13 de dezembro de 2025
Regional

Charrete vira artigo de luxo

Rita de Cássia Cornélio
| Tempo de leitura: 6 min

A charrete é um veículo de locomoção de tração animal muito utilizado na década de 40 e há quem confunda com carroça, mas há diferença. Ela é de uso quase exclusivo de passeios e viagens curtas. Enquanto que a carroça é um meio de transporte de usos diversos, mais focado na carga e no trabalho. Nas grandes cidades as charretes são consideradas um objeto inusitado. Mas nos municípios do Interior Paulista onde o turismo faz parte do dia a dia, elas são itens atrativos. As cavalgadas estão incentivando a demanda por esse tipo de veículo.

 

Éder Azevedo

Em Arealva, veículo de tração animal convive no dia a dia dos moradores como lazer

 

Andar de charrete é algo indescritível para pessoas que vivem em centros urbanos. Não é parecido como andar a cavalo, nem de bicicleta e muito menos de carro. Nem mesmo a sensação de vento, batendo no rosto que a moto proporciona, contempla a alegria que é um passeio de charrete. 

 

Sentar num banco sem muito conforto e ser levado para um passeio, ver pessoas e paisagens do ‘andar de cima’, porque da charrete vemos tudo do alto, e ainda contar com o galope do animal é para poucos. A sensação é muito diferente. Todo mundo que te encontra vê você por inteiro, cumprimenta e não sofre com a falta de visão dos insulfilmes. 

 

Muitos vão achar que é coisa de caipira e têm razão. A charrete, pode se dizer que é uma forma mais chic da carroça e irmã mais simples da carruagem. Feita com teto ou sem teto, ela é sempre mais alegre, ornamentada e colorida. Não usa combustível e exige uma dose de coragem, afinal dominar e conduzir um animal na rédea exige treinamento.

 

No Brasil, as charretes ainda são produzidas de maneira artesanal. Grande parte dos fabricante estão no Estado de Minas Gerais e Interior Paulista. Na região de Bauru, mais precisamente em Arealva, existe uma pequena fábrica que confecciona charretes para adultos e para crianças. Embora a demanda não seja algo que mereça atenção, aumentou e a causa é uma só: virou um artigo de ostentação. 

 

A prova é que em cada cavalgada há mais e mais pessoas usando a charrete para participar com a família. Os compradores são pessoas que moram nas cidades, mas que alugam um local para deixar o cavalo e compram uma charrete. 

 

O meio de locomoção de lavradores está conquistando os moradores urbanos e não custam tão barato como muitos pensam. 

 

Lavrador usa charrete desde os 6 anos

 

O lavrador José Ficho, 69 anos, conhece a charrete como meio de transporte e trabalho desde os 6 anos. O pai era lavrador e foi com o genitor que ele aprendeu a dar ordens ao cavalo e puxar as rédeas, dando direção ao animal. Se apaixonou e nunca mais deixou de andar de charrete. Aposentado, ele ainda não se adaptou aos novos veículos. 

 

“Eu tenho um carro na garagem, mas quem dirige é a minha mulher. Aqui em Arealva (41 quilômetros de Bauru) eu faço tudo com a charrete. Ela não gasta combustível, anda a 20 quilômetros por hora. Proporciona uma visão ampla do local e não provoca muitos gastos.” 

 

Ficho lembra com saudade de sua infância. “Meu pai fazia eu estudar no período da manhã, Andava dois quilômetros até a escola. Depois do almoço eu ia ajudá-lo na roça. Foi quando aprendi a lidar com o cavalo. À época, o animal era usado puxando o arado. Trabalhei desde criança e não me fez mal. Hoje, as crianças não podem trabalhar e viram bandidos.” 

 

Ele calcula que já está na 20ª charrete. “Essa charrete foi reformada. Ela dura muito tempo, quase não quebra. E quando quebra, tem jeito de consertar. Cuidados eu dedico ao cavalo que é muito bom. Ele é bem tratado para me tratar bem também”, comenta sorrindo. 

 

Nas lembranças, o lavrador guarda imagens de quando usava a charrete para vender leite na cidade. “Eu usava muito mais a charrete. Quando tirava leite no sítio, trazia para a cidade e vendia de casa em casa. Com isso, conheci muitos moradores. Nessa época eu plantava milho, arroz, cana e tinha gado.” 

 

Para o morador de Arealva, a charrete não apresenta perigo. “É um meio de transporte com índice muito menor de acidentes do que um carro, por exemplo. É muito difícil acontecer um acidente com charrete. É óbvio que em cidades de grande porte, não dá para usar, teria que competir espaço com veículos motorizados.” 

 

Só para passeios

 

A charrete do lavrador José Ficho vale cerca de R$ 4 mil e o cavalo R$ 8 mil. “Quando comprei a charrete paguei R$ 3.9 mil, isso já faz 11 anos. O cavalo é tão bom que tem muita gente querendo comprá-lo, mas eu não vendo.” 

 

A charrete de Ficho é limpa e arrumada quando chega o final de semana. “Tenho um neto de 6 anos que é o xodó meu. Quando ele chega aqui quer andar de charrete. Nós nos divertimos juntos.” O passeio preferido do casal e do neto é ir até a praia de Arealva. “Meus filhos não aderiram a charrete, mas o neto é apaixonado. Aqui a charrete está em alta de novo, por conta das cavalgadas.” 

 

Como veículo de trabalho 

 

O casal Variel Lenharo, 74 anos, e Lidionete Aparecida Lenharo, 71 anos, mora em uma área rural de Arealva. Todos os dias eles cumprem uma rotina. Cuidam do gado da propriedade e, após retirar o leite, partem para a empreitada de transforma o líquido em um queijo fresquinho. Eles fazem uma média de seis queijos que são vendidos a R$ 5,00 pelas ruas da cidade. “Sou aposentado há 12 anos e como tenho uma área rural e algumas criações, faço queijo. Para vender uso a charrete, do contrário daria prejuízo.” 

 

Para ele, guiar a charrete é fácil, basta ter coragem. “Ando e dirijo a charrete desde os 18 anos.  Meu sítio fica a 4 quilômetros da cidade. Não dirijo carro. Na charrete, eu e minha mulher vendemos os queijos e fazemos amigos.”

 

Charretinha faz a alegria das crianças

 

O pedreiro Paulo Dionísio Mendes, 56 anos, mora em Jacuba, um distrito de Arealva. Todos os dias ele vai até a oficina de Abner Coutinho para acompanhar a fabricação da charretinha, a terceira que ele compra. “Essa é para minha neta. As outras duas eu vendi. Eu comprei um pônei e quero colocá-lo na charretinha para minha neta de 8 anos. Ela vai passear por Jacuba como charreteira. Ela vai brincar no final de semana.” Mendes explica que pagou R$ 3 mil no pônei, R$ 1 mil na ‘traia’ e R$ 2 mil na charretinha. “É uma brincadeira caipira. Coloque até uns dizeres na traseira: ‘Mantenha Lunjura’ (sic) para ficar mais típico ainda.”