24 de dezembro de 2025
Geral

Quadras numeradas ?desnorteiam? GPS

Luiz Beltramin
| Tempo de leitura: 8 min

Alguns aparelhos de GPS automotivo andam meio "desnorteados" em Bauru. Segundo usuários do sistema de posicionamento via-satélite na cidade, o equipamento, pelo fato de não reconhecer o sistema de endereçamento numérico também das quadras, teria a exatidão das informações comprometida e, nem sempre, apontaria corretamente os destinos e rotas traçadas.

Mesmo não sendo o único município a adotar sistema de endereçamento fora do padrão convencional de números corridos ? a vizinha Pederneiras, Rio Claro, além de Brasília (DF), com superquadras e eixos nomeados pelos pontos cardeais, são alguns outros exemplos ? Bauru apresentaria o diferencial do hífen entre os algarismos, o que confundiria não apenas o GPS mas outros meios eletrônicos.

Representante comercial no ramo de informática e morador de Itapu, Décio Manoel Ferraz afirma enfrentar algumas dificuldades de navegação no equipamento instalado em seu automóvel quando precisa trabalhar em Bauru. Segundo ele, o sistema de catálogo eletrônico de logradouros não reconhece o sistema "quadra-número". "Já testei três navegadores (softwares dos navegadores) diferentes e nenhum reconhece", aponta.

Décio trabalha justamente com atualização de sistemas de navegação via-satétlite, mas afirma que não se pode confiar cegamente na "bússola eletrônica", ao menos nos limites de Bauru. "Uma vez testei o sistema tentando um endereço no início da Rodrigues Alves (próximo ao trevo com rodovia Bauru-Jaú) e o sistema me indicava um local do outro lado da cidade", observa.

Engenheiro mecânico e consultor automotivo, o empresário Marcos Camerini também reprova os apontamentos do GPS na cidade. Segundo ele, a diferença média constatada entre a localização real e o indicado no visor de LCD instalado nos automóveis varia entre cinquenta e oitenta metros, quase que o comprimento de um quarteirão.

Segundo ele, isso acontece porque, além do equipamento não reconhecer a diferenciação, apontada pelo hífen nos endereços bauruenses, entre os quarteirões e numeral das residências, em muitas cidades do interior, as localidades não estão mapeadas pelos programas instalados nos aparelhos, mas apenas referenciadas.


Informação

Ou seja, de acordo com Marcos Camerini, não há falhas nos satélites em si, mas, na verdade, nos mapas virtuais. "São Paulo, por exemplo, está totalmente mapeada e você consegue navegar com maior tranquilidade e confiança. Já no interior, há essa dificuldade. O sistema não reconhece vias na contramão, por exemplo", ilustra. "A informação que chega do satélite, em alguns casos, não cruza com o gráfico no monitor", completa.

O engenheiro, que usa três navegadores de GPS diferentes, um deles inclusive na motocicleta pilotada para trabalhar diariamente, é categórico ao afirmar que o desencontro de informações no sistema eletrônico é por conta somente dos softwares, já que a captação do sinal que chega do satélite na cidade é perfeita. Alguns mapas, conforme outros usuários do sistema, "ignoram" a existência de ruas e avenidas recentes. Até mesmo a imponente Nações Norte, inaugurada há menos de dois meses, passa batido em certas ocasiões.

Contudo, apesar da navegação na cidade ser referenciada ? conforme coordenadas estabelecidas em determinados pontos da cidade ? e não mapeada, explica o consultor automotivo, o grande ponto de interrogação na hora de cadastrar um endereço para ser encontrado no GPS é mesmo o quarteirão numerado. "Isso complica muito", considera. "Anda mais com as quadras de tamanhos diferentes. Ao digitarmos, por exemplo, o endereço 40-28, o equipamento ?entende? 4028", ilustra.

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Aparelho pode ser calibrado na ?raça?

Principalmente para quem não tem intimidade com os caminhos bauruenses, o ideal é calibrar o GPS na "raça", ou seja, deixar o aparelho em sintonia afinada com os pontos geodésicos da cidade.

Da mesma forma com que muitos outros municípios brasileiros, Bauru também possui pontos com coordenadas oficiais, devidamente aferidas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Muitas vezes despercebidos, até mesmo pela correria cotidiana, esses marcos são sinalizados por discretas taxas metálicas douradas, a maioria fixada no chão. Esses pontos, apesar de antigos e totalmente analógicos, explica Adelmo Bertussi, assessor técnico da Divisão de Projetos Viários da Secretaria Municipal de Planejamento (Seplan), servem como guia exato na hora de calibrar um equipamento digital. "Muita gente vem calibrar o GPS conosco", comenta, sobre um dos pontos de coordenadas, situado bem abaixo do prédio da prefeitura.

Essa calibragem manual dos equipamentos, informa Adelmo, segue as coordenadas registradas na Base Cartográfica de Referência Cadastral. O documento, que reúne latitude, longitude, entre outras unidades de aferição, serve como parâmetro para reparos e novos projetos viários na cidade, acrescenta o assessor técnico.

Outros marcos geodésicos ? ao todo são cinquenta em toda zona urbana ?, salienta Bertussi, estão fixados num dos viadutos da rodovia Marechal Rondon sobre a avenida Nações Unidas e nas imediações do terminal rodoviário. "Muita gente não sabe para o que servem as placas metálicas e arrancam os marcadores", lamenta o assessor técnico da Seplan.

O "faro" e conhecimento do terreno, ao menos no interior, ainda continuam sendo as melhores formas de se deslocar principalmente para quem a rapidez é chave na conclusão de um trabalho.

É o caso de policiais. Apesar de, na capital, as viaturas da Polícia Militar serem equipadas com o GPS, em cidades do interior, Bauru é uma delas, apenas parte da frota conta com o equipamento, mesmo assim, ainda considerado de relevância secundária, material de apoio, durante as diligências.

Segundo o tenente Eduardo Henrique Alferes, comandante da Base de Trânsito da PM na cidade, a maioria das viaturas equipadas com o sistema de mapeamento por satélite, em Bauru, possui o aparelho por meio de doações. "O uso do GPS nos carros ainda não é institucionalizado", comenta o policial, especificamente sobre as viaturas na cidade.

Como usuário particular, em seu automóvel, entretanto, o oficial tem uma opinião bem definida sobre o desnorteamento dos aparelhos de GPS com relação às quadras numeradas de Bauru. "O equipamento por satélite está correto. Errada está essa numeração de quadras e ruas", avalia.

Numeração antiga


Faz tempo que o sistema de localização de endereços em Bauru se dá por conta de quadras e logradouros numerados. Contudo, nem sempre foi assim.

Até 1925, lembra o memorialista e pesquisador Gabriel Ruiz Peregrina, os quarteirões em Bauru não tinham números, apenas as edificações. "Quando nasci, em 1921, a casa onde morava era o número 35 da Araújo Leite, e só. Só anos depois que o endereço ganhou o "sete", por causa da quadra", esbanja memória, aos 90 anos. O sistema atual, que designa endereços pares no lado direito e o oposto no lado esquerdo das ruas, acrescenta o pesquisador, é fruto de um decreto do prefeito Eduardo Vergueiro de Lourena e entrou em vigor a partir de 1926. A justificativa, arrisca o memorialista, seria em virtude da impossibilidade de numerar terrenos intercalados entre edificações, com números em ordem pré-estabelecida.

Autora do livro "As Ruas de Bauru", a historiadora Márcia Navas Sobreira aponta que a mudança no sistema de endereçamento da cidade chegou a ser noticiado em matéria de utilidade pública do extinto jornal "Diário da Noroeste". "A mudança foi oficializada em 1925 mas entrou em vigor no ano seguinte", completa.

Conforme os estudiosos, o número das edificações corresponderia, ao menos em tese, exatamente, à metragem restante para o final de um quarteirão. Essa medida, valeria da porta de entrada do imóvel até a dobra da esquina.

Google


Leitores do JC flagraram, semana retrasada, uma viatura com plotagens do Google Street View, serviço de mapeamento de ruas através de fotografias em "primeira pessoa" e com possibilidade de vista em 360 graus.

Após clicar no ícone de um homenzinho ao lado do mapa e arrastá-lo ao ponto desejado, é possível visualizar diversos pontos com muitos detalhes e até mesmo fazer um "tour" virtual.

Semana passada, por meio de nota, a assessoria de imprensa do Google confirmou a presença da equipe na cidade. Contudo, ainda não há um prazo definido para a disponibilização das imagens de Bauru nesta ferramenta.

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Endereçamento é raro, mas não único


A maioria dos endereços brasileiros segue o mesmo padrão com nomenclaturas para ruas, avenidas ou alamedas e respectivos números. No entanto, a exemplo de Bauru, onde, além dos imóveis, as quadras também recebem numeral, outros municípios se diferenciam.

Um dos exemplos mais emblemáticos é o de Brasília. Dividida por quadras, superquadras, eixos e asas (sul e norte), a Capital Federal é um desafio, em termos de localização, para quem não está enquadrado à organização do sistema viário do Plano Piloto, que não possui ruas especificadas, mas apenas quadras, assim como não há edifícios individualizados, somente blocos.

Recentemente, essa peculiaridade no endereçamento rendeu até mesmo piada na Internet. Ao tentar explicar para um atendente de call center que o endereço era Superquadra Norte (SQN) número "x", um cliente, sem querer, confundiu ainda mais o rapaz do outro lado da linha.

Para simplificar tentar o processo, já que o atendente não compreendia o sistema, mesmo após 15 minutos de conversa, o morador do Distrito Federal utilizou palavras para com as iniciais SQN.

Desta forma, a conta do celular, que ainda chegou à residência do cliente, por conta do CEP correto, com o "endereço" "Super Queijo Nada", número tal. "Normalmente a gente passa muita raiva com esses atendimentos de call center. Eles finalmente me proporcionaram um momento de alegria", descontrai, em declaração ao jornal O Globo.

No Estado de São Paulo, ao menos outras duas cidades também apresentam sistema de endereçamento fora do convencional. A vizinha Pederneiras conta com letras antes dos números dos logradouros em alguns casos. No caso da prefeitura da cidade, por exemplo, a localização é rua Siqueira Campos S-14.

As quadras também recebem numeração em Rio Claro. O município, na região de Campinas, apresenta o que talvez seja um dos sistemas mais curiosos ? senão confuso para visitantes ? com a maioria das ruas numeradas, sem os nomes convencionais.