15 de dezembro de 2025
Geral

O 'caçula' prodígio da USP em Bauru

Tisa Moraes
| Tempo de leitura: 5 min

A vida pessoal e os caminhos profissionais sempre foram, para o médico otorrinolaringologista Luiz Fernando Manzoni Lourençone, um só. Ainda criança, ele escolheu a carreira a que iria se dedicar movido por uma tragédia familiar. A irmã que ele não chegou a conhecer morreu por um possível erro médico e, vendo o sofrimento dos pais, decidiu que se empenharia a evitar que esta dor se abatesse sobre outras famílias.

E, com seu trabalho - até hoje realiza cirurgias de implante coclear em crianças com perda auditiva - consegue devolver o sorriso aos pais que chegam aflitos ao Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC/Centrinho) da USP Bauru. Aliada à dedicação aos estudos, a forma humanizada de lidar com pacientes e colegas de trabalho, Lourençone diz, foi fundamental para que pudesse alcançar suas conquistas, que não são poucas.

Vindo de família de classe média, hoje, aos 39 anos e o doutorado já concluído, ele é o docente 'caçula' do curso de Medicina da FOB/USP. Além de cirurgião no Centrinho, também acumula a função de chefe da Seção de Implante Coclear e de diretor clínico da instituição. Nesta entrevista, ele conta como construiu sua trajetória e fala sobre o desejo de deixar um legado. Veja, a seguir, os principais trechos.

JC - Conte um pouco sobre sua origem. O senhor nasceu em Bauru?

Lourençone - Sou do Interior do Paraná. Nasci em Loanda, mas fui criado em uma cidade próxima, Paranavaí, onde fiquei até meus 15 anos. Depois, fui para Curitiba, onde consegui bolsa para fazer ensino médio em uma escola particular. E prestei vestibular para Medicina. Eu sempre quis fazer Medicina. Passei em algumas federais, mas escolhi a Universidade Estadual de Maringá, que era mais perto de casa.

JC - E o que o atraiu para a Medicina?

Lourençone - Eu sou filho único, mas meus pais tiveram uma filha, que morreu com cerca de um ano e meio, dois anos, antes de eu nascer. Isso marca uma família de maneira intensa e, desde pequeno, eu ouvia minha mãe carregando a dúvida de que a filha poderia ter morrido por erro médico. Então, desde aquela época, fiquei com o sentimento de querer estudar para que não ocorresse igual com outras crianças. E isso me ajudou muito a direcionar os estudos.

JC - O senhor comentou que dependeu de bolsa de estudos. Veio de uma família de classe média?

Lourençone - Sim. Eu estudava em escola pública. Minha mãe era professora, dava aula nos três turnos em escola pública e meu pai era dono de uma lanchonete, que funcionava das 7h às 22h. Por incentivo deles, consegui estudar em escola privada, com bolsa, da quinta série até o fim do ensino médio. E mergulhei nos estudos. Na faculdade, para me sustentar, dei aulas particulares e em cursinho por muito tempo.

JC - E como veio parar em Bauru?

Lourençone - Na faculdade, nossa referência sempre foi São Paulo, que era de onde vinha a maioria dos professores. E meus pais nasceram no Interior do Estado. Então, vim prestar concursos. Passei em várias instituições, mas escolhi fazer residência em Otorrino no Centrinho porque vislumbrava uma possibilidade grande de crescimento. Era 2008 e ainda não havia o curso de Medicina, tinha o prédio de um hospital grande (o 'Predião') para entrar em funcionamento. Me apaixonei pela estrutura do câmpus, que já era um centro de excelência, mas havia muito ainda a ser explorado.

JC - Foi por esta visão que o senhor acredita ter chegado à diretoria clínica do hospital Centrinho?

Lourençone - Foi ter vivido aqui dentro, em dedicação exclusiva, o que me fez conhecer vários funcionários e setores. Demorei cinco, seis anos para abrir consultório depois de terminar a especialização, pensando nos resultados a longo prazo. Quando comecei a ter algumas responsabilidades no hospital, fiz MBA em gestão em saúde. Isso, agregado ao fato de estar terminando o doutorado e de tudo que eu já havia feito como cirurgião do Centrinho, me trouxe a oportunidade de assumir, em 2018, a Diretoria Clínica, que tradicionalmente é gerida por médicos mais velhos, e também a chefia da Seção de Implante Coclear. Minha intenção é trabalhar bastante para fazer jus a estas cadeiras, para ajudar cada vez mais e, junto com a equipe, deixar um legado.

JC - Mesmo com cargos de gestão, o senhor continua realizando cirurgias de implante coclear, com contato direto com pacientes e famílias. Há alguma história que o tenha marcado mais?

Lourençone - Tenho, para mim, que não há como separar o lado pessoal do profissional. Então, a relação com os pacientes é muito próxima. A imagem que me vem à cabeça são rostos de mães do Brasil todo, com bebê no colo, aflitas porque aquela criança de cinco quilos vai precisar de uma cirurgia e que ela pode não escutar, não falar. As angústias são sempre muito parecidas e a gente precisa ter sensibilidade para acalmar e acolher as famílias. Depois de seis meses, um ano, quando esse furacão passa e a criança já está ouvindo e se desenvolvendo igual às outras, o agradecimento que a gente recebe é fantástico.

JC - A que o senhor atribui ter alcançado uma carreira tão bem sucedida, com um currículo extenso, com apenas 39 anos?

Lourençone - Creio que saber o que eu queria desde muito cedo e ter me planejado, tomando decisões a médio e longo prazos. Atribuo a meus pais o fato de eu ter entendido que eu tinha que buscar um propósito. Se você está preparado para quando surgirem as oportunidades, consegue atingir seus objetivos mais cedo. Fora isso, o feedback dos pacientes e das famílias me motiva a continuar buscando cada vez mais. E as relações que a gente constrói também são muito importantes. Alunos que fazem residência aqui se tornam amigos pessoais, a gente almoça junto com pacientes, muitas vezes. É um vínculo que ninguém - nem eu, nem eles - esquece e que deixa o caminho mais suave.