O registro de ocorrências falsas para tirar vantagem de uma situação tem se tornado algo recorrente, conforme observam as polícias Militar (PM) e Civil de Bauru. Apesar de não atingir um índice alarmante e dificilmente ser comprovada como falsa, a elaboração de boletim de ocorrência (BO) irreal despertou a atenção de policiais e delegados para a possibilidade de identificar tais fatos.
A falsa comunicação de crime ou contravenção é prevista no Código Penal Brasileiro e pode gerar multa ou detenção de 1 a 6 meses para quem informar ocorrência inexistente.
Entre os casos de falsos BOs estão situações como a de usuários de entorpecentes que pressionados pelas dívidas que têm junto a traficantes, “combinam” uma situação de furto a objetos de sua residência como pagamento. O BO da ocorrência, neste caso, é pura armação.
De acordo com o comandante do 4º Batalhão da Polícia Militar do Interior (4º BPM-I), tenente-coronel Nelson Garcia Filho, a ideia é realizar um estudo mais específico sobre a falsa comunicação de crime ou contravenção junto à equipe da PM.
“Acredito que isso possa acontecer sim. Podemos fazer um estudo sobre este assunto, temos que pegar as ocorrências com esse perfil para analisar melhor”, afirma Garcia ao citar que as empresas de seguro costumam realizar sindicâncias quando surge algum caso suspeito, o que tende a diminuir as falsas ocorrências.
Perfil
Para tentar identificar mais facilmente os crimes inventados, o comandante do 4º BPM-I destacou a possibilidade de utilização do novo sistema de registro de ocorrências, que tem como diferencial a apresentação do histórico das pessoas enumeradas na elaboração do BO.
“Podemos pegar o nome do indivíduo, puxar os registros e cruzar dados para traçar um perfil mais abrangente sobre ele.
Com isso poderíamos encontrar características incomuns e gerar uma análise mais profunda dos casos suspeitos”, define o tenente-coronel.
Por sua vez, o delegado Seccional de Bauru, Benedito Valencise, confirmou que ocorrências desse tipo aparecem com certa frequência, mas ponderou que a quantidade não é alarmante. “É muito difícil de comprovar, mas acontece. Por isso existe uma cobrança muito grande para que a pessoa seja devidamente questionada durante a elaboração e assine o BO para evitar que a comunicação seja falsa”, declara Valencise.
O delegado frisa a importância das pessoas ficarem atentas a tais possibilidades porque a falsa comunicação de crime ou contravenção é crime e pode prejudicar a vida de indivíduos que tentam tirar proveito da situação.
“A pena é relativamente branda, mas a pessoa deve lembrar que, caso seja pega, passa a não ser considerada ré primária e pode ter problemas se for prestar concurso público, por exemplo”, ressalta Valencise.
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Seguro
Dentro da área de atuação dos corretores de seguros, o campo para esse tipo de farsa também é significativo. Ao adotar as residências como parâmetro, há a possibilidade de uma pessoa forjar um roubo para receber o seguro e quitar uma dívida.
A pessoa pode retirar diversos produtos de sua casa, estocá-los em outro local e simular um arrombamento. Depois, ela vai à polícia, elabora um BO falso e tenta receber o dinheiro previsto no contrato com a empresa seguradora. Com o dinheiro em mãos, o indivíduo leva seus produtos novamente para o interior da residência e utiliza o dinheiro do seguro para quitar sua dívida.
Existe ainda a possibilidade de tentar receber o seguro de veículos. Nos relatos dos policiais, foram expostos casos como o de pessoas que vendem o carro para desmanche ou para intermediários que vão levar o automóvel para outro país e inventam furto para desfrutar do ressarcimento da seguradora.
Em ambos os casos, a pessoa costuma esperar um tempo para garantir que o veículo não será encontrado pela polícia.
Com isso, os proprietários podem acionar a seguradora e receber o valor do carro, lembrando que a empresa pode pagar valores acima do que seria a realidade do automóvel caso fosse colocado à venda.
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Transeunte
Outro caso abordado pelos policiais foi em relação a roubo a transeuntes. Quando falso, esse tipo de boletim de ocorrência (BO) costuma indicar que a suposta vítima gastou dinheiro com drogas ou prostituição e não tem como justificar esse gasto para a família. Nesta hipótese, o indivíduo inventa a história que caminhava pela área central de Bauru quando foi abordado por suspeitos que o ameaçaram ou teve certa quantia subtraída por um travesti. Geralmente, se constatada como falsa a ocorrência omite o possível gasto com entorpecentes do prostituição.
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Criatividade é bastante explorada na elaboração das ocorrências irreais
A reportagem do JC conversou com alguns policiais bauruenses que enumeraram casos nos quais a suposta vítima pode tentar tirar proveito da elaboração de um boletim de ocorrência (BO). Entretanto, como as ocorrências não foram confirmadas como falsas, as fontes preferiram manter sigilo quanto às suas identidades.
Todavia, o problema foi constatado como presente no dia a dia das viaturas da PM e nas salas da Polícia Civil, o que despertou uma análise meticulosa dos casos.
Uma ocorrência exposta por um dos policiais consultados pela reportagem remete a um jovem que informou ter sido furtado. O indivíduo contou que sua motocicleta havia sido subtraída, mas depois recorreu novamente à polícia para ratificar que encontrou o veículo após dois dias, estacionada em um bairro longe de onde o furto tinha sido registrado.
Segundo as fontes ouvidas, neste caso as falsas vítimas geralmente são usuários de entorpecentes que contraíram dívida com traficantes. Por estarem devendo na “boca de fumo”, os indivíduos deixam veículos, tanto motos quanto carros, como garantia de que irão quitar o débito.
Como as famílias não podem saber que as “vítimas” são usuários de entorpecentes ou que utilizaram o veículo para sanar uma dívida, elas inventam um furto e elaboram o BO. Quando o pagamento é realizado, o produto é devolvido e os indivíduos vão novamente à polícia para informar que encontraram o bem subtraído.
Dívida
Além disso, os usuários endividados com a “boca de fumo” podem usar a imaginação para criar outros tipos de ocorrência. Quando pressionados pelos traficantes, muitos deles facilitam a entrada de suspeitos em sua casa, modalidade também enumerada na lista dos policiais.
Os viciados informam os horários mais tranquilos para a realização dos crimes, os suspeitos entram na casa e levam diversos produtos para abater o valor a ser pago pela aquisição dos entorpecentes. Após o furto, eles simulam o arrombamento de uma porta da casa e criam uma história para completar o BO.
Um pouco diferente, existem casos em que os filhos somem aos poucos com os produtos da casa. Nesta hipótese, quem tenta tirar vantagem da situação geralmente são os pais. Quando a casa possui seguro e os pais não têm condições de comprar novamente os itens subtraídos pelo filho usuário de drogas, um arrombamento pode ser inventado para tentar receber a quantia furtada da empresa seguradora.
Caso essa realidade seja constatada, a família pode ser acusada de dois crimes. O filho pode ser responsabilizado por furto, visto que retirou objetos pertencentes ao pai e à mãe, e os pais respondem por falsa comunicação de crime.