| Malavolta Jr. |
| O pedreiro Luiz Carlos fala sobre o preconceito que vai vencendo sobre fazer crochê: "Alguns, claro, ainda têm, mas a maioria vai se habituando" |
Provavelmente, quando alguém pensa em crochê a cena que vem à mente é daquela senhorinha sentada à sombra com agulha e lã à mão. Talvez seja este o motivo de, nas últimas semanas, a cena de Luiz Carlos Del Hoyo Júnior, um homem, jovem, sentado em uma praça fazendo crochê ter chamado a atenção de algumas pessoas que passaram pela Praça das Cerejeiras em Bauru.
Com 34 anos, Luiz Carlos estava, na verdade, concluindo a encomenda de um jogo de tapetes do Palmeiras para sua prima. "Aprendi a crochetar olhando vídeos na Internet, já faz um ano mais ou menos que faço crochê e pego algumas encomendas para compor minha renda", afirma.
É na companhia da agulha e do novelo de lã que Luiz se dirige até a praça, que é próxima de sua casa, praticamente toda tarde para relaxar e praticar sua terapia diária. "O crochê está no meu cotidiano. Eu faço em casa, mas gosto mesmo de fazer na praça, que é um ambiente aberto em que eu posso relaxar a respirar ar puro".
Além das encomendas de familiares, os vizinhos também são alguns dos fiéis clientes que confiam no trabalho manual de Luiz e na qualidade de suas encomendas. Ele, inclusive, garante que já fez vestido, toalha de mesa, roupa para pet e não hesita ao dizer: "faço qualquer coisa".
Se, para alguns, a prática de Luiz chama a atenção, o hábito de Luiz Carlos causa estranhamento a outros. "Algumas pessoas, claro, têm preconceito. Mesmo hoje, com muita informação, ainda tem gente que pensa que crochê não é coisa de homem, mas outras pessoas que me veem na praça já estão habituadas. Isso não me incomoda, vou continuar fazendo".
TRABALHOS MANUAIS
E o talento dele está mesmo ligado às suas mãos. É com elas que, atualmente, consegue a maior parte de sua renda, já que também realiza alguns trabalhos como pedreiro. E, mais uma vez, as habilidades de Luiz se contrapõem. Dos calos que ganha nas mãos depois de um dia de trabalho pesado, ele relaxa com a maciez da linha e observa minuciosamente ponto por ponto que, em seguida, darão vida às suas peças de crochê.
Com vocação para trabalhamos manuais, Luiz, que já teve diversos empregos, conta que sempre uniu seu talento aos seus trabalhos. "Já fui pizzaiolo, mototaxista, taxista, salgadeiro, garçom e, agora, estou produzindo uma horta hidropônica. Aprendi as técnicas da horta na Internet e, em breve, pretendo vender alface e rúcula, mas vou continuar com o crochê para compor minha renda mensal", destaca.
NA ROTINA DE DETENTOS
| Reprodução/Site/Ponto Firme |
| Detento do projeto “Ponto Firme” exibe seu tapete |
Anderson Figueredo se lembra bem de quando, há um ano e meio, um professor chegou à cadeia com a sacola recheada de linhas e agulhas. Naquela época, ele não poderia imaginar como as suas mãos, que colaboraram com o tráfico de drogas, pudessem servir à arte. "Foi muito esquisito", conta o ex-preso, de 34 anos, sobre a primeira experiência com o crochê, quando ainda estava na prisão, em Guarulhos, na Grande São Paulo.
O professor era Gustavo Silvestre, um designer e artesão de 39 anos que teve a ideia de ensinar a técnica a uma turma de presos - todos homens. "Com o crochê, você vê seu tempo se materializar e virar alguma coisa. Pensei: isso é muito legal para os caras que estão no presídio e têm tempo disponível."
A ideia ganhou corpo no Projeto Ponto Firme, que, em dois anos de existência, já formou cerca de cem alunos na cadeia. E continua até hoje.
Para Silvestre, a arte tem ainda o potencial de integrá-los. "Uma coisa linda do processo é que eles vão ensinando os outros, vão se organizando." Fora das aulas, os presos também podem exercitar a técnica, com kits deixados pelo professor.
Menino de 12 anos faz sucesso com linhas no YouTube
| Reprodução/Facebook |
| No face ele é o "crocheteiro júnior" |
Os dedos ágeis dão conta de um tapetinho de crochê em poucos minutos, enquanto o olhar está fixo na tela - não a da televisão, como as vovós que povoam nosso imaginário, mas a do celular. Junior Silva, de 12 anos, é youtuber, como muitos de sua idade, e "crocheteiro", como poucos
O menino tomou gosto pela atividade depois de observar a avó e a tia. "Eu tinha 11 anos, pegava a agulha e fingia que estava fazendo. Aí pedi para me ensinarem." A vontade de compartilhar o gosto pela costura veio depois de publicar em um grupo no Facebook uma foto de um tapete colorido que ele mesmo fez. "Bastante gente gostou. Depois, comecei a fazer lives (vídeo ao vivo) e, assim, foi crescendo meu público", conta ele, orgulhoso dos 20 mil seguidores que já conquistou.
Nos vídeos, Junior dá dicas de pontos e linhas enquanto costura. "Crochê é uma arte bem bonita. Faço muitas coisas diferentes", diz o menino. Embora tenha os seus fãs, há também quem o critique por acreditar que crochê não é coisa de criança, muito menos de menino. "No começo, eu ficava chateado, mas agora levo na esportiva."
Mercado informal é um aliado para compor a renda?
A busca por novas formas de geração de renda não é só uma realidade de Luiz Carlos. Com o quadro econômico atual do Brasil, cerca de 13 milhões de brasileiros estão fora do mercado de trabalho formal, conforme dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e este fato exige não só que se encontrem novas práticas nas relações de trabalho, mas também muita criatividade de quem precisa ganhar a vida.
Recentemente o Jornal da Cidade mostrou pessoas que fizeram de suas casas seu escritório e driblaram a crise econômica com trabalhamos manuais. A Secretaria do Bem-Estar Social de Bauru (Sebes) informou que em parceria com a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Turismo e Renda (Sedecon), realiza cursos de inclusão produtiva voltados à formação de pessoas de baixa renda que pretendem empreender.De acordo com Ana Sales, diretora do Departamento de Proteção Social Básica da Sebes, os cursos de artesanato e costura são uns dos mais procurados pela população. "Do total, 70% dos formados permanecem no mercado informal, a maioria no ramo de alimentação. Em segundo, aparece artesanato e costura e, depois, beleza e estética. Os formados em cursos de serviços gerais, como limpeza e eletricista, são os que mais se formalizam", destacou a assistente social na matéria.