13 de dezembro de 2025
Regional

Anfíbio é um controlador de pragas

Rita de Cássia Cornélio
| Tempo de leitura: 8 min

Todo animal tem um papel importante na cadeia alimentar. O sapo é um dos maiores controladores de pragas e insetos além de ser um bio-indicador da qualidade do ambiente em que vive. Uma lagoa que tenha cinco mil anfíbios vocalizando durante uma única noite pode predar mais de 100 pernilongos, alguns deles transmissor da dengue.

Os anfíbios se alimentam basicamente de insetos. Algumas delas se alimentam de outros sapos. Todas as espécies são carnívoras. Na cadeia alimentar o sapo é o  predador e controlador da população de insetos.

Na direção inversa, os anfíbios também servem de presas para inúmeras espécies de peixes anfíbios, aves e mamíferos. Grande parte das serpentes se alimenta de sapos. “Tanto que nessa pesquisa encontramos mais de 80 jararacas. Onde tem sapo, tem jararaca. A jararaca jovem se alimenta exclusivamente de sapos.”

Segundo ele, o sapo não pode ser um controlador direto do Aedes aegypti. “Não seria uma saída direta pelos ambientes que os sapos vivem. Mas essa ligação direta não tem, porque poucas espécies de anfíbios habitam área urbana. São raríssimas espécies que se mantêm na área urbana porque geralmente são rios de pequeno porte ou estão poluídos. As lagoas são muito movimentadas. Na zona urbana há pouquíssimos animais.”

Um sapo cururu na periferia se alimenta principalmente de besouros, e não de pernilongos. “Essa espécie é a maior que a gente encontra nesse ambiente. Ele come besouros, não de pernilongos porque ele não se desloca muito. Não é possível fazer uma relação direta com a dengue. Num lago ao lado da zona urbana, onde tenha mil anfíbios vocalizando, eles estão colaborando no combate ao mosquito da dengue, predando muito pernilongo. É tudo o que podemos dizer.”

 

Sapo não gosta de noite de lua cheia

A iluminação artificial e as noites de lua cheia são um ‘martírio’ na vida dos anfíbios, explica o pesquisador. “Os animais evitam. Não é que faz mal. É que eles ficam muito vulneráveis à predação. Se tem uma coruja por perto, com iluminação artificial ela vai enxerga-lo mais facilmente do que num ambiente totalmente escuro”, segundo Fábio Maffei. 

Em noites de lua cheia, os anfíbios se escondem. “A gente encontra poucos animais em noites de lua cheia. Eles se tornam presas fáceis ficam suscetíveis a predação. Não querem ser vistos para não serem predados.”


Água é essencial para a sobrevivência

A maior parte das espécies de anfíbios vive na água ou depende dela para reprodução. “Podemos encontrar um animal numa árvore, porém dependem da água para reproduzir. Os ovos dos sapos são depositados na água e a pele dele é bem úmida, então depende de um local úmido não precisa necessariamente estar dentro da água. Ele estando próximo da água terá condições de manter sua pele úmida. Vale lembrar que ele respira através da pele.”

Algumas espécies da Amazônia e da Mata Atlântica do litoral não dependem diretamente da água, e sim do ambiente úmido. “Ele nasce cresce e vive na floresta. Aqui na região a gente tem ainda essas espécies dependentes de água.”

Onde tem sapo, tem água limpa, frisa Maffei. “É um bio-indicador de que a água é limpa, porque os sapos são muito sensíveis à poluição. Se tiver  contaminação de esgoto, dificilmente vai encontrar sapo, só se for uma espécie mais resistente. Dificilmente será encontrada a perereca vidro, uma espécie mais rara da região, porque ela depende de uma mata conservada de um riacho cristalino, um leito com fundo arenoso, uma correnteza leve , são vários fatores conduzindo o grupo indicador da qualidade ambiental.”


Anfíbios se defendem com veneno

Na região não existem sapos que possam causar algum mal ao ser humano, diferentemente dos animais que vivem na Amazônia, alerta Maffei. “Na Amazônia e na Colômbia existem espécies extremamente venenosas. O veneno pode entrar na corrente sanguínea através de alguma ferida ou pelas entranhas da unha. Não são peçonhentos como as serpentes.”

Nos animais pesquisados, quase todos tinham glândulas de veneno em cima do tímpano dele. “É uma defesa. Quando alguém aperta essa glândula, como se fosse uma espinha, ela estoura e sai o veneno. Ocorre muito com o cachorro. Ele morde o sapo e fica a boca toda espumando. Isso ocorre porque ele morde a cabeça do sapo e ali está a glândula de veneno. Não mata o cão e nem o ser humano. Causa irritação da mucosa, ou então se atingir a pele, uma coceira, mas nada de mais grave.”

O pesquisador confessa que certos cuidados não podem ser dispensados. “A gente manuseia esses animais a noite toda sem luva. Mas temos que o cuidado de não colocar a mão na boca, no olho, porque mesmo que não saia o veneno os animais possuem inúmeras bactérias que acabam irritando a nossa mucosa.”

Para aqueles que convivem com o sapo, Maffei orientar a lavar bem as mãos após manusear um animal. “Não é perigoso desde que certos cuidados sejam observados. Um dos motivos dos sapos serem mal vistos pela sociedade é que as pessoas acham que todos os sapos esguicham veneno. E quando urinam no olho do ser humano, podem cegá-lo. Na realidade, a primeira reação do sapo ao ser pego por um humano é urinar para fazer que a pessoa o solte.”

A urina dele é bem semelhante à do ser humano. “A urina vai provocar uma irritação no olho da pessoa, mas para que o sapo urine no olho do humano é preciso que ele saiba manusear o anfíbio. Tem que virar o rosto para não ser atingido pela urina”, ensina.


Coacho é instrumento de conquista

A voz do sapo é muito rouca e não tem melodia, semelhante a um grito curto. Mesmo assim é um instrumento de conquista, comenta Maffei. “O macho usa a vocalização para demarcar espaço ou avisar as fêmeas que ele está pronto para a reprodução. Na maioria das vezes, a vocalização é para atrair as fêmeas. É como se ele estivesse dizendo: sou o macho mais interessante dessa noite, venha reproduzir comigo.”

O sapo vocaliza a noite toda e a fêmea vai optar pelo macho que tenha a vocalização mais alta. “Por aquele que seja maior ou aquele que formou uma panela (ninho) mais interessante para ela depositar seus ovos. O sapo usa o poleiro mais alto para se mostrar para a fêmea. Durante a vocalização eles querem ficar em local a vista para que seja visto por aquela que ele quer conquistar.” 

Numa situação crítica, o sapo coacha para dizer adeus aos companheiros. “Quando uma serpente agarra a pata dele, ele vocaliza freneticamente para tentar assustar o predador e chamar a atenção dos demais da espécie. Eu observei que os demais olham e não agem. Também não têm muito a fazer.”

Cada espécie de sapo tem um coacho único. Através da vocalização dele é possível identificar qual o tipo que está ‘cantando’, explica o pesquisador. “Se eu chego numa lagoa tem 30 espécies vocalizando vou ter 30 vozes diferentes naquela noite. Já ocorreu, a gente chega lá  e sabe qual está cantando através da vocalização dele.” 

 

As fêmeas são mais bonitas

A aparência do sapo assusta. A pele rugosa, seca cheia de imperfeições para os leigos faz com que muita gente se afaste do animal. Maffei explica que o sapo é o mais repugnante que as pererecas. “Elas têm a pele bem mais lisa, mais úmida e medem no máximo 20 centímetros. O sapo de vida terrestre é aquele que tem a casca grossa. Ela não precisa estar tão úmida para ele sobreviver nesse ambiente. As pererecas e rãs possuem a pele é um pouco mais vistosa, brilhante, porque ela está sempre úmida porque vive mais próximo da água.”

Um dos sapos mais famosos, espécie que lembra um que tem na região, é um animal verde de olhos brancos com uma fenda vertical preta (a pupila). “Essa espécie é muito usada em comerciais de TV.”

A pesquisa também é uma maneira de desmistificar a péssima imagem que o sapo tem perante o ser humano. “As pessoas acham que o sapo é um animal asqueroso que esguicha veneno. Na verdade não. Muitas espécies são carismáticas. Nos comerciais são usados os animais vistosos, coloridos.”

 

Anfíbios estão em fase de declínio

Os anfíbios estão passando por uma fase de declínio. Um terço das espécies do mundo está desaparecendo. “Os motivos variam, são muitos. Um deles é um fungo que tem atacado, principalmente nas regiões da linha do Equador. Ele afeta a pele dos animais e vai dizimando as populações. Algumas espécies já foram extintas. Segundo os pesquisadores, o aquecimento global proporciona a proliferação desse fungo. A extinção de espécies está ocorrendo em função do clima, a destruição do habitat que a população humana vem causando nos ambientes.”

A reprodução dos sapos ocorre na estação chuvosa. Algumas espécies reproduzem duas vezes, mas a maioria delas reproduz apenas uma. “As espécies encontradas em Lençóis Paulista são bem ligadas ao verão. Precisam de chuva e calor. Põem até 10 mil ovos. A perereca vidro, muito encontrada na região, de 50 a 60 ovos. Uma média de 5% chega à fase adulta.”

Os fatores variam, explica o pesquisador. “Após a metamorfose de ovos para girino, eles são predados por peixes e insetos. De girino eles passam para imago, fase que são predados por aves, insetos, pequenos mamíferos, só então chegam à fase adulta. Para chegar a essa fase eles passam por vários estágios suscetíveis à predação. A espécie Proceratophrys moratoi é a espécie ameaçada de extinção.”