15 de dezembro de 2025
Geral

Cemitério Aimorés reúne histórias silenciadas pelo tempo desde 1933

Bruno Freitas
| Tempo de leitura: 3 min

"Hic finis doloris vitae". Na tradução do latim, "aqui terminam as dores da vida". Assim está o boas-vindas no portal do cemitério do antigo Asilo Colônia Aimorés de Bauru, inaugurado em 1933, que conta com 2.595 sepulturas. Um ponto final para dor, sofrimento e estigmas de vidas marcadas pela hanseníase e o histórico de duro preconceito que a doença trouxe em décadas de isolamento compulsório. Dados atuais apontam que ela atinge mais de 25 mil brasileiros todos os anos.

O local de descanso dos restos mortais dos antigos internos e de pessoas ligadas ao asilo traz um semblante que remete a uma época muito distante, esquecida. Afastado do perímetro urbano e rodeado por mata preservada, o cemitério hoje é visitado quase sempre por ciclistas. Isso porque está no centro de rotas de diversas trilhas que vão desde o radar do IPMet até Pederneiras. Ainda há aqueles que vão ao local à noite para fazer suas oferendas, com vinhos, espumantes, símbolos religiosos e pratos de comida.

Diferentemente do que muitas pessoas acreditam, o cemitério não é de competência do que é hoje o Instituto Lauro de Souza Lima, órgão do Estado, mas sim da Sociedade Beneficente "Dr. Enéas de Carvalho Aguiar", uma associação privada fundada em 1970. Antes disso, a partir de 1933, era denominada "Caixa Beneficente do Asylo Colônia Aymorés". E debaixo daquele solo estão enterradas histórias que jamais serão contadas.

Um "perito" deste cemitério é Jaime Prado, de 68 anos, que se aposentou do instituto em 2007, após carreira de 41 anos no asilo. "A história não foi respeitada como deveria ser. Tenho fotos de quando encontrei os registros no porão, dados do período entre 1933 a 1945, que foram comidos por cupins e traças. Meu sonho é que tudo seja revitalizado", lamenta.

Perguntado se ele acredita que este cemitério é um local de repouso espiritual, ele acredita que não. "Todas as vezes que venho aqui eu me emociono. Aqui continuam as 'dores da vida'. Eles foram muito ignorados. Muitas das pessoas que partiram aqui podem ter encontrado a paz, sim, mas todos, não. Em vida, sofreram muito", acrescenta Jaime, que possui enterradas ali duas tias, Amélia e Lourdes. A segunda se viu obrigada a ter os quatro filhos separados dela devido ao diagnóstico de hanseníase nos anos 50, quando os doentes ficavam confinados.

Jaime lembra ainda de algumas sepulturas marcantes. O número 1, de 1933, sem lápide, está sob terra batida. Há uma lápide tripla, de uma jovem mãe que teve sepultado ao seu lado as duas filhas gêmeas. Não há placas. Tem a lápide de Oswaldo Cruz, um ex-diretor tido como muito bondoso, que morreu em 1998 e que fez questão de ser enterrado lá. Ao lado está o icônico Nivaldo Mercurio, o paciente mais longínquo, que viveu praticamente toda a sua vida de 89 anos na colônia. Morreu em 2016. O túmulo do monsenhor José Luiz de Godoi Clemer é outro local curioso. Foi enterrado em 1961 e o mato encobriu sua lápide por décadas, até ser descoberto por Jaime Prado no início dos anos 2000, que procurou e avisou os descendentes bauruenses que não sabiam de seu paradeiro.

O cemitério já se tornou um ponto de parada quase obrigatória, há anos, de ciclistas que fazem pausa de seus percursos de 20, 30 até 100 quilômetros aos finais de semana, para se refrescar na torneira, respirar e refletir. Alguns deles ainda plantam sementes de plantas e flores na tentativa de dar um pouco de cor e vida ao local.