20 de dezembro de 2025
Tribuna do Leitor

Ateus, religiosos, violência...


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Não raro ouvimos pregadores religiosos tentando nos fazer crer que a falta de religião torna o homem mais individualista e menos solidário com seus semelhantes. Ainda segundo essa vertente de pregação, o homem que "não tem a quem temer" se torna ou é mais propenso à prática de crimes e violência. O pregador que assim procede nos dá o direito de considerar a hipótese de sua intenção de vender seu peixe de qualquer maneira, ainda que de forma enganosa.

Há também aqueles que asseveram ser a prática religiosa a única fonte de moralidade e aprendizado de boa conduta a serviço do homem. Definitivamente não é. Existe alguma estatística séria e imparcial dando conta que nos países onde há prática religiosa mais intensa a violência é menor, em contraste com a violência maior que grassa em países com população de maioria não religiosa ? Estatísticas sérias podem dizer o contrário. Tomemos como exemplo os países escandinavos, sobejamente conhecidos pela sua igualdade social, onde pobreza e analfabetismo são quase que inexistentes. Alguém já ouviu dizer que nesses países, onde a relação com igrejas é menor que no Brasil, a população carcerária é enorme e que criminalidade e violência são preocupações mais urgentes de seus governantes? e a corrupção na política nesses países? Poderíamos até nos orgulhar dos nossos políticos se eles fossem apenas dez vezes mais corruptos do que o norueguês, por exemplo.

Então, estão enganados ou tentando enganar, empregando argumento falacioso, aqueles que apregoam ou sugerem estar o homem dividido em duas partes: o bom, que pratica religião, e o mau, que não vai à igreja. Se pensamentos como esse encontrassem um mínimo de corroboração na vida prática, mesmo com equidade e justiça social, Suécia, Noruega e Dinamarca estariam em apuros com o avanço das maltas nas ruas, e precisariam de mais polícia e penitenciárias nos programas de governo. Isso quer dizer o quê, afinal ? Que o ateu é bom e o religioso é mau? Não. Claro que não. Isso quer dizer que o ateísmo se mostra mais presente nos países mais desenvolvidos, e que, sendo humanamente desenvolvidos, suas populações são mais esclarecidas, mais amadurecidas sociologicamente e por conseguinte têm menos motivos para cometer crimes, mormente aqueles de motivação socioeconômica. Então, afastamento da religião e diminuição dos níveis de criminalidade e violência são consequências distintas entre si da igualdade e harmonia social alcançadas num país, e não causas. Se realmente existe aquele que comete crimes por não ter Deus no coração ou por "não ter a quem temer", de igual modo é público e notório o personagem dado a desvios de conduta repetidos justamente por ver embasamento religioso em tudo o que faz e confiar na misericórdia de Deus, que sempre perdoa suas renitentes fraquezas.

Recorrendo a uma metáfora futebolística, esse tipo de religioso acha que o culto semanal serve para zerar os cartões amarelos e vermelhos recebidos durante a semana. Antes que me respondam com argumento enganoso, Adolf Hitler era religioso, apesar de alguns, de forma desonesta, tentarem colocá-lo como ateu. Há trecho no Mein Kampf em que ele se diz "a serviço do senhor, do criador". Stalin se declarou ateu depois de deixar a igreja ortodoxa georgiana. O primeiro queria disseminar o nazismo e o ódio a judeus e negros. O segundo ajudou a aniquilá-lo. Benito Mussolini era católico. Pol Pot era ateu. Os quatro foram genocidas. Mussolini numa escala menor, mas foi. George W. Bush, que sempre tinha Deus nos seus discursos, enterrou mais de três trilhões de dólares no Iraque e no Afeganistão com o propósito de se apoderar do petróleo dos " terroristas". Poderia ter gasto a metade disso em saneamento básico nas Américas, ou para conter o avanço da aids nos países africanos assolados pela fome e miséria. Deus ficaria contente com isso. Não consta que alguma igreja acionista de bancos europeus e de multinacionais pratique filantropia na mesma dimensão de Bill Gates, Warren Bufett e George Soros.

Nenhum deles é praticante de religião. Os dois primeiros se definem como agnósticos e Soros é ateu declarado; restando então enganoso vincular descrença em Deus a egoísmo. Conclusão: más fadas em todas as plagas há. Existe religioso bom e religioso mau. De igual modo existe ateu bom e ateu mau. A diferença entre o ateu bom e o religioso bom, dependendo este de que tipo, é que o ateu bom assim é porque tem consciência de que assim deve ser. E gosta de ser assim. Não está pagando promessa sendo assim. E não é bom e justo insuflado por promessa de céu ou intimidado por ameaça de inferno.

Sidnei Rodrigues