| Aurélio Alonso |
| Pequena Central Hidrelétrica (PCH), localizada no município de Macatuba, inaugurada em 1917: água do Rio Lençóis vence um desnível até chegar à Casa de Força |
A geração de energia elétrica, antes dos grandes investimentos em hidrelétricas de maior porte no Rio Tietê, passou pelo pioneirismo de pequenos empreendimentos com potência muito pequena em riachos na região de Bauru. São projetos de engenharia do início do século 20 e, até hoje, para lá de avançados. Passados 100 anos, duas Pequenas Centrais Hidrelétrica (PCH) estão em atividades: usina Lençóis, no município de Macatuba, e Três Saltos, no rio Pinheirinho, em Torrinha, sob concessão da CPFL Renováveis.
O termo PCH significa uma usina de pequeno porte que produz energia elétrica utilizando-se das águas do rio. De acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), para ser considerada uma PCH deve ter uma potência entre 1 MW e 30 MW.
Na região de Bauru, no início do século passado houve várias dessas PCHs que chegaram a operar e depois tiveram que cessar as atividades devido a problema de enchente e do potencial ficar obsoleto. No distrito de Guaianás, a usina homônima entrou em operação em 1912 e uma enchente destruiu sua estrutura em 1917. Isso vai influenciar a buscar outro local para instalar outra PCH.
A terceira hidrelétrica mais antiga no Estado de São Paulo fica no município de Macatuba na divisa com Igaraçu do Tietê nas margens do Rio Lençóis, antes de desaguar no Tietê.
Até hoje em operação sob concessão da CPFL Renováveis, as suas instalações podem ser consideradas um "museu da energia elétrica a céu aberto". A Casa das Máquinas fica em desnível de 22,50 metros e atualmente é toda operada eletronicamente. A sala de controle fica em Jundiaí, mas no passado havia uma estrutura para manter os operadores.
| Aurélio Alonso |
| Os dutos com diâmetro de 1,60 m vencem um desnível de 22,50 m para chegar à Casa de Força |
A barragem fica acima da estrutura. Há um canal construído em um trecho acima de um morro que direciona a água numa extensão de 1.514 metros que desemboca em dois tunéis de 166 metros para mover os dois rotores que vão gerar 1,68 MW. No entorno há a antiga vila que guarda a arquitetura do século passado nas paredes das casas. Também pertencente à mesma concessionária a PCH Três Saltos de Torrinha continua em operação localizada no rio Pinheirinho, em local íngreme e de bela paisagem. Mas a região teve outros empreendimentos pioneiros: a antiga usina hidrelétrica de São Manuel inaugurou em 6 de agosto de 1908, nas proximidades da fazenda Paraízo, sua primeira usina e posteriormente o mesmo empreendedor construiu a usina Lençóis. Passados 100 anos, praticamente só sobraram ruínas da barragem da São Manuel. Todas elas enfrentaram a "fúria" das águas em períodos de grande enchente.
Em Brotas, também há duas dessas pequenas hidrelétricas centenárias, uma já desativada no Parque dos Saltos que serve de turismo para passeio e a da fazenda Jacaré.
PCH centenária está em operação
Quando chega à área de mata nativa não tem como apreciar a paisagem bucólica ao descer uma estrada de chão batido, após vencer uma declividade de um morro onde já se avista a margem do rio Lençóis. Ao lado há imenso prédio de alvenaria com duas tubulações de metal que desce a encosta onde está localizada a Casa das Máquinas da Pequena Central Hidrelétrica (PCH) Lençóis, localizada no município de Macatuba. Essa é uma das primeiras hidrelétricas do Brasil, no começo do século 20, que ainda está em operação, de acordo com especialista ambiental Sidney Aguiar. Ela é o símbolo do desenvolvimento da geração de energia do século passado.
O prédio imponente, bem preservado, ostenta no alto a data de 1917, quando passou a operar. Construída pela extinta Empresa Força e Luz de São Manoel, com o objetivo de enviar seu fator elétrico às cidades de São Manuel e, posteriormente Bauru. Isso ocorreu porque a Usina Hidrelétrica Guaianás instalada em 1910 foi destruída por uma enchente em 1917.
A barragem deveria ter sido erguida na parte mais baixa do ribeirão Paraíso, onde já havia outra usina hidrelétrica em operação, e não no rio Lençóis. Nessa época, a extinta empresa de energia elétrica de São Manoel já possuía outra usina hidrelétrica no município de São Manoel do Paraízo com capacidade inferior à da usina hidrelétrica Lençóis. A de São Manuel não existe mais, só restaram ruínas.
“Em 1917, a usina Guaianás foi destruída por uma enchente. A empresa bauruense passou então a comprar energia da Empresa Força e Luz de São Manoel, pertencente à CPFL, que gerava eletricidade na nova usina do rio Lençóis, com potência instalada de 1.700 kW. Com essa energia, a Eletricidade de Bauru passou a abastecer também outros municípios da região, como Pirajuí, Jacutinga, Presidente Alves e Lins,” relembra Sidney Aguiar.
A destruição da antiga Usina Guaianás em 1917 pela enchente no rio Bauru ocorreu em virtude de uma falha estrutural na barragem feita de forma, que as sapatas de escoras vissem a ser levadas. Com o rompimento da barragem, a casa de força foi inundada destruindo toda a estrutura de apoio e levando os geradores embora, rio abaixo.
Como a PCH Lençóis estava quase concluída, a partir de agosto de 1917, ela começou a gerar energia para a subestação de Pederneiras e Bauru e ainda abastecendo Lençóis e os povoados de Santo Antonio do Tanquinho (hoje Macatuba), e a Vila de Areia Branca (atual Areiópolis).
A atual PCH de Lençóis também enfrentou a "fúria" da natureza. Em fevereiro de 1966 ocorreu uma cheia muito grande do rio e ocorreu o rompimento da antiga barragem do reservatório da PCH Lençóis. "Na época, os engenheiros disseram que a recuperação da barragem era inviável e optaram pela parada de geração da usina hidrelétrica. Após longos estudos, a barragem foi novamente refeita e, em 1986, depois trocados as turbinas e geradores, voltou a operar em potência superior", conta Aguiar.
A primeira turbina hidráulica instalada na PCH Lençóis foi tipo Pelton e eixo horizontal, belga que chegou em 1916, pelo antigo Porto Martins, que ficava na foz do rio Lençóis com o Tietê, por meio de um pequeno vapor. Onde se localiza a atual hidrelétrica fica perto de onde o rio Lençóis vai desaguar no Rio Tietê.
A PCH chegou a ficar paralisada de 1962 a 1970 devido ao rompimento da barragem, depois foi foi reconstruída com uma estrutura de concreto, terra e alvenaria. O comprimento total é de 360 m e altura de 10,50 m.
A água represada em cima da encosta é desviado por uma canaleta revestida de concreto, com extensão de 1.500 metros e ainda no alto de um morro desce por duas tubulações, em aço, de 1,60 m que vencem o desnível de 22,50 até chegar à Casa de Força, onde estão os rotores que vão girar dois motores. Nesta semana devido a vazão baixa do rio, somente um moto estava funcionando. Quando está com a potência máxima gera 1,6 MW, o equivalente a energia elétrica para 100 casas. Atualmente a PCH opera eletronicamente de Jundiaí. Só há funcionário que visita o local para inspeção.
A PCH Lençóis está em atividades há 101 anos. Durante todo esse período houve mudanças significativas. Até um período era necessário manter uma equipe com plantões para que a hidrelétrica funcionasse. Atualmente o sistema é todo controlado por computador, não sendo necessário mais uma grande quantidade de operários.
No local havia um conjunto de casas, onde residiam os funcionários. O conjunto arquitetônico ao lado do prédio da Casa das Máquinas está preservado. O acervo pode a longo prazo se transformar em um conjunto museológico. Esporadicamente, recebe visita de estudantes, porém é necessário agendar com muito antecedência, porque é necessário à concessionária destacar um funcionário para servir de guia no local.
Três Saltos tem potencial turístico
| Aurélio Alonso |
| A pequena hidrelétrica de Três Saltos está localizada no município de Torrinha próxima a conjunto de cachoeiras |
A PCH Três Saltos localizada a 5 quilômetros de Torrinha é outro sistema hídrico da rgião que continua em atividade e começou a funcionar em 1928 sob a concessão da CPFL Renováveis. O município fica próximo a Brotas, que também foi pioneira na geração de energia elétrica no início do século passado, onde chegou a ter duas PCHs, mas não estão mais em atividades.
O pequeno reservatório da Três Saltos fica no Rio Pinheirinho na bacia do Rio Jacaré. A paisagem do local é deslumbrante. O nome da hidrelétrica se refere a três cachoeiras, a última deságua ao lado da Casa de Força. No entorno há imensa mata nativa. Há também o conjunto da descida pelo trólei com tração elétrica, um pequeno carrinho que desliza por cabo. É possível fazer essa descida até a Casa de Força. A potência instalada dessa PCH, segundo a ANEEL, é de 0,60 MW.
O que chama a atenção é a vegetação nativa nas encostas. A barragem tem altura de 30 metros. A reportagem apurou que a turbina da hidrelétrica é tipo Francis horizontal de fabricação da Escher Wyss (Suiça) e o gerador alemão Siemens-Shuket.
Pelos registros históricos, a Companhia Paulista de Estrada de Ferro foi incluída no plano de expansão em 1886 devido a força da cafeicultura.
A Três Saltos é um patrimônio com potencial turístico-cultural. O diretor de Cultura e Turismo da Prefeitura de Torrinha, Antonio Cesar Siboldi, informou que houve pré-conversa com representante da CPFL para que se tente utilizar o local para visitação turística. "Hoje o local não está pronto para visitação. É magnífica a paisagem, tem uma mística pelo fato de a cachoeira ficar em meio a um vale com a hidrelétrica próxima a ela, e existir uma gruta da lenda de Maria Candimba do período da escravidão", declarou.
A inclinação de onde parte a tubulação adutora tem uma inclinação (chega a 80º) com um conduto em aço de 120 metros de comprimento e diâmetro interno de 0,75 m.
História da energia
O registro do início da operação da primeira hidrelétrica no Brasil ocorreu em 1883 no Ribeirão do Inferno, contribuinte do Rio Jequitinhonha, para fornecimento de energia aos serviços de mineração em Diamantina (MG). Também nesse mesmo ano, na cidade de Campos (RJ), Dom PEdro II inaugurou o primeiro serviço público municipal de iluminação elétrica do Brasil e da América Latina, com 39 lâmpadas de rua.
No Estado de São Paulo, os primeiros registros históricos de utilização de energia elétrica data do final do século 19, no ano de 1884, em Rio Claro, ocasião em que foi inaugurada a iluminação da cidade, composta por 10 lâmpadas de arco voltaico de 2.000 velas cada uma.
Quase 10 anos depois, é inaugurada, a 2 de julho de 1893, a Usina Hidrelétrica Monjolinho, situada no Ribeirão Monjolinho, em Salto Grande, município de São Carlos, que apesar de controvérsias, é considerada a primeira do Estado de São Paulo. Construída pela Companhia de Luz Elétrica de São Carlos, com a finalidade de fornecer iluminação elétrica à mesma cidade, operou até 1907 quando o suprimento de energia passou a ser feito pela Companhia Paulista de Eletricidade, CPE, mais tarde (1973) incorporada pela Companhia Paulista de Força e Luz, CPFL.
Lenda da Maria Candimba
Conta a lenda que uma escrava chamada Maria Candimba morava numa fazenda próxima a cachoeira dos Três Saltos, juntamente com seu marido. A escrava fazia os serviços domésticos e depois que a mulher do fazendeiro teve seu primeiro filho, Maria Candimba passou a cuidar do menino e foi sua ama de leite, costume comum da época. Tudo ia muito bem, Maria Candimba cuidava do menino como se fosse seu próprio filho e o amor era tanto que a escrava não imaginava mais sua vida sem ele.
Um belo dia, seu marido também escravo da fazenda, durante suas atividades acabou fazendo algo errado que desagradou o patrão. Diante da situação e só de imaginar que ela e seu marido pudessem ser vendidos por causa da falta do marido e fosse separada do menino que tinha como seu filho, ela então teve uma ideia: de posse do menino, fugiu para a mata e acabou se escondendo numa gruta bem distante da fazenda e próxima à cachoeira dos Três Saltos. Levando o menino nos braços, fugiu sem que ninguém soubesse e combinou com seu marido para que ele levasse comida para os dois na gruta até que a fúria do patrão passasse. Mas Maria Candimba estava enganada, com o sumiço da criança o fazendeiro foi tomado de grande desespero e enviou vários grupos de busca para resgatar o filho sem sucesso. Quando já não havia mais esperança, o fazendeiro notou que o marido de Maria Candimba saía durante a noite levando uma vasilha com alimento. Intrigado o fazendeiro resolveu segui-lo em meio à mata densa e com grande dificuldade chegou até a gruta onde o escravo entrou. Assim que avistou a fresta na rocha o fazendeiro entrou também e se deparou cm seu filho nos braços de Maria Candimba. Quão grande foi sua surpresa ao ver o menino bem cuidado e bem alimentado. O fazendeiro ficou extremamente feliz em encontrá-los e questionou Maria Candimba, afinal porque a escrava havia roubado seu único filho para escondê-lo numa gruta? E Maria Candimba então explicou que seu maior medo era ter que se separar do menino, o qual ela tinha como filho. O fazendeiro tocado pelo gesto de amor da escrava, permitiu então que ela e seu marido voltassem a fazenda e lá permanecessem, desculpando o erro do marido e também o ato de desespero de Maria Candimba. Dessa forma, Maria Candimba pode viver seus dias em paz ao lado do menino que tanto amava. Até os dias de hoje, quando se passa pela cachoeira dos Três Saltos de longe dá para ver a fumaça que sobe do leito da cachoeira, é o cachimbo de Maria Candimba, soltando fumaça em sinal de felicidade e contentamento.