Algumas coisas são jurássicas como lenço de pano, guarda chuva, fax, agenda, pente no bolso, laquê, cristaleira e fita cassete. Outras são bregas: fumar, passar batom em público e ter perfil em site de relacionamentos. Mas tem a falta de educação: falar alto em ambientes fechados, comer de boca aberta, vestir-se de forma acintosa e elogiar-se publicamente.
Quem não conhece história não valoriza símbolos e as formalidades também serão jurássicas. Antigamente, não existia a facilidade de comunicação e os avanços da ciência demoravam para chegar. Agora é fácil checar se uma pesquisa é importante: muitos examinam-na ao mesmo tempo. O reconhecimento científico é rápido pois a verificação de dados é acessível.
Um hábito antigo persiste: a defesa de tese. A hipótese testada representa uma teoria elaborada por um pretenso cientista. Antes de elaborar sua teoria, estudou muito o que já havia sido feito em todo mundo, vasculhou a literatura sobre o assunto. As vezes se descobre que a teoria já foi testada em outra universidade. Ao testar sua teoria, os resultados serão analisados quanto a sua coerência, testes estatísticos e compatibilidade com o que se sabia. Pode ser um conhecimento complementar ao que existia, mas pode ser revolucionário, contestador e até chocante.
Como a universidade iria tornar pública uma pesquisa sem uma análise prévia e criteriosa? Como checar honestidade e pertinência do trabalho? Estabeleceu-se que antes de publicar, uma comissão ou banca examinasse o trabalho e sabatinasse o pesquisador para no final ser "promovido" com o título de doutor em ciências. Esta formalidade persiste, mas às vezes o trabalho da tese já foi até examinado por consultores e publicado nas revistas científicas. Há pressa em publicar pois o governo cobra produtividade ou tem-se o medo que em algum outro lugar, alguém publique antes um trabalho semelhante perdendo-se o mérito da primazia e o direito à patente. A vaidade e o dinheiro são sempre parceiros nas atividades humanas.
Nas formaturas há uma solenidade, um rito antigo, cheio de simbolismo de becas, discursos e figuras feudais como patrono e paraninfo, além de atitudes monárquicas como conselhos, protetores, orientadores e sucessores. Tudo isto é muito bonito quando coerente e respeitadas as normas do cerimonial, mas fica esdrúxulo quando se mistura com bexigas coloridas explodindo, buzinas e cornetas, faixas de quermesses com mensagens, gritos, assobios, tambores e até palavrões.
A defesa de tese também tem cerimonial específico, pronomes de tratamento, vestimentas e posturas adequadas. Os examinadores nos países escandinavos são chamados de opositores. A discussão é de alto nível e sem nada de teatro, embora o teatro seja uma das mais nobres atividades. A defesa de tese é tradicional, quase medieval, mas respeitosa e altamente simbólica. Sem tradição, não há cultura. Misturar seu rito com palavreado, vestes e posturas do dia a dia representa ignorar a história, os símbolos e as tradições universitárias. Esculhambar com o cerimonial nas defesas de tese pode representar explicitamente uma forma de afrontar as regras estabelecidas, mas então que se proponha um novo modelo, como aboli-la e que o título de doutor seja outorgado a quem publicar o trabalho em revista científica qualificada, tal como no Japão e Alemanha.
A tese de doutorado deve ser inédita e a hipótese comprovada pelas evidências obtidas. A sua defesa representa a oportunidade do debate em público com as críticas, sugestões e questionamentos proferidos por cinco examinadores escolhidos pela universidade entre doutores, livres-docentes e titulares, dois obrigatoriamente de outras instituições. Os examinadores devem primar pela qualidade ao outorgar um título que dignifique a universidade brasileira.
Com pensamento lógico e veemência na defesa das ideias, o pesquisador demonstra preparo intelectual, vernacular e oratória, essenciais para a vida acadêmica. Quando o candidato admite passivamente o erro, concorda que não foi cuidadoso com seu raciocínio, vernáculo e não tem capacidade de argumentação.
A defesa de tese representa uma atividade científica e há de se ter um protocolo com um mínimo de formalidade. Isto denota respeito entre as pessoas, afinal a cortesia é a ante-sala da ética. Por isto, a defesa de tese de doutorado não é um teatro, mas uma sessão científica e solene da prática da essência universitária: o exercício da crítica e do diálogo. Não é e nunca foi um tribunal do júri.
Alberto Consolaro é professor titular da USP - Bauru. Escreve todas as segundas-feiras no JC. Email: consolaro@uol.com.br