20 de dezembro de 2025
Geral

Todos, todas, todes ou todxs: gênero neutro provoca polêmica e discussões

Tisa Moraes
| Tempo de leitura: 3 min

É provável que o leitor já tenha se deparado com textos em redes sociais ou discursos em que a vogal "e" ou o "x" são utilizados no final de algumas palavras, como as que ilustram o título desta reportagem. O recurso tem sido utilizado por pessoas que não se veem representadas e acolhidas pela língua da forma como ela se manifesta hoje, a partir do sistema binário masculino-feminino.

A discussão sobre a chamada linguagem neutra tem gerado um embate caloroso entre ativistas LGBTQIA , que passaram a questionar esta variação binária de gênero no Português, e a parcela da população que se autodenomina conservadora. Em Bauru, as reações extrapolaram a Internet e ganharam o debate político.

No final do mês passado, o vereador Eduardo Borgo (PSL) protocolou um projeto de lei para proibir todas as instituições de ensino de Bauru, da rede pública e privada, bem como todos os órgãos da prefeitura de utilizarem gênero neutro. Em sua justificativa, o parlamentar alega que não se pode admitir práticas que atentem contra "uma educação que qualifique o jovem bauruense para os desafios profissionais", privilegiando "minúsculos grupos militantes, que têm por objetivo avançar suas agendas ideológicas, utilizando a comunidade escolar como massa de manobra".

Borgo, nesta última semana, também se manifestou contrário à instalação de banheiros sem distinção de gênero na unidade do McDonald's de Bauru. Esta, aliás, foi outra mudança que gerou forte reação nas redes sociais, inclusive com ameaças de boicote e acusações de que a maior cadeia mundial de restaurantes de fast food havia se aliado ao comunismo e até autuação por parte da prefeitura (leia mais na página ao lado).

'IDEOLOGIA DE GÊNERO'

Sobre o projeto de lei que busca vedar o uso do gênero neutro e que ainda tramita nas comissões internas da Câmara, Borgo argumenta que estas formas de expressão não fazem parte da Língua Portuguesa e que o uso nas escolas provocará ainda mais dificuldades no aprendizado, considerando que as regras gramaticais estabelecidas já são bastante complexas. Além disso, alega que o movimento busca incutir "ideologia de gênero" na cabeça das crianças.

"Não tenho preconceito. O que sou contra é que grupos minoritários tentem empurrar goela abaixo pautas sobre sexualidade em nossas crianças. Tem que deixá-las em paz. No dia a dia, conforme elas forem crescendo, naturalmente vão entender", afirma.

Estudiosas favoráveis ao uso da linguagem neutra ouvidas pela reportagem, contudo, destacam que não se trata de uma mera reivindicação por mudança gramatical, mas sim de transformação das relações de poder, para tornar visível uma parcela da sociedade historicamente marginalizada. De acordo com a pesquisadora Larissa Pelúcio, livre docente em estudos de gênero, sexualidade e teorias feministas, diferentemente do que ocorreu no início deste século, em que movimentos sociais de pessoas negras, mulheres, homossexuais e transexuais demandavam visibilidade, neste momento, a luta é por representatividade.

INCÔMODO

Neste sentido, além de garantir a inclusão de pessoas não binárias e intersexo, a neutralização de gênero no vocabulário aboliria o uso do masculino genérico - como a palavra "todos" para representar homens e mulheres -, o que serviria para extinguir a hierarquização de gêneros na sociedade, com inferiorização das mulheres em relação aos homens.

"Estamos falando da possibilidade de ter um discurso articulado, produzido sobretudo por pessoas que tem a experiência subjetiva da exclusão, do rechaço e que passaram a pensar criticamente sobre isso. O incômodo de parte da sociedade não é de ordem gramatical, mas política, e reforça exclusões que parecem bobagens, mas que não são, porque somos seres linguísticos e, por isso, as palavras importam, ferem, ofendem ou incluem", observa.