Depois que nascemos nada mais deveria entrar em nossos tecidos, ou como diriam os poetas, na intimidade de nossas carnes! Nosso corpo é um tubo da boca ao ânus. O que entra, sai; o organismo aproveita e joga no tubo o que precisa ser eliminado.
Se algo atravessar a pele ou mucosas logo será comido por células conhecidas como macrófagos. Eles tem uma memória das proteínas que formaram nosso corpo na vida intra-uterina, mas só das proteínas. Nos transplantes e bactérias, por exemplo, os macrófagos percebem que têm proteínas diferentes ou estranhas e denuncia-as aos linfócitos que gerenciam reações biológicas que destroem o invasor. Este conjunto de reações chama-se resposta imunológica e acontece todos os dias no corpo! No caso dos transplantes, esta reação se chama rejeição. A finalidade da reação imunológica é não deixar o corpo modificar-se depois do nascimento. Mas a reação acontece apenas contra as proteínas estranhas e que são apelidadas de antígenos.
Mas nem tudo que entra nos tecidos tem proteínas como os fios de sutura, parafusos, placas metálicas, plásticos, válvulas, silicone, projéteis e marca-passos. Eles não tem proteínas e não induzem a resposta imunológica. Nossos macrófagos e linfócitos não foram programados para considerá-los antígenos, mas eles continuam sendo estranhos! Por isto este tipo de material é chamado de corpo estranho.
Quando estes materiais entram no corpo logo é circundado por uma população de macrófagos que tenta fagocitá-los e não conseguem, não foram treinados para isto. Mas não desistem e insistem. Para isolar do resto do organismo, os macrófagos pedem para os fibroblastos produzirem colágeno ao redor do corpo estranho: forma-se uma cápsula fibrosa! Adoramos rotular e a este conjunto de macrófagos e cápsula fibrosa dá-se o nome de Granuloma de Corpo Estranho, uma inflamação crônica quase imperceptível.
Se o corpo estranho fica se movimentando ou tem uma certa toxidade, a cápsula fibrosa vai ficando mais espessa, densa e fibrosa. Se o corpo estranho não tem mobilidade e nem toxidade, a cápsula fica fininha e delicada. Se for um produto estável quimicamente pode passar despercebido o resto da vida, como os projéteis ou instrumentos operatórios fraturados. Se o material se degradar quimicamente com o tempo, o Granuloma de Corpo Estranho vai aumentando, espessando sua cápsula fibrosa.
Silicone muda e a reação também!
Quando se coloca uma prótese de silicone nos seios, com o tempo ela pode modificar e degradar-se. Com o tempo seus tecidos periféricos ficam gradativamente mais fibrosos, duros, inelásticos e deformados: uma cicatriz indesejável. Inicialmente ao redor de uma prótese de silicone forma-se um Granuloma de Corpo Estranho bem delicado, pouco celularizado e fibroso, bem macio. O material com estabilidade química e estrutural desde o início pode prolongar o tempo de uso. As próteses de seio de silicone não devem ser consideradas permanentes, como alertou nos últimos dias o escritório estadunidense que controla os alimentos e drogas ou FDA. De cada 5 mulheres com próteses de silicone no seio, 1 deverá trocá-las em até 10 anos.
O Granuloma de Corpo Estranho é uma inflamação, uma reação do organismo a algo que não é antígeno, mas sim corpo estranho por não ter proteína em sua composição. Esta reação não tem nada a ver com a origem e formação de neoplasias malignas ou câncer; as pesquisas não revelaram evidências na relação entre silicone e câncer.
Em síntese: os materiais diferentes que entram em nosso corpo podem ser chamados de antígenos se tiverem proteínas estranhas e de corpo estranho se estiverem livre delas na sua composição. Mas o homem tem uma capacidade e criatividade ilimitada e acabou descobrindo materiais que o organismo não encara nem como antígeno e nem como corpo estranho: são chamados de materiais inertes.
Os materiais inertes, quando colocados no interior do corpo, se integram estrutural e bioquimicamente com as células e tecidos como se fizessem parte deles. Um exemplo disto ocorre com os implantes dentários de titânio no osso, um processo conhecido como osseointegração, mas não é o que ocorre com as próteses de silicone que atuam como corpos estranhos nos tecidos, sem se integrarem a eles! Quem sabe um dia descobriremos um produto integrável com os tecidos da mama, mas ainda não chegamos lá!
Alberto Consolaro é professor titular da USP - Bauru. Escreve todas as segundas-feiras no JC. Email: consolaro@uol.com.br