É muito comum, sobretudo em época de Copa do Mundo, se deparar com análises sociológicas e matérias de canais midiáticos que tratam o futebol no Brasil como uma espécie de "pão e circo", querendo dizer que esse esporte é usado pelo governo brasileiro para distrair a população geral dos problemas políticos, sociais e econômicos que enfrenta o país.
Mas você sabe de onde afinal veio essa expressão "pão e circo" e por que ainda é utilizada nos dias de hoje? Seria o futebol realmente uma espécie de "pão e circo" no Brasil?
Bem, a expressão "pão e circo" (em latim panem et circenses) foi cunhada no Império Romano pelo poeta Juvenal em sua Sátira Décima, no início do século II d.C. Juvenal e outros escritores da elite romana, como o historiador Tácito, acreditavam que o imperador de Roma evitava que a plebe (os cidadãos pobres) se revoltasse contra o seu poder por meio da distribuição de alimentos (o pão) e apresentação de espetáculos públicos (o circo), como as famosas lutas de gladiadores.
Acontece que os historiadores modernos, a partir do século XIX, adotaram esse ponto de vista sem criticá-lo, como se fosse mesmo um retrato genuíno da sociedade romana. Por isso até hoje a expressão é usada para se referir a práticas atuais, como o futebol.
Mas essa ideia vem sendo contestada nas últimas décadas por muitos historiadores. É o caso de Renata Garraffoni, professora da Universidade Federal do Paraná, para quem os espetáculos públicos de Roma tinham um significado cultural amplo, indo desde o aspecto religioso até o político, muito além da simples diversão.
Pois bem. Mas e o futebol? Pode ser considerado "pão e circo"? Para o historiador e escritor Luiz Antônio Simas, mestre em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, essa visão é simplista demais em relação ao significado do esporte no Brasil. Esse autor entende que o futebol é um patrimônio cultural do brasileiro, espaço proveitoso de construção de afetos, pertencimentos e do próprio debate político, e transcende muito a lógica do pão e circo e a noção de "ópio do povo".
Assim, essa tal política do "pão e circo" é uma ideia antiga que remonta a alguns escritores da elite do Império Romano, sendo adotada pelos historiadores do século XIX, mas é insuficiente para explicar o dinamismo complexo tanto da sociedade romana como da brasileira.
Portanto, o futebol não deve ser visto simplesmente como "pão e circo", e sim como um patrimônio cultural de nossa nação capaz de promover o debate político e os sentimentos recíprocos de afeto e pertencimento.