A palavra mais citada da última semana foi "dosimetria". Procurei no Houaiss, no Aurélio e no Aulete e só encontrei que o vocábulo serve para nomear o conjunto de técnicas para medição de doses de radiação a que um organismo foi exposto. É um termo utilizado em Física. Nada que designe o uso metafórico de "dosimetria" para designar o ato de especificar a pena de um condenado. Enfim, um fulgurante exemplar do juridiquês, adotado com fervor em todas as coberturas jornalísticas. É só um sinônimo metido a besta de dosagem ou dosamento. Se os dicionários não dão conta dos jargões, ao grande público só resta a orfandade com a morte do "pai dos burros". O ministro Ricardo Lewandowski afirmou que a linguagem jurídica tomou o termo emprestado da Medicina. "É como se fosse a dose de um remédio". E completou: "Tem que seguir uma técnica, como aqueles farmacêuticos que aviam uma receita". Entendi. Se o farmacêutico errar o cliente vira um "de cujus", isto é, morre e deixa bens a inventariar. Surpreendi-me ao saber que o vocábulo dosimetria vem de longe. Machado de Assis, numa crônica de 1883 já fazia troça do que ele chamava de "nova religião", ao escrever: "Se a dosimetria quer dizer que os remédios dados em doses exatas e puras curam melhor ou mais radicalmente, ou mais depressa, é, na verdade, grande crueza privar os restantes enfermos de tão excelso benefício".
O melhor dessa história é que os 25 condenados por corrupção ativa e passiva, por lavagem de dinheiro e formação de quadrilha estão sendo punidos com dosimetrias a altura dos crimes cometidos. Também não importa mais a discussão se o ex-ministro José Dirceu chefiou uma quadrilha ou apenas um grupo reunido para azeitar a base política do governo mediante propinas do caixa 2. No dicionário está escrito: "quadrilha = bando de malfeitores, súcia, corja". Razão não falta ao decano do STF: "Este processo criminal revela a face sombria daqueles que, no controle do aparelho do Estado, transformaram a cultura da transgressão em prática ordinária e desonesta de poder, como se o exercício das instituições da República pudesse ser degredado a uma função de mera satisfação instrumental de interesses governamentais e de desígnios pessoais". O que o povo quer saber daqui para frente é quem cumprirá a sentença em regime fechado, em semiaberto ou em liberdade, devido a atenuantes previstos na legislação penal. Quem espera severidade com todos os réus, temendo que o contrário possa significar impunidade, deve levar em conta que as leis precisam ser observadas. A longa espera de sete anos, desde a divulgação dos fatos envolvendo o mensalão até o julgamento, chegou a fomentar reações de pessimismo quanto à possível punição dos denunciados. A postura do Supremo já reverteu essa expectativa e mostrou ao país que o caso em exame ficará na história do Judiciário, pelo ineditismo, pelo prestígio dos acusados e, sobretudo pelas penas legitimamente aplicadas. Até o ministro Lewandowiski, criticado por parte da Opinião Pública tem um papel importante na balança da Justiça. A ação penal 470 chega ao fim sem concessão aos justiceiros e aos que torciam pela impunidade, e sim com réus julgados com amplo direito de defesa. Os condenados, independentemente do tamanho das penas ou de irem ou não para a cadeia, sofrerão as consequências do julgamento em suas carreiras políticas e profissionais, em suas rotinas e no próprio bolso. Justiça não é vingança. É instrumento pedagógico de equilíbrio e de transformação do indivíduo e da sociedade. É a arte de dar a cada um o que é seu, como diziam os romanos.
Nem sempre foi assim, o que justifica o clamor popular. O STF arquivou o processo contra o ex-presidente Fernando Collor. Até hoje ninguém entendeu como um presidente alijado do Poder pelo "impeachment" pode ser absolvido. Voltando à nomenclatura, o "descoco é insigne", como alertou na ocasião o ex-ministro Paulo Brossard. Traduzindo: a falta de senso (cabeça) é notável. O mesmo ele diria do fato do ex-presidente Lula rotular o mesalão de farsa. Em qualquer circunstância, tenho o nítido sentimento de que o Brasil sai radicalmente transformado desse episódio. Estamos exorcizando o passado e pavimentando o futuro desta nação com valores éticos há muito presentes no espírito da lei, mas, talvez ainda obscurecidos ou ausentes de nossa consciência coletiva.
O autor, Zarcillo Barbosa, é jornalista e articulista do JC