22 de dezembro de 2025
Tribuna do Leitor

Vale do Igapó - um bairro convencional

Walkiria de Jesus Rodrigues
| Tempo de leitura: 3 min

Em setembro de 1979, a Prefeitura de Bauru aprovou o loteamento denominado Conjunto Urbanístico Residencial Vale do Igapó, o qual foi registrado em fevereiro de 1980, sob a égide da lei 6766/79. Não obstante ser loteamento aberto ao público, com circulação de veículos e pessoas alheias ao bairro, o contrato padrão, registrado em Cartório de Imóveis, prevê o pagamento da taxa de conservação, com base na metragem do imóvel, objetivando a conservação das ruas e praças. Saliente-se que, de acordo com o artigo 51, inciso IV,  do Código de Defesa do Consumidor, tal taxa colocada de forma abusiva, em contrato de adesão é nula de pleno direito.


Em 2002, a Associação dos Moradores moveu uma ação judicial, pleiteando a declaração de nulidade de tal cláusula contratual, contudo não logrou êxito, porquanto em 2009, a sentença  foi favorável ao loteador, pois teve como base um laudo que mostrou  um bairro que não existe, nem nunca existiu na realidade.  Esse laudo mencionou bens e serviços que os moradores e proprietários nunca viram ou usufruíram no Vale do Igapó.


Por conta dessa sentença, o loteador segue cobrando a taxa de conservação e promovendo a inscrição indevida dos não pagantes nos órgãos de restrição ao crédito. Saliente-se que a Associação dos Moradores recorreu da sentença junto aos tribunais superiores e aguarda julgamento. Portanto, a cobrança de taxa de conservação encontra-se suspensa.


Essa taxa de conservação, que pelos vistos será perpétua, só trouxe prejuízos a muitos proprietários que, em dado momento, não conseguindo manter-se em dia com tal pagamento, perderam seus lotes já quitados, visto que o valor da dívida se tornou  igual ou maior que o valor dos terrenos, não lhes restando outra alternativa senão barganhar o lote pela dívida. O devedor de taxa de conservação não tem direito a escritura, nem a ligação de seu imóvel à rede de distribuição de água, mesmo que concorde em desembolsar os R$ 3.990,00 (três mil e novecentos e noventa reais) exigidos para efetuar essa ligação.  


Contudo, à luz do artigo 22, da lei 6.766/79, que cuida do parcelamento do solo urbano, “desde a data do registro do loteamento, passam a integrar o domínio do município, as vias e praças, os espaços livres e as áreas destinadas a edifícios públicos e outros equipamentos urbanos constantes do projeto e do memorial descritivo.” Destarte, está mais claro que um dia de sol ao meio-dia, sem deixar dúvida a quem quer que seja, que os serviços de conservação das áreas públicas do Vale do Igapó, já passaram, de forma automática, desde seu registro em cartório, à responsabilidade das prefeituras, de acordo com o município de sua localização, tendo em vista que, estas entidades públicas já recolhem tributos, visando a conservação de suas áreas públicas. Dessa forma, diante da obrigação de contribuir com taxa de conservação, os proprietários  estão sendo tributados duas vezes pelo mesmo fato.


É normal, principalmente, nos dias de crise que atravessamos, ouvirmos que a  prefeitura não dispõe de recursos financeiros para cuidar e conservar os seus bairros. No entanto, o município tem autonomia político-administrativa e, portanto, quando aprovou o loteamento Vale do Igapó ou qualquer outro estava afirmando que dispunha de capacidade técnica e financeira para a implementação e manutenção desse loteamento. Portanto, essa conservação é responsabilidade da prefeitura, pois a partir do registro (fevereiro de 1980), as vias públicas passaram ao domínio do município.


No Vale do Igapó, os proprietários pagam IPTU e taxa de conservação e se encontram insatisfeitos, visto que não há contraprestação por parte das prefeituras, nem por parte da loteadora, que nunca prestou contas dos valores recebidos. Ressalte-se que, não se trata de condomínio ( Lei 4.591/64 – Lei de Condomínio em Edificações e Incorporações Imobiliárias, onde as ruas, praças e áreas livres não são públicas). Tampouco se trata do famigerado Loteamento Fechado, o qual não dispõe de respaldo jurídico para sua implementação. O Vale do Igapó segue as regras da Lei 6.766/79, portanto, é um loteamento convencional, aberto ao acesso de todos, razão pela qual a cobrança de taxa de conservação não pode prevalecer, por ser ilegal, sendo obrigação das prefeituras assumir o loteamento.