24 de dezembro de 2025
Entrevista da semana

O dom na batida do samba-enredo

Guilherme Tavares
| Tempo de leitura: 4 min

Saber é um privilégio, transmitir é uma arte, cativar é um dom. A frase é uma das preferidas de Mauro Vieira dos Santos, 65 anos, pois resume o sentimento de quem começou desde cedo a compor e a cantar. Está gravada em uma placa, uma das muitas premiações que Maurinho Santos, como ficou conhecido, recebeu ao longo da carreira. Os maiores reconhecimentos vieram do samba, gênero que conquistou o coração dele. No Carnaval de Bauru, sete de seus sambas-enredo venceram o Tamborim de Ouro, uma das principais premiações da festa.

Filho de Pedro Martins de Paula e Iolaide Iolanda Santos, ambos em memória, nasceu em São Paulo e mudou-se ainda pequeno para Bauru. "Aprendi a ler muito cedo dentro de casa com minhas irmãs. Sempre tive facilidade em aprender. E a música, a arte, sempre foram naturais", resume. O talento virou profissão. Ao longo da trajetória, participou de bandas, orquestras, tocou em bailes, shows, bares e restaurantes.

Além da alegria, usa as composições para propor críticas sociais, pois enxerga a arte como ferramenta de reflexão e transformação. Há sete anos, faz parte do bloco Bauru Sem Tomate é Mixto, que tradicionalmente desfila no Calçadão da Batista em tom de protesto e ironia.

Outra paixão que mora no peito é Rosângela Ricci dos Santos, 64 anos, com quem é casado há 44 anos. Da relação, nasceram Weslley Roberto, Meggye Valéria e Dabbye Iolanda. E nada menos do que 14 netos. "Quando reúne é muito bonito", se envaidece.

Agora, prepara-se para uma nova etapa. No final de abril, ele e a esposa vão passar uma temporada na Itália, na casa de uma das filhas. "Eu gosto do novo, vou lá conhecer. Adoro o Brasil, mas o problema hoje é o social, a economia". Porém, não deixará o País sem antes fazer uma última apresentação.

A seguir, confira os principais trechos da entrevista que ele concedeu ao JC.

Jornal da Cidade - Já são dois anos sem Carnaval em Bauru. Qual o tamanho da saudade?

Maurinho Santos - Enorme! Sou feliz porque respiro Carnaval. Estou com muita saudade. Sempre fiz Carnaval tanto escrevendo samba-enredo, quanto tocando com orquestras e bandas em clubes. Matinês, balneários. A vida sem apresentação entristece muito a gente. O artista vive disso, respira isso. Agora, os diretores de bloco Bauru Sem Tomate é Mixto vão apresentar a música que eu já escrevi. Está pronta, só não sabemos se será virtual ou presencial.

JC - Você já escreveu muitas letras em tom de crítica. De onde sai a inspiração?

Maurinho - O tema vem, o enredo vem junto. Você trabalha ele. Para isso, você tem que ter os olhos abertos para a sociedade como um todo, para os segmentos político, social, econômico. Sempre procuro estar atualizado. E o lado político... Estamos no Brasil, é um prato cheio. Tanta coisa acontece, discordâncias. Entendo que meu trabalho de alguma forma está levando conhecimento e informando as pessoas. Partindo desse princípio é que a gente escreve, acreditando sempre ser possível melhorar.

JC - Mesmo um momento festivo como Carnaval pode ser transformador?

Maurinho - Carnaval é essencialmente cultura. Muita gente só entra pela alegria. Mas o grande sentido para quem organiza é a informação, a história. Tem mitologia, política, é um teatro a céu aberto, é maravilhoso, um exemplo de organização social. O leigo fala mal do Carnaval. Agora, vá organizar uma escola de samba e ver o que é necessário, o quão difícil é colocar tudo aquilo sincronizado. É um exemplo de organização social. Muita coisa seria melhor na política com a organização do Carnaval.

JC - De onde veio a vontade de escrever letras de músicas?

Maurinho - Eu acredito que nasce com a gente. Aprendi a ler muito cedo dentro de casa, com minhas irmãs me ensinando, antes mesmo de entrar na escola.

JC - Tem preferência por gênero? O que mais gosta de cantar?

Maurinho - A gente começa pelo popular, mas quando você passa a ser de orquestra, o repertório precisa ser vasto, amplo. Passei a cantar valsa, mambo, foxtrote. Toquei 17 anos com o maestro Badê. Me ensinou a gostar de seresta. No começo eu não queria. Hoje sou apaixonado!

JC - Por falar em escrever, em 2019 você lançou um livro (Bis... Muito Além de um Refrão). Quais motivos o levaram a publicá-lo?

Maurinho - Tive alguns problemas emocionais. No passado, houve um episódio com uma composição minha que pode ter sido plagiada. Depois de muitos anos, o livro foi mais para expor como acabei com tudo isso. Sofri muito, mas superei quando escrevi.

JC - Você e a esposa se preparam para ir para a Itália. Por que deixar o Brasil depois de 65 anos?

Maurinho - Uma das minhas filhas mora lá há dois anos e nos convidou. Eu gosto do novo, vou lá conhecer. Mas antes vou produzir um show com convidados para explicar o que é Carnaval, porque é cultura e exemplo de organização social. Será online, ainda estamos resolvendo o formato, se será ao vivo ou gravado.

JC - Do que mais vai sentir falta?

Maurinho - Do dia a dia, das pessoas que conheço. Mas a princípio estou pensando mesmo é em curtir muito. Posso dizer que sou uma pessoa realizada. Me considero um homem rico. Tenho bons amigos, tenho saúde.