20 de dezembro de 2025
Ser

?O humor é companheiro da inteligência?


| Tempo de leitura: 7 min

Conhecida por personagens marcantes na TV como Rachel, de "Sol de Verão"; Leonora Lammar, de "Sassaricando"; Katina, de "Belíssima"; e Clô, de "Passione"; Irene Ravache mais uma vez dá um show de interpretação, desta vez na pele de Charlô, em "Guerra dos Sexos".

Para a atriz, é uma grande realização poder fazer um papel que pertenceu a Fernanda Montenegro e ainda ter o humor como base para o trabalho.

Outro grande prazer, segundo ela, é contracenar com Tony Ramos, colega que conheceu ainda solteiro, na extinta TV Tupi. Com 68 anos de idade e muita história para contar, Irene Ravache diz que adora atuar porque permite que se faça um verdadeiro inventário da alma humana.

As cenas da novela tem mostrado uma Charlô bem aventureira...

Irene Ravache - Nunca vivi isso em nenhuma outra personagem. Não que eu me lembre. Mas não mudou meu trabalho, não precisei fazer ou aprender nada de novo em relação a isso. E nem teria como. Aos 68 anos, como eu ia me aventurar desse jeito? O clima da novela é muito bom. O Jorginho (Jorge Fernando, diretor) conseguiu pegar as equipes técnica e artística e dar um norte. E nos motivar para que fizéssemos o nosso trabalho da forma mais objetiva e coesa que se possa ter. O trabalho tem corrido muito bem, nesse clima de amizade e descontração mesmo.

"Guerra dos Sexos" traz à tona o conflito entre homens e mulheres no campo de trabalho. Você acredita que ainda hoje há esse preconceito?

Irene Ravache - As mulheres continuam na sua luta. Hoje esses casos onde temos mulheres como presidentes de países são minoria. Se você considerar o nosso próprio país, onde mulheres ainda são assassinadas por lutarem por um pouco de independência, isso reafirma que existe, sim, um preconceito grande. Se você sai do eixo Rio-São Paulo ou de outra capital, as mulheres ainda estão em segundo, terceiro, quinto plano. Elas têm de brigar (e bastante). Não é só no âmbito profissional. Em muitas cidades brasileiras as mulheres não têm os mesmos salários que os homens, mesmo desempenhando funções iguais. Em muitos lugares, o homem fala pela mulher, escolhe por ela. Hoje, é vendida uma imagem da mulher aparentemente de liberdade, mas isso é ao contrário, é uma prisão em retrocesso.

Você já se sentiu inferior a um homem na profissão? E financeiramente?

Irene Ravache - Sim, mesmo na nossa profissão. E estamos falando de uma área que tem uma vantagem muito grande: os papéis femininos são feitos por mulheres. A não ser em casos excepcionais, onde propositalmente o papel foi criado para ser feito por um homem. Mas não é por se tratar da classe artística que a coisa funcione de outra forma. Isso já diminuiu bastante, mas não sumiu. Eu aprendi que se você quiser, depende muito do seu olho. Eu já vi vários programas de humor, como o "Casseta & Planeta", que fazia uma sátira social e política muito grande. Agora, só via aquilo como comédia quem queria.

Por falar em trabalho, como é voltar a trabalhar com Tony Ramos?

Irene Ravache - Conheci o Tony quando ele ainda era solteiro. Trabalhamos juntos na TV Tupi, somos amigos há muitos anos. Meu marido e a esposa dele são amigos também. É claro que isso é facilitador. E temos também o mesmo tipo de humor.

É inevitável a comparação da sua Charlô com a da Fernanda Montenegro?

Irene Ravache - A comparação é inevitável. Esse papel foi feito pela maior atriz do Brasil. A Fernanda é minha amiga e me sinto abençoada por ter sido escolhida dessa vez. A comparação é inevitável, mas ela existe em tudo. A gente só sabe mesmo quando se abre a cortina. Tem sido comum a TV Globo trazer ao ar remakes de novelas consagradas.

Você gosta de participar de tramas que já tiveram grande sucesso anteriormente? Isso torna o trabalho mais desafiador?

Irene Ravache - O lance é que é uma boa novela, uma boa história. E que muita gente nem viu. Tem gente que não sabe, nem ouviu falar porque na época era muito criança. A Luana Piovani era uma menina e via com a mãe, por exemplo. Acho que uma boa história merece ser contada e recontada. Assim como uma má história deveria ser retirada depois do segundo mês.

Ainda falando sobre o remake, tem alguma novela que você gostaria de rever ou então refazer na TV?

Irene Ravache - "Brega & Chique" era uma novela que eu gostaria muito de rever. "Sol de Verão" eu fiz e também queria rever. Estou amando assistir novamente no canal Viva "Que Rei Sou Eu?". "Saramandaia" também vem aí. Fico imaginando o que vai ser "Saramandaia" com as técnicas que temos hoje. E eu fiz uma novela que, depois, foi remake, que foi "A Viagem", com Eva Wilma e Tony Ramos. E foi refeita lindamente. É muito bom quando você vai trabalhando com companheiros de longa caminhada. Mas não só atores como técnicos também. Sou produtora de teatro e durante muitos anos trabalhei com a mesma equipe. Você vai aprendendo a conhecer bem as pessoas. O Tony usa um bigode e, às vezes, pinta o bigode. O que é muito legal na novela é que existem situações que são quase ingênuas. O telespectador vai sacar antes dos personagens. Isso faz parte de um ingrediente dramático da comédia e é fantástico quando o telespectador vai saboreando antes.

Você é o tipo de atriz que gosta de fazer personagens voltados para a comédia?

Irene Ravache - O humor já me salvou em várias ocasiões na minha vida. Ele é uma arma, não adianta forçar. Então, eu não tenho vocação para a amargura ou grandes dramas na minha vida pessoal. E não quer dizer que não aconteçam. Mas quando aconteceram, entendi que eram para acontecer mesmo. Era a parte que me cabia nesse latifúndio. O humor é companheiro da inteligência. O humor salva. Não é algo que eu busquei, mas que eu herdei. Venho de uma família assim, divertida. Tenho muito espaço para gargalhada em casa.

Há alguns anos você vem se dedicando um pouco mais à TV. Estava sentindo falta de incluir mais novelas na carreira?

Irene Ravache - Pude me dedicar mais, pude aceitar um contrato. Antes eu não poderia, por conta dos meus compromissos como produtora, como atriz e como diretora de teatro. E eu ficava muitos anos em cartaz. Quatro com uma peça, três com outra... E viajando pelo País. Não dava para me comprometer com TV. Não tenho a menor dúvida de que a minha trajetória em teatro é o meu xodó, meu tudo! Fiz o que deveria ser feito, não me arrependo de nada. Eu acho que as pessoas foram muito gentis comigo. Carinhosas e gentis. A abordagem deles, dos fãs, sempre veio muito naturalmente.

Então você tem um carinho especial pelo seu público?

Irene Ravache - Claro! É muito bonita a forma como o público vem. E eu continuo fazendo as minhas coisas. Como ir ao supermercado, por exemplo. E não estou falando em mercado chique, eu vou a supermercado popular mesmo. Então, acho que isso facilita também o contato. Uma vez ouvi algo bonito de uma mulher. Ela disse que eu era uma delas que deu certo. E eu respondi que elas também deram certo, eu só fiquei conhecida. Mas sou muito grata a todos que me antecederam nessa profissão com a garantia de que era uma profissão tão abençoada e bonita. Muitos olham só o lado glamouroso e fútil, mas é uma profissão que permite você fazer um inventário da alma humana.

Aos 68 anos, de que forma lida com a vaidade? Procura sempre pelas novidades no mundo da estética?

Irene Ravache - A vaidade não mexe comigo. Se mexesse, eu teria mudado. Continuo clássica. Na verdade, sou preguiçosa para me produzir. Mas mexe no sentido de que é gostoso estar no meio de coisas bonitas e de qualidade. Talvez eu agora esteja prestando um pouco mais de atenção... Mas não é por causa da personagem, é que estou com 68 anos. Não posso me dar ao luxo de sair tão de cara lavada. Tenho procurado me arrumar um pouco mais.