Um médico arrojado e militante da saúde pública, essas são apenas duas das facetas do cirurgião Arnaldo Prado Curvêllo, que comemoraria seu centenário no último dia 16. Apaixonado pela vida e por salvá-las, doutor Arnaldo morreu aos 87 anos e só deixou de exercer a medicina pouco tempo antes de partir.
Aos 80, por exemplo, foi elevado a cirurgião emérito pelo Colégio Brasileiro de Cirurgiões (CBC), que reúne apenas 25% dos profissionais especialistas no país, o título foi concedido pela contribuição no progresso e desenvolvimento da cirurgia no Brasil.
E que contribuição.... Ao longo de 50 anos de medicina, Arnaldo Prado Curvêllo realizou mais de 6 mil cirurgias. A prova documental está nos arquivos do médico que encontram-se depositados sob guarda judicial, na Unigastro. Nesta conta expressiva não estão inclusos os partos, que também devem possuir estatística semelhante.
Sua atuação também lhe fez fellow do Colégio Internacional de Cirurgiões.
Hoje, o Hospital Estadual leva o seu nome, bem como a avenida do Hospital Unimed. Reconhecimento pela sua trajetória. Se Bauru é referência na saúde, essa trajetória se funde com a vida e o trabalho deste homem, que liderou a transformação da então Santa Casa para o Hospital de Base ou Hospital Regional de Bauru, onde por mais de 10 anos foi diretor clínico. Em 1954, inaugurou o prédio que conhecemos hoje.
Companheiro de jornada, o médico e ex-deputado Abrahim Dabus lembra-se de que recém-formado foi acolhido por Curvêllo.
“Cheguei aqui em 50, tinha acabado de me formar no Rio de Janeiro e tive o privilégio de me identificar com o doutor Arnaldo”, conta o médico que durante décadas integrou a equipe de Curvêllo como seu primeiro auxiliar.
Juntos fizeram a primeira cirurgia cardíaca de válvula mitral na cidade, numa época em que não existia UTI, nem exames precisos como ultrassom. Eles inseriram a cidade na vanguarda das cirurgias de grande porte.
“A gente tinha um espírito muito diferente para a época. Não deixava de estudar, de fazer cursos. O Arnaldo trazia muitos cirurgiões para cá, promovia eventos. Nossa equipe realizava um volume muito expressivo de procedimentos, atendia toda a região.”
Política médica
Segundo doutor Abrahim, a verdade sempre presente era o norte do companheiro. “Tenho uma lembrança muito nítida de muitas vezes em que o Arnaldo foi questionado e jamais teve alteração em sua maneira de ser. Era uma época complicada na política médica e ele era sempre muito visado, por sempre estar em evidência”, recorda-se.
Na definição do amigo e chefe de equipe, que inclusive foi seu padrinho de casamento, Dabus revela que Curvêllo era uma pessoa que colocava em prática o conceito de rigidez, exigente ao extremo e um crítico excelente. “Era um personagem que gostava de mostrar autoridade naquilo que o desafiava.”
As divergências políticas também existiram e muitos julgavam contraditória a maneira desses jovens médicos atuarem.
“Nós tínhamos presença maciça nas coisas da cidade, nos aspectos da saúde e no norte das ações, seja de atribuições primárias ou secundárias. Quando se tem um organograma bem feito e eficaz controla-se os problemas, trabalha-se na prevenção. Apesar de não termos tantos leitos para a época, não havia falta de vagas”, enumera o médico, que salienta que mesmo não existindo o conceito moderno de unidade de terapia intensiva, já naquela época eles tinham um setor de pronto-socorro e instrumentação que atendia às demandas.
Aos 87 anos e encomendando também uma matéria sobre o seu centenário, Abrahim Dabus resume: “Não foi tão desastroso não. Nós tivemos sucesso em muitos desafios além do nosso alcance. Foi um privilégio ser parceiro do doutor Arnaldo Prado Curvêllo”.
Netos seguem caminho das cirurgias
O legado do dr. Arnaldo Curvêllo, que nasceu em Jaú e estudou medicina na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, vai além do seu pioneirismo. Sob sua batuta e inspiração, duas gerações de cirurgiões se formaram.
A primeira formada por seu filho Valter Luiz Prado Curvêllo (1945 – 2010), cirurgião plástico e responsável pela criação da primeira unidade de queimados da cidade, e por seu genro Márcio Matheus Tolentino, gastroenterologista, que teve a oportunidade de trabalhar com o sogro.
“Ele teve uma presença médica muito importante na cidade e como cirurgião tinha uma habilidade impressionante”, comenta o médico, casado com a psicóloga Vânia Curvêllo Tolentino, filha do doutor Arnaldo e da dona Dely.
Neste universo de profissionais da saúde, não seria difícil os netos também seguirem os passos dos pais e do avô.
Filho de Valter e Purita, Victor Soares de Rapyo Prado Curvêllo é cirurgião dentista e atua na capital paulista.
Já o filho de Márcio, Eduardo Curvêllo Tolentino é cirurgião gástrico, atua em Bauru e tem ótimas recordações do avô.
“Tecnicamente não vivi o auge profissional do meu avô, mas ouço muito no meu consultório: ‘Fui paciente do seu avô, ele era ótimo!’, ‘Ele me salvou’, ‘Foi seu avó quem fez o meu parto!’, ‘Devo a vida a ele!’”, comenta com um tom de saudade e emenda que quando entrou na faculdade em 1991, o avô com 78 anos ainda estava na ativa.
Doutor Arnaldo morreu quando Eduardo fazia o 3º ano de residência médica, mas o neto teve tempo e o privilégio de assistir uma cirurgia realizada conjuntamente pelo avô e seu pai.
Eduardo admite que o assunto hospital e o ambiente médico em família, com certeza, o influenciaram na escolha da profissão.
“O assunto nos almoços de fim de semana giravam em torno da medicina. Imagina uma mesa com três cirurgiões! Pai, avô e tio! Devia ter briga ou escala para ver quem ia fatiar o pernil, o tender do Natal”, diverte-se numa gargalhada.
Como o avô, Tolentino também já presidiu a regional da APM e se orgulha dos títulos que doutor Arnaldo conquistou. “São titulações que poucos conseguem. Ele foi especialista num tempo em que não existiam especialidades e foi reconhecido internacionalmente pelas suas atividades.”
Contudo, a recordação mais motivadora e carinhosa data de quando o avô não mais exercia a medicina, quer dizer, não operava, nem clinicava.
“Ele estava aposentado, com 86 anos, recebia as revistas médicas e devorava. Quando eu chegava na casa dele, me mostrava o exemplar novinho, dizia que já tinha lido tudo e começava a discorrer sobre cada tema, tudo o que ele queria era discutir. Era muito bacana.”
Do plantão aos bailes, do bisturi às associações
Não era apenas uma agenda médica lotada de consultas, partos e cirurgias que pautava a vida de Arnaldo Curvêllo.
Segundo, a família, os historiadores e os contemporâneos, o médico era engajado e gostava de uma vida social agitada.
No âmbito médico, ele foi membro do Cremesp (Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo) e militou com sucesso para que Bauru tivesse um capítulo da APM (Associação Paulista de Medicina) e foi seu primeiro presidente. Também fundou a Unimed Bauru e o sistema de trabalho médico em cooperativa.
Como se não bastasse, também foi durante muitos anos presidente do Automóvel Clube e quando teve o companheiro Abrahim Dabus como secretário geral, autorizou o amigo a criar um departamento hipismo que com os direitos gerados deu origem à Sociedade Hípica de Bauru.
Curvêllo também gostava das comunicações e chegou a comprar uma emissora de rádio nos anos 50.