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No dia da Família, o desafio: como mantê-la unida |
Família: 1 - grupo de pessoas vivendo sob o mesmo teto (esp. o pai, a mãe e os filhos); 2 - grupo de pessoas que têm uma ancestralidade comum ou que provêm de um mesmo tronco; 3 - pessoas ligadas entre si pelo casamento e pela filiação ou pela adoção. A definição é do dicionário Houaiss, mas o real significado de família escapa e transcende a semântica e ganha um conceito subjetivo e único dependendo de quem o define. A própria noção de família vem sofrendo alterações. Assim, é presumível que valores e princípios também tenham acompanhado as mudanças sociais e tecnológicas e que novos parâmetros venham a reger o que se entende por família hoje. O que é e como ter uma família saudável, unida, capaz de ser o ponto de apoio e “porto seguro” diante das adversidades que o mundo apresenta? Valores tradicionais persistem como fator de união, mas é preciso flexibilidade, adaptação, confiança, diálogo para se adequar à nova realidade familiar e às mudanças que o núcleo familiar sofreu. Hoje é celebrado o Dia Nacional da Família e o Jornal da Cidade questiona o que é família hoje e quais valores permeiam as relações familiares.
“Os valores da família são fundamentais porque brotados do coração de Deus. Este sentido fundamental é justamente aquilo que Deus deu para cada um de nós. Deu o pai, a mãe, os filhos para que vivessem em família em uma felicidade, em uma participação e não apenas em uma discórdia, briga, que iria destruir a família. Portanto, a Igreja sempre está trabalhando sobre isso e nós de uma maneira particular trabalhamos já há 30 anos com a Pastoral da Família, para que a gente possa de fato ter esta certeza de que a família é a célula máter da sociedade.”
Monsenhor Almir José Cogiola, diretor espiritual do Encontro de Casais com Cristo, da Pastoral da Família da Diocese de Bauru
"Fora o fator Deus, que a gente sempre vai acreditar que é base de uma família sólida, a fé e a confiança em Deus, a gente acredita também que o que pode manter uma família unida é compromisso, lealdade, uma dose grande de entrega e saber que estar formando uma família vai requerer muito exemplo, amor extremo e renúncia. É uma somatória de amor, compromisso, fidelidade, lealdade, entrega, trabalho, isso é o que mantém a família. São estes valores que são passados para nossos filhos, nossos netos. Se você for procurar e ver pessoas que são desajustadas, aconteceu alguma coisa na estrutura familiar, o pai ou a mãe abandonou, ou os pais se entregaram ao trabalho e se esqueceram dos filhos, visaram a carreira e esqueceram da educação dos filhos. Há pessoas que se desvirtuam mesmo em um lar bom, mas o número disso é bem menor. Se a família é estruturada, pai, mãe e filhos com todos assumindo seus compromissos independentemente de trabalho, dificilmente os filhos se desvirtuam. ‘Eu não posso dar meu tempo, dou presente’. E nada substitui o pai passear, ir pescar, brincar com o filho.”
Pastor Ubiratan Sanches, presidente do Conselho dos Pastores de Bauru
"A bandeira da Doutrina Espírita é a caridade. À luz do Evangelho seria fazer ao semelhante o bem que gostaríamos de receber. Assim, o valor maior capaz de manter a família unida seria a caridade no lar, na forma de um exercício para todos os dias, cujas principais disciplinas são perdão, tolerância, atenção, respeito e renúncia. O perdão é o treino da compreensão. Se procurarmos compreender o familiar, sem o vinagre da crítica, identificaremos em seus momentos menos felizes e até em seus gestos de rebeldia e agressividade, a simples exteriorização de conflitos em que se debate e que o infelicitam, e não nos magoaremos. A tolerância é o treino da aceitação. Não podemos exigir dos familiares mais do que podem dar, e ninguém é intrinsecamente mau. Somos todos filhos de Deus. Ressalte-se que as pessoas tendem a se comportar da maneira como as vemos. Identificar pequenas virtudes é uma forma de desenvolvê-las. Apontar mazelas é a melhor maneira de exacerbá-las. A atenção é o treino do diálogo. Quando os membros de uma família perdem o gosto pela conversa, a afetividade logo deixa a família. O respeito é o treino da educação. Lamentável observar como é grande o número de lares onde as pessoas brigam, discutem, xingam e até se agridem, gerando uma atmosfera psíquica irrespirável que torna todos nervosos e infelizes. A renúncia é o treino da doação. Há algo de fundamental para nós, sem o que literalmente a nossa alma “seca”, qual planta sem alimento. Chama-se amor. Quantos lares estariam ajustados e felizes, quantas separações jamais seriam cogitadas se num relacionamento familiar as pessoas aprendessem a transmitir com frequência àqueles que habitam sob o mesmo teto a mensagem mais importante. Aquela que diz: Eu gosto de você! É há muitas maneiras de dizer isso: a lembrança de uma data, o presente singelo, o gesto de louvor, o elogio sincero, a brincadeira amiga, a saudação jovial, o convite à oração, o prato mais caprichado, tudo isso diz, na eloquência do gesto: sabe, eu gosto de você! Para tanto, é preciso renunciar às exigências, ao mau humor, ao egoísmo, à cara amarrada, quando não fazem o que não desejamos. Renunciar, enfim, a nós mesmos, para que sejamos no lar alguém capaz de abençoar e proteger, socorrer e amparar, vendo naqueles que a providência divina colocou em nosso caminho, nossa abençoada oportunidade de trabalhar com Deus na edificação dos corações, para recebermos de Deus o salário da bênção e da paz. Com esses exercícios a família estará reservada.”
Richard Simonetti, vice-presidente do Centro Espírita Amor e Caridade
Existe um marco histórico temporal para a constituição da família, que são os anos 60. A autoridade era muito presente nas famílias dos anos 60. Hoje a base de tudo é a confiança, a divisão de responsabilidades, é isso que segura a família. Depois dos anos 60 para os dias de hoje, tivemos uma mudança de valores e de formas que caracterizam família que diferem completamente do modelo até os anos 60, que era o modelo em que a mulher cuidava muito bem da comida, era a esposa e naquele momento estava saindo para trabalhar fora. Tudo fazia com que o casal não se separasse. Porque tanto o divórcio, ainda distante de ser aprovado (1977), quanto o desquite, que já era lei, eram uma coisa bastante vergonhosa para qualquer família. Família, naquele tempo, não era só pai, mãe e filho, que a gente costuma chamar de família nuclear, mas era também os avós de ambos os lados, todos os tios, a família construída pelos primos. Ao acontecer a separação do casal, isso iria envergonhar de certa maneira todo aquele conjunto familiar. De um certo modo, as pessoas engoliam as traições, mais costumeiramente dos maridos do que das mulheres, e não se separavam. Em função de que filho de desquitado era discriminado, além de que a mulher desquitada passava a receber um tom pejorativo. Isto vai diluindo para o meio da década de 70 e hoje até existe este modelo de família que acabei de citar, mas é minoria. Normalmente, uma família que ainda é desta forma sempre tem um filho ou filha que já se separou ou filhos que não se casaram de acordo com o figurino, aquele casamento na igreja e no civil, que distribui convites, que no fundo é um tipo de compromisso que o casal assume com a sociedade. Por isso, as pessoas nem se casam hoje e a separação é uma coisa corriqueira. O que é a família hoje? Avó e neto fazem um conjunto familiar. Outro conjunto, um grupo de amigos desgarrados de pai e mãe que moram juntos e dividem despesas e fazem os projetos de arrumação e compra de casa. É um grupo social que tem uma ligação entre eles e se trata como irmãos. Outro tipo de família são aquelas em que o teto de moradia não é o mesmo. Eles são casados, têm filhos, mas ela mora em uma cidade e ele em outra por causa do trabalho, por exemplo. Os valores para se constituir família mudaram muito e inclusive temos família constituída por pessoas do mesmo sexo. Hoje, constituir uma família, casar e tal é mais um ritual social do que de valores.”
Terezinha Zanlochi, historiadora da Universidade Sagrado Coração
Família saudável seria uma família flexível, aberta a mudanças. Outro valor importante é a generosidade, a capacidade de acolher o outro. Em um casal tem momento em que um está mais fragilizado e, neste momento, é a vez do outro acolher e isso se inverte. Na hora que um precisa o outro segura as pontas. Esta alternância de papéis é importante. Outra coisa é o senso de humor, a capacidade de lidar com situações difíceis e isso dá mais leveza para o dia a dia. Quando se tem a capacidade de ser mais bem humorado, de rir das situações difíceis, isso ajuda bastante no relacionamento. As crises devem ser encaradas como um fator para o crescimento não como o fim do mundo. Crises e dificuldades existem. Esta coisa da família mitificada, a “família margarina” é uma ilusão, utopia. As famílias normais têm crises, brigam, as pessoas não ficam o tempo todo de bem. Estas crises deve provocar o crescimento. Tem que ter espaço para sentimentos de amor e intimidade, mas também para sentimentos negativos. Uma coisa importante é a comunicação, a capacidade de comunicar de uma forma assertiva, não comunicar o sentimento negativo como forma de agressão, de violência. É falar de seu descontentamento, de sua raiva, não de maneira a ofender o outro. Estas questões têm que ser discutidas na família sem representar uma ameaça. E a capacidade de se colocar no lugar do outro para saber o que a pessoa está sentindo. Não ser totalmente egocêntrico. Quanto mais você tem maturidade, mais capacidade de se relacionar bem você vai ter. A gente vem de uma época de grandes mudanças de uma sociedade patriarcal e que começaram no século XX. No Brasil, em 1977, vem a lei do divórcio e, com ela, também acontecem mudanças muito grandes, a mulher passou a competir mais pelo mercado de trabalho, os casamentos múltiplos geraram mudanças na estrutura familiar, porque as crianças passaram a conviver com meio-irmãos, com madrasta, padrasto, agregados. E tudo isso acaba exigindo uma capacidade de adaptação maior, aumentou o número de pessoas para se conviver. Também as relações homoafetivas, com a possibilidade de adoção de filhos, mudam as configurações familiares tradicionais. A gente acaba sendo peça de uma engrenagem consumista, que nos leva a trabalhar mais do que pode para comprar coisas que a gente não precisa. Então, a gente vê os pais sem tempo para os filhos. Na verdade, as pessoas estão presentes, mas convivendo pouco. É um paradoxo, estamos vivendo em uma era da comunicação, que em segundos você fala com o mundo todo e, de repente, você não está se comunicando com as pessoas da sua família. Eu vejo também que os pais têm uma dificuldade muito grande de colocar limites, eles também estão meio perdidos porque a mudança de valores foi muito grande. Ou se parte para o autoritarismo ou não se faz nada. Por outro lado, a expectativa de tipo família nuclear como modelo desejado ainda permanece. Existe uma certa ambivalência. Ao mesmo tempo se quer uma família tradicional, mas isso já não existe mais. Existe o novo convivendo com o velho.”
Maria Regina Corrêa Lopes Vanin é psicóloga, psicodramatista, terapeuta de casais e famílias e coordenadora do Instituto Bauruense de Psicodrama (Ibap)