23 de dezembro de 2025
Geral

Entrevista da semana: Mari Paraíba

Nelson Gonçalves
| Tempo de leitura: 8 min

O sotaque arrastado, que entrega logo de pronto sua origem em terras nordestinas, em Campina Grande (PB), onde nasceu, e o gosto pelo feijão verde, carne de sol, macaxeira e galinha caipira não contam que, entre seus segredos, estão dois elementos que se unificam em um mesmo ser, a mulher. É que Mariana Andrade Costa, jogadora de voleibol profissional e, até anteontem, defensora das cores do time Bauru Concilig, repeita, integralmente, os conselhos da mãe tal qual mantém a devoção por Santa Rita, a quem atribui um milagre envolvendo a recuperação de lesão de um atleta, ex-namorado, e outro em problema grave que ela enfrentou no ombro.

A gratidão pela matriarca aparece em suas palavras de afeto à mãe, que, desde cedo, a apoiou na busca pela trajetória de jogadora de vôlei. Musa do esporte, a jogadora de 1,80 m de altura ‘denuncia’ sua devoção, de outro lado, por Santa Rita na panturilha da perna direita. Uma tatuagem com frase italiana, fruto da relação com namorado daquele País, registra, em círculo, sua crença.

 

Por definição, Mari se diz mulher em formação aos 28 anos, mas alma e atrevimento de uma moça de 20. Na despedida de Bauru, em contrato rápido de três meses para a disputa pela cidade do Campeonato Paulista de vôlei, na última sexta-feira, Mari Paraíba disse que fez vínculos com a Terra Sem Limites e que gostaria de voltar. Por ora, optou por jogar na série A e se rendeu a convite do Minas, para onde já partiu para mais um paradeiro profissional.  

 

A ponteira que começou a jogar aos 10 anos de idade logo deixou a Paraíba para ingressar nas categorias de base e profissional do então time Sollys Osasco, passou pelo Pinheiros, foi pra Goiânia e depois foi para São Caetano, entre outros. “Essa rotina de mudar de cidade o tempo todo, em curto espaço de tempo, e me dedicar exclusivamente a treinos e jogos de vôlei, me deixou cansada. Ai resolvi parar para dar um tempo e tentar estudar. Mas o vôlei está tão enraizado em mim que senti falta dessa rotina. É ruim se acostumar a um lugar e logo ter de sair, mas é isso que eu gosto de fazer e vou seguir minha trilha”, disse.

 

Na temporada 2011/2012 jogou pelo Unilever Minas, mas acabou não renovando o contrato após ficar fora das semifinais em função de um problema crônico no joelho esquerdo. Em junho de 2012, sem contrato, aceitou ser capa da Revista Playboy e, durante a divulgação da revista, disse que deixaria o voleibol. Sentiu falta do esporte e foi parar no vôlei de praia, onde diz ser mais difícil se adaptar como atleta.

 

Jornal da Cidade – Você fez o caminho de se destacar em Campina Grande e de lá vir para teste em São Paulo. Mas por que o vôlei?

Mari Paraíba – O vôlei acho que porque comecei jogando desde pequena, porque minha mãe desde criança enfiou em nossa cabeça, minha e do meu irmão, que o vôlei era legal. E assim foi. No começou eu não gostava tanto assim não. Minha mãe me enfiou em dança, natação e outras coisas. Mas eu participava muito daquele convívio relacionado ao esporte, vendo meu irmão jogar. E eu escolhi o vôlei gostando aos poucos.

 

JC – Mas você fez brincadeiras de rua na Paraíba?

Mari – Nossa demais. Eu falo que não teve infância melhor que a minha. Era e sempre fui uma moleca. Brincava muito de esconde-esconde, de corrida, queimada, na rua mesmo. Cresci no meio da rua, brincava de baleada, que hoje nem tem mais acho. Atrás de minha casa na época tinha uma favelinha assim e a gente juntava as turmas e brincava muito. Eu era como um moleque. Minha família inteira mola lá em Campina Grande ainda. Meu irmão mora em São Paulo e eu fico rodando pelas cidades nos times em que jogo. Mas se tenho férias eu vou pra lá. Meus pais são super corujas e eu adoro ficar com eles quando posso. Eles inclusive estavam aqui em Bauru comigo. 

 

JC – Como você lida com essa rotina de nômade, atleta cigana em função do esporte, cada temporada em um lugar?

Mari – É a parte mais chata dessa profissão que adoro. Porque você se acostuma em um lugar e dai rapidamente já tem que ir para outro lugar, como agora aqui em Bauru onde fui muito bem recebida, adorei a torcida que participa muito, o vôlei em crescimento, a cidade legal, e já tenho que sair. Mas eu quero voltar viu! Mas acaba que você se adapta e é o que você escolheu para fazer e tem que arcar com as consequências. Mas a gente cria vínculos e eles permanecem. Mas isso faz parte do esporte e não reclamo, porque é a vida que eu escolhi. Vou seguindo essa vida de atleta cigana.

 

JC – O que a fez parar de jogar, há dois anos?

Mari – Eu parei porque já não aguentava mais essa vida que eu vivo sem parar desde os 14 anos de idade. Parei com vontade de estudar. E essa rotina de acordar, treinar, volta, se alimenta, descansa, treina, e joga e começa tudo de novo. Você vive isso e eu não suportava mais essa rotina. Ai falei, caraca, eu não tenho férias, não tenho a vida normal das outras pessoas por muito tempo! E quando todo mundo tem férias eu não consigo sair com meus amigos. Mas quando eu parei eu senti muita falta de jogar. E olha eu aqui de novo! Isso já faz dois anos, foi em 2012. A rotina me levou a parar. Mas quando eu parar de fato eu penso em voltar a estudar e, quem sabe, ter algo meu. Eu penso, por exemplo, em fazer estética. Até comecei nutrição aqui em Bauru, nesses três meses, porque não tinha estética pela manhã e comecei nutrição para não ficar parada. Essas coisas me interessam.

 

JC – Atletas de alta performance falam das sequeles com lesões após parar de jogar. Te preocupa a convivência com a dor e esses problemas?

Mari – E estou com 28 anos, mas acho que meu joelho deve ser de uns 35 anos (risos). Porque o desgaste é gigante. Eu não tenho problema no joelho. Já fiz cirurgia, mas tudo certo. Não me incomoda e jogo tranquilo. Mas realmente muitos atletas convivem com dores e fazem sacrifício para jogar. E é uma rotina de fisioterapia. E quando param é ainda pior, e tem de manter ritmo em academia ou fazer reforço muscular. Ser atleta de alta performance significa conviver com dor. E você para se aquela dor for insuportável. Mas qualquer atleta naturalmente aprende a lidar com a dor. É estressante, você sente incômodos e lida com o corpo e com a dificuldade de não executar perfeitamente um movimento determinado pela presença da dor. Mas tem de superar.              

 

JC – Qual sua válvula de escape pessoal? 

Mari – Na verdade o que eu faço primeiro é rezar. Sou muito católica. E rezo pra pedir mesmo intersecção e para que algo não me incomode. E muitas vezes funciona, sou atendida. Mas no geral tive de me virar, conviver com os problemas. 

 

JC – Como católica, você se orienta em algo, uma devoção, ou fé?

Mari – Olha tem uma história que acho bem legal. Namorava um atleta também italiano e ele teve um problema grave e me falava, depois do tratamento e cirurgia não funcionarem, que rezando para Santa Rita de Cássia tudo ia ficar bem. Ele era devoto da santa das causas impossíveis. Ele morou muitos anos na Itália e tinha uma lesão no joelho que não sarava. E ele começou a rezar e a pedir para a Santa Rita em cima de fotos da santa que a mãe dele a tinha dado. E ele pediu para ela tirar a dor para, em troca, ele virar testemunho dela. E ele foi atendido. E eu acredito nisso. Nos três dias das finais da Champions League ele não sentiu nada naquele joelho que tinha problema crônico não resolvido. Acho que isso é fé. Eu tive um problema no ombro e também passei a acreditar em Santa Rita. E curei e tatuei na panturilha uma frase de Santa Rita. No filme dela tem uma frase que diz que se você tiver fé no Senhor nada é impossível. Me identifiquei muito com a santa e tatuei isso nas últimas férias, na Paraíba.  

 

JC – Qual o peso da inteligência emocional sobre o comportamento no vôlei, esporte em que segundos fazem a diferença na atitude, postura no jogo?

Mari – O vôlei é um tipo de esporte em que a lógica do controle emocional é essencial. Por vezes você está lá dentro da quadra e fala, caraca, esse saque vai vir em mim. Se você estiver com a cabeça ruim ali na hora você vai errar. Eu concentro para não pensar em erro. E na quadra eu não só penso positivo, penso o acerto, como eu não ligo, por exemplo, para provocação de adversária na quadra. O atleta tem de treinar, se dedicar, e preparar muito o acerto na hora do controle emocional. O treinamento de repetição funciona, desenvolve habilidade para fazer o movimento, mas a confiança é importante. Adoro treinar repetição porque nesse momento eu uso para treinar a cabeça também. Falei em provocação e as colegas falam que eu vivo avoada, que não ligo pra nada, como provocação. Me cobro muito. Quando era nova eu admitia muito pouco o erro. E a passagem pelo vôlei de praia me ajudou muito nisso.