona de casa Eliza Gatti Teixeira, 58 anos, fez amizade com o Unhudo quando era criança.

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Curupira

“Lá pelos idos de 1950, eu ainda era um pirralho, mas me lembro com clareza de um fato que ocorreu na fazenda onde eu morava, aqui perto de Bauru. As terras por ali eram praticamente abandonadas. Entre os poucos que teimavam em formar fazendas por aquelas bandas, havia um português recém-chegado do velho continente, senhor Antão Lofrano de Albuquerque, com sua esposa, Pia Fátima, e seus dois filhos adolescentes.

A fazenda de seo Antão ficava na cabeceira de um córrego que ele mesmo denominou de Ventania. Lá tinha uma casa de madeira, grande e confortável para os padrões da região. Tinha também tulha e terreiro para secar café, além de uma colônia com 22 casas de pau-a-pique para abrigar trabalhadores da lavoura.

Com a presença de seo Antão, aquele lugar, até então inóspito, passou a ser alegre e movimentado. Onde só ouvia uivo de lobos e esturros de onças pardas e jaguatiricas, passou-se a ouvir também as histórias de crendice popular e assombrações contadas pelos caipiras.

Certo dia, um morador da colônia falou a respeito de uma criatura chamada Curupira e que, segundo ele, estava sempre por ali, rondando as casas. Se tratava de um ser esquisito, semelhante a um menino. Porém, sua cabeça se assemelhava a uma tocha de fogo. Seu corpo era deformado e ele andava muito rápido.

O causo chegou ao ouvido do patrão que, para dirimir dúvidas, determinou que um grupo de trabalhadores ficasse encarregado de caçar o Curupira a qualquer custo, pois não queria nada de misterioso em suas terras.

Dias se passaram sem que o grupo encontrasse o Curupira. Seo Antão, nervoso com o fracasso da suas ordens, mandou chamar o empregado que afirmava ter visto o tal ser encantado que amedrontava os moradores e passou-lhe um sermão. Disse-lhe para parar de espalhar boatos ou, caso contrário, seria obrigado a deixar a fazenda.

Terminado o labéu, o caipira calmamente explicou ao patrão que o Curupira não é coisa de outro mundo, mas, sim, um protetor do cerrado e das matas. Ele aparecia por aquelas bandas na tentativa de resistir e preservar seu habitat natural.

Além disso, era óbvio que não o tivessem encontrado, pois seus pés são voltados para trás, de tal modo que quem o persegue seguindo seu rastro, quanto mais anda, mais se distancia.”

Lázaro Carneiro, 60 anos, é caipira e conta histórias de folclore para quem quiser ouvir.

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Saci Pererê

“Muitos dizem que o Saci é uma lenda. Outros apostam qualquer coisa que ele existe. Porém, entre tantas divergências, quando o assunto é descrição, todos o definem como um negrinho arteiro, que tem uma perna só, usa gorro vermelho, fuma cachimbo e ama fazer traquinagens.

Para falar a verdade, eu nunca vi um Saci. Mas me lembro muito bem de sua presença quando eu era criança. Ele costumava aparecer todas as noites, sem falta, em um sítio onde eu morava com meus pais. Digo que jamais o vi porque meu pai nunca me deixou sair para fora de casa depois que anoitecia.

Porém, algumas coisas me faziam ter a certeza de que aquele ser encantado esteve na fazenda fazendo arruaça durante a noite anterior. Quando ele chegava, por exemplo, podia-se ouvir um forte assobio, quase que ensurdecedor. Minha mãe pedia que eu rezasse e que pensasse em coisas boas para que ele fosse embora logo.

Além disso, era muito comum ouvir algazarra dos animais e, principalmente, o galope dos cavalos. Reza a lenda que os cavalos eram seus animais preferidos. No dia seguinte, os bichos estavam cansados de tanto correr sob o comando do Saci.

Outra de suas traquinagens mais frequentes era trançar a crina dos cavalos. Esta molecagem, particularmente, deixava meu pai muito zangado, já que a trança, além de ser feita de um lado só, era quase impossível de ser desfeita.

Se existe ou não, o que sei é o Saci é inofensivo, só gosta mesmo é de brincar e confundir as pessoas.”

A professora Maria José da Paz Carvalho, 65 anos, se assustava com as traquinagens do Saci quando era criança.

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Boto

“Nas noites de lua cheia, particularmente em cidades do Interior da Amazônia, nos locais onde têm festas e mulheres bonitas, o Boto aparece.

Ele surge disfarçado na figura de um homem, vestido de branco e usando como adereço uma cartola, estrategicamente posicionada para cobrir os dois furos que tem na cabeça e que exalam um forte odor de peixe.

Transfigurado, o Boto escolhe a jovem mais bonita da festa, dança com ela durante toda a noite e depois desaparece. Meses depois, a garota descobre que está grávida e que o filho que espera é fruto do repentino e breve romance com o Boto. Dizem que este mesmo Boto já salvou muitas mulheres nos rios da Amazônia, impedindo que elas se afogassem.

A lenda é uma das principais da região Amazônica e povoa o imaginário da maioria das meninas que lá vivem. A crença é tão forte que, mesmo contrariando a ciência, não é possível afirmar se o tal ser encantado das águas existe ou não.

Me lembro que, quando eu era criança, dizia a minha mãe que jamais iria a bailes ou festas quando me tornasse moça. Eu me achava muito bonita e tinha esta cisma porque tinha a certeza de que se, o Boto me visse, certamente me escolheria.

Quando eu tinha 15 anos, driblei meus temores e fui a uma festa de casamento com minha tia. Chegando lá, conheci um rapaz muito bonito. Nos apaixonamos na hora. Ficamos a noite toda conversando e, de repente, uma tia que me acompanhava cismou de ir embora. A decisão dela foi tão inesperada que nem pude me despedir do rapaz. Fui embora para casa, chorei por uma semana.

Uns dois anos depois, avistei este mesmo rapaz do outro lado da rua, em um evento em comemoração à visita do ministro do Exército. Porém, quando ia atravessar a rua para encontrá-lo, passou um comboio de carros e ele desapareceu. Será que era um Boto?”

Sandra Macedo Pereira, 52 anos, diretora do Instituto Cultural Yauaretê, tinha medo de ser escolhida pelo Boto quando era jovem.

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Zé Mané Tibiriçá

“Contam os antigos que em um arraial nas redondezas de Tibiriçá morava um fazendeiro que tinha um filho mudo. O menino, que tinha 7 anos, sempre acompanhava o pai e era muito esperto, só não falava mesmo.

Certo dia, o fazendeiro e o filho construíram um espantalho para colocarem no arrozal, e deram-lhe o nome de Zé Mané Tibiriçá, de tão feio que ele era. O homem disse ao filho que sempre que fosse até lá devia bater na bunda do espantalho para dar sorte.

No mês de novembro de 1952, começou a chover muito forte na região, com direito a raios e trovões. A tempestade arrasou o povoado e muitas terras das redondezas. Também atingiu a fazenda do Bessinha e levou o espantalho Mané Tibiriçá rio abaixo e ele foi parar em um pequena cidade ao lado, exatamente à porta da Igreja Matriz.

As freiras daquele lugar, vendo a grotesca e tosca figura à porta da igreja, o tomaram por um sinal de Deus e o levaram para um canto, em cima do altar.

No domingo, como é costume, os fiéis foram para a igreja. No final da missa, se aproximaram do espantalho, rezaram e colocaram esmolas ao seus pés, tomando-o como um novo santo. Alguns afirmaram ter recebido benção dele.

Naquela semana, a notícia do novo santo se espalhou pela cidade e chegou até os ouvidos do fazendeiro Bessinha, que se entusiasmou em levar seu filho mudo para ver o santo milagreiro.

Marcaram a data e, no domingo combinado, pai e filho foram ver o santo. Subiram às escadas da igreja rezando e contritos, com toda fé. Sentaram-se na última fileira de bancos e assistiram à missa. Na sequência, foram até o altar e, aconteceu o inacreditável: o garoto, vendo o falado santo, aproximou-se do espantalho, bateu-lhe na poupança e disse: ‘Esse santo não é santo... É o Zé Mané Tibiriçá...’

Percebendo o que havia acontecido, o fazendeiro e as beatas gritaram: ‘Milagre!’

Dizem os antigos, que o causo é verdade e que, depois disso, o espantalho fez muitos milagres por aquelas bandas. Hoje o Zé Mané recebe visitas e descansa em uma casa no Acampamento Tibiriçá.”

A empresária Márcia Bessa Pereira Leite, 66 anos, põe fé no Zé Mané Tibiriçá.