15 de dezembro de 2025
Geral

Após 'explosão' de MEIs na pandemia, metade está inadimplente em Bauru

Tisa Moraes
| Tempo de leitura: 8 min

Alternativa encontrada para muitos bauruenses que perderam renda, o registro como microempreendedor individual (MEI) teve um 'boom' em Bauru durante a pandemia. Mas, com o tempo prolongado de crise sanitária e as dificuldades enfrentadas por estes pequenos negócios, metade deles está inadimplente, com pagamento de impostos atrasado.

Segundo dados fornecidos pela Delegacia da Receita Federal em Bauru, aproximadamente 50% dos 37.407 empreendedores inscritos na categoria não pagaram o Documento de Arrecadação do Simples Nacional (DAS-MEI) entre janeiro e março.

Considerando a taxa mínima de R$ 56,00, paga pelos MEIs do setor do comércio ou indústria, o débito acumulado nestes três primeiros meses chega a pelo menos R$ 2,761 milhões. Já do início da pandemia até março deste ano, o valor ultrapassa os R$ 11,576 milhões.

Os meses de abril a junho não estão sendo considerados porque o Simples Nacional prorrogou o pagamento destas cotas, com prazo final adiado para 20 de agosto até 20 de dezembro, dependendo da data original de vencimento do boleto. O valor da taxa, que pode chegar a R$ 61,00 por mês, corresponde à contribuição de INSS, ISS e ICMS.

Diretora de Fomento ao Empreendedorismo e Assuntos do Trabalho da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico (Sedecon), Jacqueline Rodrigues dos Santos Zuccari analisa que a crise econômica do País, agravada pela Covid-19, foi determinante tanto para o aumento do número de MEIs em Bauru - com 450 novas inscrições ao mês - quanto para a alta da inadimplência. A análise é de que muitos destes pequenos negócios acabaram não vingando e, por desconhecimento, o microempreendedor acabou não dando baixa em sua inscrição, sem se dar conta de que continuaria sujeito às obrigações tributárias.

PRIORIDADES

Outra realidade é a dos MEIs que ainda seguem em atividade, mas com faturamento insuficiente para quitar todos os débitos. "Nesta situação, eles tiveram de estabelecer prioridades, como garantir a alimentação da família e as despesas da casa. O pagamento da contribuição, embora não seja um valor elevado, acabou ficando em segundo plano", analisa.

Para o economista Reinaldo Cafeo, a dificuldade financeira se somou à falta de experiência em gestão de um grande contingente de MEIs, que trabalharam como funcionários de empresas a vida toda e são pouco familiarizados com o universo dos negócios. "São comuns situações em que o faturamento do MEI se confunde com o orçamento da casa e estes microempreendedores sequer têm dimensão das implicações ao deixar de pagar tributos", detalha. A Receita Federal destaca, aliás, que esses devedores serão inscritos na dívida ativa a partir de setembro e poderão ter o CNPJ cancelado e os débitos cobrados na Justiça (leia mais na página ao lado).

Outro agravante para esse cenário, o economista aponta, foi o aumento da inflação, que encareceu o custo de vida e o preço dos insumos, inviabilizando a sobrevivência dos negócios ou tornando inevitável o estabelecimento de prioridades, com foco no suprimento das necessidades básicas, pagamento de salário de funcionário e compra de matérias-primas.

Desde 2020, 450 seformalizaram na categoria a cada mês

De julho de 2020 a julho de 2021, 5.414 MEIs se formalizaram em Bauru, número superior ao registrado no mesmo período de anos anteriores. A marca equivale a uma média de 450 novas inscrições ao mês, estimuladas pela necessidade de boa parte da população em obter renda, seja pela perda de empregos ou pela redução de salários, autorizada pelo governo federal como medida para preservar postos de trabalho durante a pandemia do novo coronavírus.

A formalização como MEI também foi o caminho para muitos trabalhadores continuarem contribuindo com o INSS, visando assegurar uma futura aposentadoria e benefícios como auxílio-doença e auxílio-maternidade.

Segundo Jacqueline Rodrigues dos Santos Zuccari, da Sedecon, as inscrições também foram impulsionadas pela mudança de regime de contratação adotada por muitas empresas, que vêm privilegiando funcionários como pessoa jurídica (PJ). Desse modo, eles passam a ser prestadores de serviço e as organizações não precisam dispender recursos com direitos trabalhistas e previdenciários.

"Como há exigência de um CNPJ para este tipo de contratação, muitos trabalhadores, para preservarem seus empregos, se formalizaram como MEIs. É algo que se tornou comum, por exemplo, nos serviços de motofrete, na construção civil ou em salões de cabeleireiro", elenca.

Parte dos devedores sequer sabe que tem débito em aberto, aponta Sedecon

A Casa do Empreendedor da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico (Sedecon) é um dos serviços que oferece, de forma gratuita, orientação aos MEIs em Bauru. Porém, principalmente entre os que decidiram investir no próprio negócio há pouco tempo, o desconhecimento sobre o funcionamento do regime do Simples Nacional pode levar a "armadilhas perigosas".

Jacqueline Rodrigues dos Santos Zuccari, diretora da Divisão e Fomento ao Empreendedorismo e Assuntos do Trabalho da Sedecon, relata que o governo federal prorrogou o pagamento de tributos em dois momentos durante a pandemia, neste ano e em 2020, como forma de socorrer estes pequenos negócios. Mas, por falta de conhecimento e experiência, muitos empreendedores entenderam se tratar de isenção, ou seja, que não haveria qualquer cobrança posterior.

Segundo Jacqueline, a Sedecon fez campanhas de divulgação, mas parte dos MEIs ainda não tem total entendimento sobre esta iniciativa federal, que está, inclusive, em vigor neste momento. Os boletos que venceram em abril puderam ser pagos em duas parcelas em julho e agosto; os que venceram em maio serão quitados em setembro e outubro; e, os de junho, em novembro e dezembro.

DIFICULDADE

"O que muitos não compreendem é que, nos próximos meses, eles precisarão pagar, além dos boletos prorrogados, os boletos do mês corrente. O mesmo ocorreu no ano passado, quando alguns tiveram dificuldade para fazer o pagamento destes retroativos. Há uma certa dificuldade para absorver todas as regras", detalha.

MEI pode perderCNPJ e não obter empréstimo

O MEI com pagamento de tributos em atraso poderá ser inscrito em dívida ativa a partir de setembro e, além de perder alguns direitos, terá o débito cobrado na Justiça, com acréscimo de juros e outros encargos previstos em lei. As dívidas serão encaminhadas para inscrição pela Receita Federal, órgão responsável pelo Simples Nacional, regime de tributação ao qual a categoria está submetida.

"Este microempreendedor ficará em situação irregular com o INSS; com a prefeitura, em razão do débito de ISS; e com o Estado, já que o ICMS é imposto estadual. Vão ficar inadimplentes nas três instâncias", alerta o titular da Delegacia da Receita Federal (DRF) em Bauru, Luiz Carlos Anézio. Vale destacar que os débitos cujo prazo de pagamento foi prorrogado e ainda não venceu não serão considerados.

O MEI que não regularizar sua situação até 31 de agosto deixará de ser segurado do INSS, com perda de benefícios como aposentadoria e auxílio-doença. Também terá o CNPJ cancelado, não conseguirá mais emitir nota fiscal e poderá ter dificuldade para obter empréstimos.

Preocupado com o impacto que este encerramento em massa de MEIs poderá provocar, o economista Reinaldo Cafeo sugere que o poder público municipal realize uma grande campanha para orientar e auxiliar estes empreendedores para regularização. "Boa parte do problema pode ser resolvida com esta ajuda, se possível com plantões de atendimento e parceria com entidades como o Sebrae e Sindicato dos Contabilistas", alerta.

Os débitos podem ser consultados pelo MEI no Programa Gerador de DAS do Microempreendedor Individual (PGMEI), na opção "Consulta Extrato/Pendências" e "Consulta Pendências no Simei", no site da Receita Federal, ou com o auxílio da Casa do Empreendedor, que atende gratuitamente.

Os valores devidos podem ser divididos em cotas mínimas de R$ 50,00, até o limite de 60 parcelas, no Portal do Simples Nacional ou no Portal e-CAC da Receita Federal, que são acessados com certificado digital ou código de acesso. Quem tiver dificuldade pode agendar atendimento presencial na Casa do Empreendedor por meio do (14) 3227-7819 e (14) 3232-1392. O serviço funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h.

'Meu faturamento despencou e eu não consegui mais pagar os boletos'

Dono de um delivery de lanches, Jairo Goffi Júnior, 57 anos, foi um dos microempreendedores individuais de Bauru que foram forçados pela circunstâncias a parar de pagar os boletos durante a pandemia. Logo no início, em abril do ano passado, seu faturamento despencou para um quarto da quantia que estava acostumado a alcançar e o resultado foi a falta de dinheiro e sobra de contas a pagar.

"Até cliente com poder aquisitivo melhor desapareceu. Quase todo mundo perdeu poder de compra nessa pandemia, ainda mais com a inflação alta. Foi generalizado", avalia. Ainda de acordo com ele, a crise sanitária fez a concorrência do comércio de lanches aumentar, o que levou à pulverização da clientela.

Como consequência, as contas, incluindo os boletos do DAS-MEI, se acumularam, já que Jairo entendeu que seria necessário priorizar algumas despesas, como pagar o funcionário que faz as entregas e comprar as mercadorias para produzir os lanches. "Fome não passei, até porque poderia fazer um lanche para mim também", conta ele, revelando que a situação foi agravada quando o banco reduziu o limite do seu cartão de crédito.

"Agora, estando inadimplente, não consigo fazer empréstimo para pagar o que devo ou mesmo para investir no meu negócio. Mas, aos poucos, acredito que as coisas vão melhorar", projeta ele, adiantando que fará o parcelamento das taxas atrasadas do MEI antes de a cobrança chegar na Justiça.