23 de dezembro de 2025
Geral

Perde-se 20% da comida no preparo

Marcele Tonelli
| Tempo de leitura: 6 min

Quem nunca recusou um tomate por estar “machucado” demais ou então uma cenoura por estar mais seca que o normal? São ações que parecem inofensivas, mas que têm pesado nas estatísticas. A alta do preço dos alimentos nos últimos anos, principalmente nos países emergentes, tem colocado a questão do desperdício no centro dos debates.

Um estudo recente publicado pelo Instituto Akatu – entidade que trabalha para a questão do consumo consciente – mostra que, do total de alimentos produzidos no País, cerca de 20% são desperdiçados em seu destino final, ou seja, no processamento culinário dos lares e restaurantes.

O desconhecimento de receitas e estratégias para aproveitar a integralidade dos alimentos e o próprio hábito ou estilo de vida, cada vez mais corrido e desprendido de reflexões são apontados como os grandes vilões.

Em Bauru, para se ter ideia, das 320 toneladas de lixo despejadas no aterro, diariamente, 80 toneladas são materiais orgânicos. E, mais da metade desse total, segundo a Emdurb, refere-se a restos de alimentos, que poderiam ser reaproveitados tanto na cozinha quanto para a compostagem. 

Desprezo

“Muitas pessoas desprezam a verdura, a fruta ou o legume ‘machucado’; tiram a polpa quando vão descascar, não usam o talo das verduras, não aproveitam a integralidade do alimento. Mas é uma questão cultural. O Brasil é um dos maiores produtores do mundo, mas também um dos maiores desperdiçadores”, aponta a nutricionista Lisandra Lopes, coordenadora do programa do governo federal Mesa Brasil.

“A cozinha do brasileiro tem se tornado um espaço cada vez menor . Isso porque as pessoas estão comendo fora cada vez mais. E, nos restaurantes, o problema não é diferente, o desperdício acaba sendo até maior”, avalia Lisandra.

Foi pensando justamente nestes números que o Sesc iniciou, há alguns anos, em parceria com o governo federal o programa Mesa Brasil. Na última semana, foi lançado um site que reúne dicas de planejamento e armazenagem de alimentos, além de centenas de receitas para o aproveitamento máximo dos ingredientes. Basta acessar o site https://mesabrasil.sescsp.org.br/ e digitar um único ingrediente para ter acesso a todas essas receitas.

Antes da mesa

O problema do desperdício, no entanto, começa antes mesmo de chegar à mesa.  Ainda na colheita, 20% dos alimentos produzidos no País acabam descartados por conta de falhas nos processos de manuseio. O problema se amplia ainda mais com a questão do transporte e armazenamento, que aumentam em até 8% essas perdas (veja mais no quadro acima).

O desperdício toma dimensões ainda maiores quando o assunto é hortifrúti, já que a exposição dos legumes, frutas e verduras às intempéries do tempo multiplica a velocidade da deterioração. “O manuseio na armazenagem é o nosso principal problema. Se tudo fosse automatizado, o desperdício seria menor, mas, aqui, o tamanho, a textura e a cor do produto fazem toda a diferença, porque existem padrões na hora da venda. Se tiver um ‘machucadinho’, o legume ou a verdura já vai pra doação”, afirma Augusto Remoli Filho, técnico operacional agrícola do Ceagesp de Bauru.

Basta uma rápida visita por lá, aliás, para dimensionar, o quanto o desperdício ainda é um desafio na cidade. Andando pelo Ceagesp, é possível verificar frutas e verduras jogadas às dezenas ao chão.

A unidade, no entanto, tem se esforçado para mudar essa realidade que, a cerca de uma década atrás, era ainda pior.

Por mês, o Banco de Alimentos do Ceagesp – uma espécie de depósito dos hortifrútis desprezados no comércio da unidade – coleta aproximadamente 40 toneladas de alimentos perecíveis. Desse total, 37 toneladas são disponibilizadas para doação a 25 entidades assistenciais e para o Mesa Brasil, que operacionaliza a entrega, em diferentes dias da semana, a 84 entidades de Bauru e região. As outras três toneladas acabam indo para o aterro. “O pessoal prefere perder o produto do que ouvir reclamação ou perder o comprador. Não dá pra correr esse risco, infelizmente”, comenta Remoli.

Aterro

Mais desperdício é sinônimo de mais lixo e menor vida útil ao aterro sanitário da cidade. Inaugurado em 1993, o local viveu sua última expansão em julho de 2013, quando, esgotado, ganhou mais 29 mil metros quadrados de área lateral, e teve sua vida útil estendida até o final do primeiro semestre de 2015.

A cada ano, segundo o presidente da Emdurb, Nico Mondelli, a quantidade de lixo coletado em Bauru aumenta em média 3%.

“Não era pra isso acontecer, é muito desperdício. O orgânico nem deveria ir para o aterro. Hoje, existem centenas de formas de compostagem. Apenas o lixo referente a higiene pessoal deveria ir para o aterro”, critica Nico.


Família ‘viaja’ em busca de alimentos desprezados

É com a ajuda de Branco, o cavalo, que a família de Maria Aparecida de Oliveira, de 48 anos, “viaja”, ao menos três vezes por semana, do Fortunato Rocha Lima ao Ceagesp de Bauru para recolher os alimentos em boas condições desprezados pelos comerciantes.

Com a amizade que a dona de casa criou junto aos permissionários e funcionários, após mais de 20 anos frequentando o local, a carroça sempre sai cheia de bons legumes, verduras e frutas.

Grande parte vai para a mesa da família, formada por três crianças, além do pequeno Carlos Gabriel, que estava com ela no Ceagesp, e do marido.

“É triste ver a comida jogada ao chão aqui. Tá tão caro no mercado. Por isso, aproveito tudo. O que não vira sopa vai para os porcos e para o cavalo”, comenta a dona de casa. 


No mundo

De acordo com estimativas da ONU, cerca de 30% da produção global de comida, o que significa entre 40% e 50% da cultura de raízes, frutas e vegetais, 20% de oleagenosas, carne e laticínios e 35% de peixes, é perdida ou desperdiçada. Isto representa cerca de 1,3 bilhão de toneladas, ou o suficiente para alimentar 2 bilhões de pessoas. As informações constam no site do Instituto Akatu.


Fala Povo

Você evita o desperdício no preparo das refeições? De que forma?

“Evito sempre. Procuro fazer a quantidade certa, mas confesso que não sei fazer nenhuma receita para utilizar cascas e talos, por exemplo. Acho que essa geração que vem vindo aí é mais consciente e ligada nessas receitas novas” - Sueli Cescato, aposentada, 59 anos

“Aproveitamos bastante os alimentos, mas quando tem alguma fruta ou legume passado na geladeira, não tem jeito, acaba indo pro lixo. Trabalho o dia todo e não dá tempo de ficar preparando essas receitas diferentes” - Gianpaolo Carocia, coordenador de operações de cobrança, 40 anos

“Lá em casa aproveitamos tudo, até o talo. A comida do dia anterior quase nunca vai para o lixo, sempre consumimos até o fim. Quando tem fruta passada na geladeira, faço suco” - Giacono Cannone,  vice-diretor de escola, 65 anos

“Sou um pouco exagerada, não reaproveito muita coisa na cozinha por falta de tempo. Mas, a comida do dia anterior nunca jogamos fora em casa. Guardo tudo em potes para doação” - Lenita Alvarez Ruiz, operadora de telemarketing, 33 anos