A aparência disforme das criaturas faz a paisagem assombrosamente linda! Será que são loucuras imaginárias? Os olhares em perspectiva mostram anomalias, rostos horrendos, tudo parece estar fora de lugar, uma confusão de formas desalinhadas e cúbicas. Do que estou falando? Esse olhar aprofundado nas feições das pessoas que expõe a monstruosidade do interior do ser.
Perceba o olhar animalesco por trás do sorriso amarelo de alguns, a falsidade e a inveja embutida em suas frustrações! Que mistério é esse? O de esconder o que realmente sentimos, e somente nós, seres racionais, temos esta característica ou ferramenta, a de dissimular completamente os verdadeiros sentimentos. Quem sabe, Pablo Picasso (1881-1973) conseguiu, de alguma forma, enxergar o interior de seus modelos.
Ele, em uma fase de sua carreira artística, produziu pinturas enigmáticas, talvez tenha retratado a verdadeira face das pessoas, aquela oculta por trás das máscaras. Dizem os especialistas em arte que esse período ficou conhecido por fase azul, e deu início ao cubismo. Deixemos estas análises aos senhores críticos de arte, e nós, os leigos, vamos tentar de alguma maneira fazer uma analogia entre os retratos disformes de Picasso e as máscaras usadas cotidianamente em nosso entorno.
Em 1904, Picasso pintou uma aquarela, intitulada o "O louco", nela ele retrata um doente mental que, alienado, perambula pelas ruelas de Barcelona, na Espanha. Acredito que toda inspiração artística deve derivar da observação de detalhes do cotidiano, transformando em prosas, versos, quadros, filmes, peças teatrais e música, toda a história de uma época.
Ao observar o andar apressado das pessoas em uma cidade qualquer, veremos o louco retratado por Picasso, em diversos personagens. A loucura animalesca e oculta emerge em uma fração de segundos! E quantos crimes hediondos são cometidos nesse milésimo de segundo?
Quem sabe se com o avanço da tecnologia, num futuro próximo, poderemos, de alguma forma enxergar as feras existentes em todo ser?
Quem sabe se a fatídica fase melancólica de nosso Picasso fosse o retrato do mundo atual! Não teria sido ele um Nostradamus? Os tempos atuais estão transformando as pessoas em feras enjauladas, em loucos fronteiriços sem diagnósticos, psicopatas e psicóticos escondidos por trás das máscaras!
Que mundo é esse, onde as trágicas histórias viram filmes de sucesso e transformam assassinos em heróis? Que mundo é esse, onde impera a indiferença pela dor do semelhante? Que faces horrendas poderiam ser retratadas nas telas pintadas com sangue de pessoas inocentes, pelo simples fato de não existir mais piedade e nem compaixão!
Talvez a descrença e a decepção com a humanidade possa nos transformar em Picasso, retratando apenas o lado negro e monstruoso das pessoas. O Picasso moderno, com certeza, tem material para muitos retratos, somente usando as cores horrendas da mistura de racismo, intolerância e preconceitos.
Que dor imensa em perceber que perdemos, dia após dia, a poesia da vida, e a alegria de viver em grupo, perceber que fazemos parte do conjunto, do todo.
É urgente retroceder e buscar a ternura, acreditar que nem tudo está perdido, ter esperança de que, com a evolução material, venha atrelada a evolução espiritual. Precisamos voltar ao passado, onde vivíamos e comíamos juntos, onde os filhotes pertenciam ao bando e eram protegidos por todos. Voltar àquele lugar onde não percebíamos diferenças e as feras eram, de fato, animais selvagens.