| Nélson Gonçalves |
| Nara Lígia concentra sua pesquisa nos compostos obtidos no extrato; Vanessa Soares orienta |
A romã, fruta consumida no Natal sob simbologia de sorte, contém propriedades para o uso como anti-inflamatório, antimicrobiano e anti-aderente. A identificação está sendo objeto de estudo de doutorado da Faculdade de Odontologia de Bauru (FOB/USP) com a inédita possibilidade de uso dessas propriedades como fitoterápico.
A pesquisa da doutoranda Nara Lígia Martins Almeida, sob orientação da doutora Vanessa Soares Lara, abre caminho para que a ciência utilize os compostos encontrados na casca da romã como alternativa de medicamento, seja no combate à proliferação de fungos pelo uso de prótese bucal removível (dentadura), seja sob possível forma de solução futura capaz de promover prevenção e desinfecção de prótese por imersão (a famosa dentadura mergulhada em recipiente com líquido).
Para Vanessa Soares Lara, orientadora da tese, graduada em odontologia pela FOB/USP, com mestrado em anomalia dentária e doutora em biologia celular com tese desenvolvida sobre inflamação, a identificação é inovadora.
"Ela tem potencial anti-inflamatório e também antimicrobiano. No nosso caso, de todos esses organismos, nos interessa atualmente um fungo que existe na boca, de forma natural. O fato é que em algumas situações há aumento desse fungo e isso gera doença na boca. O composto presente na romã abre um caminho novo para a ciência pelo potencial de evitar que fungos se organizem na prótese bucal. E é igualmente promissora a possibilidade de incorporar esses compostos pela capacidade antiaderente e como função fitoterápica", aponta.
'ALVO DE ATAQUE'
A escolha pela romã para a experiência levou em conta algumas vantagens.
"O acesso comercial à fruta é um facilitador. A romã se encontra com certa facilidade em plantios e em época determinada. E ela apresentou propriedades que valiam a pena estudar", menciona Nara.
O trabalho acadêmico cumpriu o estágio da pesquisa laboratorial e também a fase de testes in vitro (usando células), com publicação de artigo científico, inclusive fora do País. "O doutorado está na fase de pesquisa in vivo, testando os efeitos em camundongos e lagartas (estágio larval)", cita Nara.
O fungo existe de forma natural na boca, mas, em geral, o paciente que usa dentadura tem a adesão de micro-organismos no material de resina da prótese.
"Cria uma espécie de capa, uma crosta desses microorganismos com o uso da prótese de resina. A maior parte são de fungos, que é nosso alvo de ataque. É um biofilme microbiano que fica na superfície da resina desses próteses bucais. E nosso estudo é combater a proliferação desses fungos, ou destruir esse biofilme".
COMBATE
A pesquisa concentra-se na existência de concentração elevada de taninos, antocianinas e punicalagina no extrato casca. Esses são os compostos ligados ao combate à inflamação, micróbios e aderência.
Uma das "novas frentes" é acabar com a aderência do fungo à resina da dentadura.
"O fungo adere à superfície da prótese, na resina. E a propriedade encontrada na romã age contra essa aderência. Abre-se uma oportunidade inovadora de uso desse composto para eliminar essa formação, impedir que os fungos permaneçam aderentes à resina. E é difícil para o usuário enxergar esse biofilme que aderiu à prótese à olho nu. Mesmo com boa higiene o biofilme pode se acumular na resina acrílica", acrescenta Vanessa.
EFICAZ
Nara explica que a literatura científica já havia listado as propriedades da romã e acrescenta: "Nos tratamentos da indústria farmacêutica se utilizam compostos convencionais. A identificação no extrato da casca de romã abre novo paradigma", argumenta.
Como a resina clínica, na prática, tem uso consolidado e de eficácia e resistência comprovadas, a tese partiu para a identificação de composto capaz de "atacar" os fungos que aderem ao material.
"A resina desenvolvida é muito boa, resistente e eficaz. Os fungos vão grudando na resina e o composto presente na casca da romã impede. Então a saída é evitar que os fungos se organizem. E esses compostos têm potencial de matar os fungos. E eles ainda agem como anti-inflamatório, o que é excelente para o paciente ", conclui Vanessa Soares.
Nara chama a atenção para outra "porta" que se abre com esse estudo.
"Os medicamentos convencionais geram resistência. O medicamento começa a não corresponder dada sua ingestão diária. A utilização de plantas que possuem diferentes compostos bioativos, que são diferentes dos utilizados no sistema convencional, é o principal foco de nossa pesquisa. É utilizar a fitoterapia como alternativa de tratamento. Uma alternativa que surge a partir dessa identificação", reforça a doutoranda.
A orientadora ainda posiciona que "abre-se, ainda, a possibilidade de estudos levarem em conta o uso desses compostos já presentes na casca de romã junto a medicamentos tradicionais. É possível até uma combinação dos dois no tempo", enfatiza.
HIGIENE
Outra esperança embutida na identificação da capacidade de ação dos compostos da romã é de que isso seja utilizado como alternativa à imersão de dentaduras em copos d'água em solução com água sanitária.
Seria uma aplicação com a finalidade de higiene preventiva da prótese fora da boca. Afinal, seria o fim dos prejuízos tóxicos pelo uso do hipoclorito (água sanitária). É a ciência identificando possíveis "soluções", no duplo sentido, para que o sorriso da dentadura venha livre da proliferação de fungos e prevenindo também a inflamação.
Pesquisa
A pesquisa em andamento na FOB/USP conta com parceiros em várias frentes. Do ponto de vista do financiamento, o estudo tem a participação financeira da Capes. Mas a orientadora informa que o projeto também inclui participação de professores de outros departamentos da própria FOB, de membros da USP de outras unidades e da Unesp. "Um trabalho nessa dimensão só pode ser realizado em razão do apoio financeiro da Capes, do incentivo a esse tipo de projeto, da sensibilidade do universo científico e de fomento a essas pesquisas e da colaboração e integração de docentes e gestores de vários segmentos da FOB e da Unesp", ressalta Vanessa Soares.
A romã
Também é rica em vitamina A e em vitaminas do complexo B, além de ser a excelente fonte de ferro e cálcio.