Este é o título do livro de Ignácio de Loyola Brandão, lançado em 2018 pela Editora Global, que é uma livre adaptação de um verso do poema "Do Pobre B.B.", de Bertold Brecht, escrito em 1921. A obra é uma distopia política que trata de um futuro indeterminado onde todas as pessoas são vigiadas por tornozeleiras e câmeras, a peste se torna uma epidemia que dissolve os corpos, a auto eutanásia para idosos é legalizada e os ministérios da Educação, Cultura, Meio Ambiente e Direitos Humanos foram extintos. As escolas foram abolidas e a política torna-se líquida com a existência de 1.080 partidos e onde ninguém governa verdadeiramente.
Em entrevista à "Folha de São Paulo" (Edição de 11 de abril, p.p.), o autor afirma que a ideia do livro surgiu quando leu no jornal sobre a possibilidade de, no futuro, a ciência produzir um homem sem cérebro, sem emoção, sem sentimentos, sem nada. Ao ser perguntado se antecipou a realidade através da ficção, Loyola responde: "Imagino coisas que podem ser absurdas, que podem nunca acontecer. Só que acabam acontecendo. No livro tem o primeiro presidente sem cérebro (...) O que a gente tem hoje no poder? Um homem sem cérebro, sem sentimento, sem emoção, sem comoção, indiferente a tudo, ao povo que governa, frio".
A ficção construída pelo escritor parece ser realmente uma antecipação do quadro existente atualmente no Brasil. Dentre outras mazelas sociais que atingem os brasileiros atualmente temos a peste se alastrando. Os números sobre a disseminação do Covid-19 no Brasil, apesar de pouco confiáveis, pois são subestimados, crescem dia a dia. Os idosos, como grupo de risco, são os mais atingidos e como na obra de Loyola Brandão, aqueles que são jogados do alto das montanhas. No entanto, toda a sociedade vem passando por uma situação bastante difícil com o isolamento social, a paralisação das atividades, o medo do contágio e todas as consequências sociais e econômicas da pandemia que assola todo o mundo.
Nesse quadro ficam mais evidentes uma série de problemas que assolam o país nas diversas áreas da vida humana. Dentre muitos outros, podemos citar as carências na área da saúde, a falta de uma política educacional, os direitos humanos e sociais sendo detonados, os órgãos de defesa dos cidadãos sendo desativados, a rede de proteção social desmantelada e uma desastrosa política ambiental. Esses males sociais do Brasil acabam sendo complicadores para o combate ao coronavírus no Brasil. Enquanto a pandemia no mundo atinge quase 2 milhões de pessoas com cerca de 115 mil mortes já registradas oficialmente, assolando centenas de países, os casos também crescem no Brasil com concentração maior nas grandes cidades mas com expansão nas diversas regiões do país. E diante disso, o que temos visto no combate a esse mal?
De um lado temos a atuação do Ministério da Saúde com seu corpo técnico se esforçando no trabalho árduo de resolução de problemas, visto que o país não estava preparado para uma emergência dessa amplitude. Vemos ainda um trabalho sério na luta contra as dificuldades por parte da grande maioria dos governos estaduais e das prefeituras municipais. Destaca-se também o trabalho extenuante do pessoal da área da saúde, médicos, enfermeiros, técnicos e outros que estão lutando em condições inadequadas na luta para salvar vidas. Aliando-se nesse trabalho merece atenção as iniciativas populares que vem construindo uma verdadeira rede de solidariedade, desempenhando um papel que era do Estado na atenção aos necessitados nesse momento de calamidade pública como o próprio governo decretou.
De outro lado temos o Governo central e o ocupante do cargo de Presidente da República. Um chefe de Estado autoritário, tosco, criador de polêmicas e desavenças, cercado por um grupo politico conhecido popularmente como "gabinete do ódio". Também é seguido por uma claque de desinformados e inconsequentes que insistem em manifestações de apoio nos encontros com o presidente num local que ficou conhecido como o "cercadinho". Um presidente que, entre outros posicionamentos estranhos, acredita no terraplanismo, nega o aquecimento global e defende a desarticulação das instituições de defesa do meio ambiente e de organização civil.
Um presidente que em meio à pandemia que assola o país, lança uma campanha "O Brasil não pode parar", posicionando-se contra as determinações da OMS- Organização Mundial da Saúde e do próprio Ministério da Saúde brasileiro, no tocante ao isolamento social, considerado pelos epidemiologistas como a forma mais eficaz de combate à doença. Quando o mundo todo adota a quarentena para minimizar os efeitos da maior pandemia dos últimos cem anos, o presidente brinca de "passear" pelas ruas do Distrito Federal provocando aglomerações e colocando em risco a população.
Parece-nos que, como afirma o escritor Loyola Brandão, a anormalidade se normalizou, ou seja, não existe mais absurdo neste mundo. Ocorre uma falta de sentimentos, de emoção, de comoção. O que existe é frieza e indiferença. Enfim o que ocorre é um verdadeiro absurdo, que infelizmente é aceito por uma parcela da população brasileira. A doença se alastra e aqueles que se omitem hoje e continuam atuando com os olhos voltados para as eleições de 2022 deverão ser julgados pela pilha de cadáveres que a pandemia de coronavírus gerar. Lembrando Brecht: "que continuemos a nos omitir da política é tudo que os malfeitores da vida pública mais querem". E havendo essa omissão o que sobrará desta terra chamada Brasil?