Foi após sobreviver a um câncer raro, descoberto durante o parto de um filho, que Luciana Aparecida Melenchion Quintiliano, 45 anos, resolveu abdicar do cargo de chefia na área de vendas de uma empresa para dedicar-se a uma vida menos material e inteiramente voltada à doutrina espírita e ao voluntariado. Hoje, ela preside um dos 21 Centros Espíritas existentes em Bauru, o Irmã Catarina (Ceic), localizado na Vila Cardia, que vai comemorar 62 anos na próxima quarta-feira (13).
Movida pelo amor ao próximo e pela vontade de fazer a diferença na vida de quem precisa, ela conta que se mudou para as imediações do Ceic e chegou a transformar sua própria casa em um braço da entidade para ajudar de modo "full time" (24 horas) pessoas necessitadas, seja por orações, aconselhamentos ou por doações. Desta forma, seguiu os passos da fundadora da entidade, Alice Alves Pereira, que desencarnou em 2002.
Natural de Avaré, Luciana veio para Bauru por trabalho em 1993. Ela é casada desde os 17 anos com o vendedor Alex Sandro Quintiliano, 48 anos, com quem tem três filhos, Leonardo, 24, Lucas, 22, e Stefany, 10. O marido, inclusive, é o braço direito dela nas ações de arrecadação: quando não está no trabalho, se dedica a ajudar o Ceic a conseguir dar conta da entrega de cerca de 200 cestas básicas e outras dezenas de doações.
Jornal da Cidade - Como iniciou sua relação com a doutrina espírita?
Luciana Melenchion - Eu vim de uma família católica, mas somos todos espíritas, hoje. Conhecemos o espiritismo por meio da dona Alice, em 1996. Antes do Ceic ser fundado, em 1959, ela recebia pessoas nos fundos da casa dela, que é vizinha à sede da entidade. Meu cunhado estava doente e, depois de ser atendido por ela, melhorou muito. Depois daquele dia, passei a me interessar e frequentar o centro. Mas foi depois de um câncer raro no ovário, encontrado durante o parto do meu segundo filho, que me transformei e abdiquei do trabalho para me entregar a uma vida menos materialista e dedicada ao próximo.
JC - Você teve medo da morte?
Luciana - O câncer era raro e grave e eu tinha um filho de dois anos e outro bebê. Mas a doutrina e a espiritualidade me fortaleceram, não tive medo da morte. Entendi que fazia parte do meu aprendizado e passei a encarar como um presente de Deus. O câncer me fez enxergar que eu não levaria nada daqui, a não ser o que eu tivesse feito por alguém. Fiz acompanhamento por dez anos e ganhei esse tempo a mais de vida. E, passei a viver cada dia como se fosse o último.
JC - Qual sua missão a frente do Centro Espírita, você também é médium?
Luciana - Eu já sentia uma energia diferente e desenvolvi a mediunidade após conhecer e estudar a doutrina, meus mentores são o Pai Joaquim e a Irmã Ana. Estou na diretoria da Casa há 20 anos, após a dona Alice desencarnar. Temos 150 voluntários, uma média de 400 atendimentos semanais, além de atendermos mais de 150 famílias com cestas básicas e entregar 200 marmitas às terças-feiras. Realizamos bazar com roupas, calçados, livros, móveis, eletrodomésticos e o valor arrecadado é revertido em alimentos.
JC - Você tornou sua própria casa um braço da entidade, como tem funcionado isso?
Luciana - Sim (risos). O Centro tem apenas voluntários, não funcionários. Então, ele fica boa parte do dia fechado quando não tem atividade. E, para não perdermos doações, deixo meu contato e meu endereço em cartazes na frente do Ceic e da minha casa. Também, sempre tem uma pessoa precisando de uma palavra e um aconselhamento, todo dia há algo a resolver, já cheguei a sair da cama de madrugada para atender. Recentemente, tive restringir um pouco, porque tenho família e filha pequena. Então, deixo o celular do Centro ativo até às 22h, mas religo às 8h.
JC - O que te move a ajudar tanta gente, a espiritualidade torna as pessoas mais humanas?
Luciana- O amor ao próximo me move, ele é meu combustível. Eu consigo ver a diferença na vida da pessoa quando entrego uma cesta ou uma doação. Sentir essa alegria me impulsiona a continuar. Quando a gente faz o bem sem olhar a quem e sem esperar nada em troca, o amor floresce. É fascinante poder estar viva e servir as pessoas que precisam.
JC - A pandemia trouxe que tipos de desafios para sua missão?
Luciana - A pandemia dobrou a demanda por cestas básicas, que era de 100 e, hoje é de 200 no Ceic. Com isso, começamos a distribuir também marmitas às terças-feiras. Pessoas que nunca imaginamos passaram a procurar a Casa. São autônomos, como cabeleireiros e manicures, que têm enfrentado dificuldades.
JC - Como o espiritismo encara o atual contexto de mundo, de conflitos, pobreza extrema, pandemia e desastres naturais?
Luciana - Tudo faz parte de um aprendizado para a humanidade. Estamos em um planeta de provas e expiações, que um dia será regenerado, não sabemos quando, mas irá. Para isso, as mudanças são necessárias e a espiritualidade tem ajudado os que precisam, mas os desastres ocorrem para o aprendizado das pessoas. Muitas irão aprender com tudo o que tem acontecido, outras não. Dependerá de cada ser evoluir nesta vida ou não.