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A nova lei das calçadas exige trechos permeáveis, mas a grama virou depósito de fezes de cães durante os passeios no Centro |
A multiplicação da presença de animais domésticos entre as famílias é diretamente proporcional ao crescimento das reclamações de moradores com a falta de higiene, de educação e de consciência coletiva de quem tem guarda do PET e não recolhe fezes de seu estimado animal. Nos Jardins Europa, Aeroporto, Vila Universitária e América moradores protestam contra o acúmulo de excremento de PETs nas calçadas, espaços com jardinagem e gramados. No Centro, uma microempresária fixou faixa na grade, em frente à área gramada do passeio público que dá acesso a seu imóvel: "Minha grama não é banheiro do seu cachorro".
No Jardim Europa, outra moradora ficou tão incomodada com o odor acumulado no poste de iluminação pública que pregou uma cartaz na tentativa de que "caia a ficha" dos donos de cães de que a rua, a calçada, as praças são espaços públicos e é obrigação de todos mantê-los limpos. Aliás, originário de PET ou não, sujar terreno alheio, depositar restos de comida, lixo e animal morto no ponto mais "fácil" perto de casa é duplamente absurdo: é falta de educação acumulada com prática de crime ambiental.
Em Bauru, a falta de educação, que já está presente em terrenos e espaços públicos em todo canto, virou "mania" com a proliferação de PETs. É exceção, entre os milhares de proprietários de cães, quem leva seu amado animal para passear com um saquinho em mãos. Recolher a fezes do bichinho é ainda mais raro. Em algumas cidades, como Londrina (PR), o Código de Posturas da cidade, através de lei, define regras de comportamento do dono em relação ao animal. Quem transforma rua, praça e calçada em banheiro do bichinho pode ser multado. A aplicação vale, essencialmente, para as fezes.
Em diversas cidades onde a necessidade de lei - com aplicação de multa - se impõe para minimizar o "comportamento animalesco" do dono do PET os próprios moradores são fiscais. Entre o conflito de vizinhança já estabelecido e a falta de consciência por quem detém a guarda responsável do PET, esses municípios preferiram prever a obrigatoriedade do passeio do PET com coleira, guia e o uso do recipiente para recolher fezes.
Em Bauru, a temática iniciou discussão entre alguns vereadores no ano passado. O médico, então vereador e atual integrante do Núcleo Gestor da Prefeitura, Paulo Eduardo de Souza, apresentou projeto de lei prevendo regramento para a guarda de animais. O vereador Markinho de Souza, reeleito, tem proposta com este conteúdo e analisa a inclusão de regras entre colegas.
Para uma parte dos moradores, a lei não resolve a falta de educação. Para outros, somente a regra de "pesar no bolso" (multa) é que vai gerar comportamento civilizado "forçado". Não há quem não concorde que o problema - que envolve questões de natureza sanitária, de higiene e cultural - reflete falta de consciência e educação. Para outra parcela, o comportamento reprovável demonstra mais uma faceta do individualismo e do egoísmo cidadão.
FAIXAS E CARTAZES
Quem anda pelo Centro da cidade encontra várias demonstrações de falta de educação e de apropriação do espaço público de forma irregular. Mas não são somente barracas com ferros, barbantes e lonas que tornam a vida do transeunte uma saga. Os "obstáculos" também estão no chão.
Além dos buracos, quem sai para circular logo pela manhã tem de ficar atento ao "campo minado" em que se transformaram as calçadas. Ao final das tardes, quando retornam do dia de trabalho, inúmeros moradores não medem esforços para levar o adorado PET para seu sagrado passeio. E eis que a noite se apresenta com as fezes espalhadas pelos arredores.
Maria Aparecida D'Ávila Ferreira e sua filha Mariana se cansaram de pedir que os vizinhos recolhessem as fezes. A calçada em frente à entrada de seu portão tem área gramada (aliás como determina a nova lei do passeio público desde 2009). Mas eis que o pequeno trecho permeável que colabora com o conceito de infiltração de água e redução do calor nas vias públicas se tornou o "banheiro preferido dos PETS".
"Não dá. A gente cansou de pedir. Ninguém atende. Cansou de reclamar, as pessoas não ligam. Os cachorros gostam de grama e este pedaço bem em frente à calçada virou o predileto. Em fim de tarde é pior. E daí tem de limpar todo dia. E fica o mau cheiro a noite toda. Quase ninguém recolhe. Tem de pensar em alguma lei para resolver isso. Quem não tem educação e pensa só em si tem de ser punido", defende Mariana. Os trechos em grama estão apenas na extensão em frente à casa dela.
No Jardim América, Ana Maria, que pediu para não identificar seu endereço e imóvel, desabafa: "É um bando de hipócrita, que tem cãozinho que dorme até junto em casa, que veste roupa e gasta muito no Pet Shop, mas que não tem a decência de recolher as fezes durante o passeio do cão. Dono porco, cão mimado. Como o ser humano é estúpido".
Perto da avenida Nações Unidas, uma praça atrás do Habib's é depósito de sujeira. "Aqui é madame e homens da sociedade todo dia com seu cãozinho. A caminhada em primeiro lugar, mas acompanhado da má educação junto à coleira", critica um morador do arredor da praça.
A coleira, o dono e a calçada
Para a secretária do Meio Ambiente (Semma), Mayra Fernandes da Silva, o uso do espaço urbano envolve mais de um vetor, do comportamental ao social. Sobre a relação entre calçadas gramadas e o uso desses espaços como "depósito de fezes", ela pondera que o "problema não é a lei, nem a calçada, é o dono".
"No meu bairro, as calçadas não são permeáveis, como na maior parte da cidade. E o cão faz no cimento, no asfalto. Há no meu bairro placas também em postes, em portão. Porque as pessoas não aguentam mais o mau cheiro deixado por quem leva os animais para passear. Tem de mudar a cabeça, a cultura das pessoas. O problema é o dono, não é a lei, nem de postura nem da calçada", diz.
Ela vê dificuldade na fiscalização. "Não há quadro de fiscais com poder de polícia. Essa defasagem atinge outras áreas do uso do espaço urbano, que envolve saúde, questões sanitárias, de sujeira e que geram doenças", complementa.
O vereador e engenheiro José Roberto Segalla, que se empenhou na atualização da lei das calçadas em 2009, lamenta que ela não é cumprida. "Está na lei que 1,30 m tem de ser transitável e o restante permeável. Isso ajuda muito, em escala, na infiltração de água e no tempo ajudará contra enchentes. O uso do passeio público é questão de educação. É preciso ir em duas frentes, na educação do comportamento do cidadão e na busca pela implantação de calçadas permeáveis. Tirar a grama por causa do mau uso é absurdo. E isso acontece", comenta.