24 de dezembro de 2025
Entrevista da semana

Ela reconstruiu a vida sobre os patins

Guilherme Tavares
| Tempo de leitura: 4 min

Em 2016, a bauruense Alessandra Cristina Ferreira Gianinni sofreu um acidente que mudaria para sempre a vida dela. Perdeu o noivo e teve a perna esquerda amputada. Dali em diante começaria uma fase de adaptação e descobrimento dos direitos das pessoas com deficiência.

Mas algo permaneceu inalterado: a paixão pelos patins. Apesar de parecer impossível à primeira vista, ela demonstra total desenvoltura ao calçar o equipamento e descer ladeiras, mesmo com uma prótese na altura da coxa. "Depois do acidente, fiquei 52 dias internada. Ainda no hospital, eu disse para minha mãe que eu nunca mais andaria de patins. Achava impossível, mas quando subi de novo pela primeira vez, pensei: Uau!"

O reencontro com essa grande paixão possibilitou novos caminhos. Ela começou a publicar nas redes sociais (@alessandra_gianinni) fotos e vídeos em cima das rodinhas, o que chamou atenção de marcas de cosméticos, confecções e clínicas de próteses. "Já vi patinadores com amputação transtibial (abaixo do joelho) e, por terem a articulação do joelho, a adaptação no esporte é mais fácil. Mas é muito raro uma patinadora transfemoral (amputação acima do joelho), como é o meu caso", explica. Desde então, ela passou a dividir seu tempo para atuar como influencer, modelo e militante digital.

Alessandra é filha de Alexandre Valter Gianinni, 74 anos, e Maria Lúcia Ferreira, 54 anos. Ainda tem um irmão mais novo, Giovani Ferreira Gianinni, 24 anos. Para 2022, o plano é produzir conteúdo para o canal no Youtube sobre direitos das pessoas amputadas, fazer novos ensaios fotográficos e, claro, patinar muito.

Confira a seguir os principais trechos da entrevista que ela concedeu ao JC.

Jornal da Cidade - Depois do acidente, você entrou em um período de superação. Qual foi o ponto de virada?

Alessandra Gianinni - Foi a patinação, é uma grande paixão. Andava desde os seis anos de idade, mas depois do acidente achava que nunca mais iria fazer. Em 2019, uma amiga chamada Mariana me chamou para patinar com o grupo dela. Eu achei que não conseguiria, mas quando subi e comecei a fazer coisas, pensei: Uau! No começo deu um pouco de medo, mas fui lembrando de quando era criança, sentindo a memória corporal e foi natural. A sensação é incrível, porque eu não consigo mais correr, então ter essa movimentação é demais. E foi aí que comecei a planejar a vida novamente.

JC - E como foi esse processo para voltar a patinar?

Alessandra - Tive que fazer uma adaptação na prótese, para ela ficar travada e não dobrar o joelho. Assim consigo andar na rua e nas pistas. Mas não é o ângulo ideal. Estou fazendo uma campanha com uma clínica de São Paulo para me fornecerem uma prótese mais adequada, mas preciso levantar uma parte do dinheiro. Para isso, estou promovendo uma campanha de arrecadação na internet (vaka.me/2572640) e fechei agora em janeiro uma parceria com uma loja de roupas de Santa Catarina (deanfall.com.br). Eles me estamparam em duas camisetas e eu recebo parte das vendas. Me descobriram porque comecei a postar fotos e vídeos nas redes sociais patinando de prótese.

JC - Você também fez ensaios fotográficos depois do acidente. Qual era a intenção?

Alessandra - Foi para eu poder me olhar de prótese, aceitar meu corpo e influenciar pessoas a aceitarem os corpos delas. Geralmente quando você vê uma modelo ela é magra, perfeita, toda linda, e por que não pode ter a representação de uma pessoa numa cadeira de rodas? Amputada? Cega? Fiz um ensaio sensual em novembro, com o fotógrafo Gabriel Potter, porque acho que é o sonho de toda mulher, algumas só não têm coragem. E um dos primeiros trabalhos foi para uma marca de cosméticos. Foi incrível! Nunca pensei fazer parte do elenco de uma empresa como essa!

JC - Conseguir uma prótese comum, para retomar a autonomia, foi difícil?

Alessandra - Bastante, apesar de ser um direito da pessoa com deficiência. Fiquei alguns meses usando muletas até conseguir o primeiro equipamento pela Apae, em 2017, porque era mais rápido. Só mais recentemente, no começo de 2021, consegui o equipamento pelo INSS, que é mais caro e, por isso, mais bem adaptado. O encaixe na perna precisa ser feito de acordo com as necessidades da pessoa, para não machucar. Por isso que muitos amputados, depois de algum tempo, desistem da prótese. E muita gente não sabe que tem esse direito, qual órgão recorrer, a cada quanto tempo pode trocar. E tudo custa muito caro, uma prótese bem básica chega a R$ 45 mil. As melhores passam dos R$ 100 mil. É possível financiar, mas você se afunda em dívidas.

JC - Além de modelo e patinadora, o que mais planeja?

Alessandra - Tenho um canal no Youtube e quero produzir mais conteúdo voltado para informar e influenciar amputados, principalmente sobre os direitos deles. Muita gente não sabe como conseguir as próteses, a quem recorrer. As pessoas não sabem, por exemplo, que elas têm direito a trocar esse equipamento a cada cinco anos. Também pretendo dar informações sobre modelos mais adequados para cada nível de atividade ou de acordo com a idade da pessoa. Então minha ideia é informar, influenciar e trabalhar como modelo daqui para frente.