22 de dezembro de 2025
Cultura

Poemas famosos em versão funkeira

Gilberto Amendola
| Tempo de leitura: 3 min

Como seria se os grandes poetas fossem funqueiros? E se Fernando Pessoa tivesse um heterônimo MC, o MC Nando? Talvez, quem sabe, adaptasse versos como "Quem quer passar além do Bojador / Tem que passar além da dor / Deus ao mar o perigo e o abismo deu / Mas nele é que espelhou o céu" por algo com uma pegada mais sensual. Que tal "Quem quer brincar no cobertor / Tem que chegar, mas sem caó / Deus ao baile o perigo e a brisa deu / Mas nele é que inventou o créu"?

Essa é a proposta do perfil que está hospedado no Instagram Se Poema.Fosse.Funk, criado pelo publicitário Murilo Lense, 30 anos. O perfil, que surgiu em Curitiba durante a pandemia da Covid-19, vem sendo alimentado diretamente de Lisboa (cidade de tantos poetas), onde Lense vive e trabalha.

"Mandei um poema da fase erótica do Drummond (Carlos Drummond de Andrade) para uma amiga. Começamos a imaginar como seriam alguns poemas traduzidos para a linguagem de hoje, para o funk", contou Lense. Foi a amiga quem sugeriu a criação do perfil - que logo ganharia também uma imagem de um Fernando Pessoa "chavoso" (criação de Rodrigo Fabocci).

"No Instagram, coloco o poema original ao lado da minha adaptação. Tento respeitar a métrica, a rima e o tema", disse Lense. "Acho que é um jeito de quebrar preconceitos. Para quem é da poesia, acho que é um jeito de perceber que a linguagem do funk também é rica. Para aqueles que são do funk, eu acho que serve para perceberem que poesia não é chata. Minha ideia é quebrar essa barreira entre o popular e o erudito", completou.

Depois do MC Nando Pessoa, vieram outros MC's de peso, como MC Camões, MC Neruda, MC Leminski e muitos outros. Nem todas as adaptações são publicáveis, mas existem pérolas. Se Drummond escreveu "E agora, José/A festa acabou/A luz apagou/O povo sumiu", seu lado funqueiro mandou um "E agora, coé / O SUS acabô / A Anvisa zuô / As vacina sumiu..."

O poeta Mário Quintana, quem diria, também tem seu lado MC. É difícil encontrar quem não conheça os seguintes versos: "Todos esses que aí estão/Atravancando o meu caminho/Eles passarão.. /Eu passarinho". Já a versão MC do Quintana ataca de "Todos esses que aí tão / Atrasando meu caminho / Eles dançarão... / O meu passinho!"

Antes mesmo do Se.Poema.Fosse.Funk, o Instagram já tinha um perfil dedicado a misturar o universo da literatura com o do funk. No Funkeiros Cults, a ideia é compartilhar imagens de fãs do gênero comentando obras famosas - com a linguagem do funk. Por exemplo, para o livro Admirável Mundo Novo (Aldous Huxley), o comentário destacado na imagem mostra como a linguagem do funk é rica e criativa. "Carai parsa os mlk (moleques) nascendo em máquina azideia".

Em outro post, um livro de Freud nas mãos e o seguinte comentário: "Oxê, então quer dizer que eu só escolho as bandidas que é parecida (sic) com a minha coroa". O perfil é tão cult que o criador não respondeu aos pedidos de entrevista da reportagem.