Logo após o apito final de uma partida de futebol ou vôlei que o banheiro fica superlotado, roupas espalhadas pelas bancadas e, nus, os colegas trocam animados bate-papos, inadvertidamente, sobre o desempenho no jogo. Pouco importa a espera sem roupa para a fila do chuveiro. O importante ali é relembrar erros e acertos da disputa em campo, ou quadra. Esta situação, frequente e repetida em clubes e ambientes quando do encontro de atletas, entretanto, geraria outro comportamento se a nudez fosse condição para a convivência também para uma caminhada ou a conversa à beira da churrasqueira, ocorrência comum aos encontros de naturismo.
É esta mudança de postura, conduta ou comportamento social que um grupo de adeptos da nudez como essência da integração social desprendida, em família, quer fortalecer com os Naturistas do Centro-Oeste Paulista (Natcop). Com sede em Bauru, o grupo acaba de ser reconhecido pela Federação Brasileira de Naturismo (FBrN). A cerimônia de afiliação aconteceu no X Encontro Brasileiro de Naturistas (EBN), realizado no final do mês passado, na Bahia.
O grupo naturista de Bauru esteve presente. “Com a afiliação, o Natcop passa a ser reconhecido como grupo e área naturista, uma segurança para todos os frequentadores por saber que é um local onde a filosofia naturista é vivenciada na sua essência e o nu social é uma forma de vida e não uma exposição que insinua à sexualidade e a volúpia”, menciona João.
Os integrantes do grupo que conversaram com a reportagem não foram identificados, uma necessidade de preservação contra preconceito, de um lado, e para não afugentar interessados em integrar o grupo, de outro, contam Adão e Eva, alusão, evidentemente, no bom sentido, ao tempo em que ficar pelado não incomodava nem a serpente no Paraíso, segundo o texto bíblico. Diz a história bíblica, por sinal, que não fosse o pecado da mordida na maçã da árvore do conhecimento e do bem e do mal, os filhos de Deus não teriam vergonha ou qualquer outra reação, mesmo sexual, ao hoje improvável nu social.
“O grupo conta com naturistas de diversas cidades do Centro-Oeste do Estado de São Paulo. Bauru tem a maioria, a metade do grupo assíduo, atualmente. Mas temos também adeptos de Araraquara, Lucianópolis, Lençóis Paulista, Araçatuba, Ourinhos, Marília e Presidente Venceslau”, conta Adão.
Os encontros, que eram mensais, passam a ser quinzenais, contam os integrantes. “Nos encontros, além da confraternização, são realizadas palestras e atividades sobre diversos temas como sustentabilidade ambiental, inclusão social, cidadania e solidariedade. No mais, o grupo persegue e preserva a essência do naturismo, que é o convívio familiar”, reforçam.
Os atuais filiados são 20, sendo sete deles casais. Existem jovens, mas a faixa etária predominante é de pessoas a partir de 30 anos. “Alugamos chácaras e casas de veraneio em Bauru, onde o local garante a intimidade do grupo e dos vizinhos. Procuramos sempre um lugar que tenha muros altos ou onde a instalação é bem distante de outra moradia. Não queremos mudar a rotina de ninguém e também queremos garantir a prática do naturismo”, reforça Pedro.
Código de ética
Os filiados ao Natcop relatam a existência e cumprimento do código de ética estabelecido pela Federação Brasileira do Naturismo para a participação. “O objetivo é preservar o ambiente harmonioso e de respeito que o grupo desfruta”, cita Adão.
Para o ingresso de novos participantes é realizado contato prévio e uma entrevista. O interessado deve procurar o grupo através do www.facebook.com/naturistascop.
“Entramos em contato com a preservação da identidade e marcamos uma entrevista para apresentar os conceitos e garantir ao interessado a tranquilidade necessária ao convívio. Se o interessado é homem, ele será atendido por um. Se mulher, por uma mulher. Se for um casal, indicamos um casal para o contato”, citam.
Assim, os iniciantes, antes de participarem do primeiro encontro, passam por um programa de integração para esclarecimento sobre o que é o naturismo e como deve ser o comportamento dele no grupo. “Atos obscenos ou que remetem a sexualidade são inadmissíveis, bem como o uso de máquinas fotográficas, mesmo de celulares, durante os encontros”, salientam.
Conforme o grupo de Bauru, o preconceito é o principal tabu à participação. “A cultura ocidental e a prática de enaltecer o corpo e a sexualidade atrapalham a compreensão. O que é preciso levar em conta é que a nudez expressa que na essência somos iguais. No naturismo, a diferença entre as pessoas vai surgir do patrimônio cultural, moral e intelectual, ou seja, do conteúdo do indivíduo e não do corpo”, explicam.
Para os naturistas, a “nudez social” é apenas um dos aspectos desta filosofia de vida. O naturista deve ser reconhecido também por condutas que refletem o respeito ao meio ambiente, à tolerância com as diferenças alheias e por ações que promovam a inclusão social e a cidadania.
De acordo com a Federação Internacional de Naturismo (INF), “Naturismo é um modo de vida em harmonia com a natureza, caracterizado pela prática da nudez social, que tem por intenção encorajar o autorespeito, o respeito pelo próximo e o cuidado com o meio ambiente”.
Carlos Eduardo, 41 anos, profissional de tecnologia de informação, casado
“Confesso que minha expectativa maior era ver as pessoas nuas e, principalmente, as mulheres, é claro! Todavia, ao passar pelo “programa de integração”, percebi que o nu social era apenas um aspecto desta filosofia de vida, e minha ansiedade diminuiu muito.
No primeiro encontro fui calorosamente acolhido pelos membros do grupo, que se comportavam como se estivessem com roupa, com muita naturalidade. Ninguém ficava olhando ninguém. A conversa e a alegria fluíam naturalmente pelo grupo. Já na primeira vez me senti totalmente integrado nesta filosofia de vida, e hoje não perco um encontro.
Mas, o que mais me impressionou no naturismo é que, estando nus, reconhecemos, efetivamente, que todos somos iguais na essência. Despimos-nos das grifes das nossas roupas, das posições sociais que ocupamos, dos títulos que ostentamos e só nos diferenciamos pelo nosso patrimônio espiritual, ou seja, pela nossa inteligência e nossa moral - únicos tesouros que levaremos para a espiritualidade”.
Ellen, 32 anos, solteira, professora
“Frequento o naturismo há quatro anos. O primeiro contato que tive foi muito interessante, pois fui chegando ao grupo cheia de insegurança, com receio de como me portar e como seria recebida.
Vi, com algum tempo de convívio, que as pessoas que participavam do grupo acolhiam as que chegavam com muita naturalidade; então comecei a ficar à vontade e a interagir com o grupo a fim de conhecer mais de perto esse modo de vida.
O ambiente era acolhedor, as pessoas desfrutavam de uma liberdade que em poucos lugares por onde estive pude presenciar. Fui sentindo que, como o respeito era muito grande, seja entre os que já frequentavam o grupo, seja para com os novatos, e o ambiente estritamente familiar, fui ficando à vontade pois sentia a necessidade de me despir, não das minhas roupas, mas das minhas crenças. Assim, ficou muito fácil encarar esse desafio”.